A palavra consciente tem alçado voos mais altos. Para avançar à frente do mercado, cada vez mais competitivo, as empresas têm apostado no chamado capitalismo consciente, um movimento mundial que têm ganhado cada vez mais adeptos. No sul do país, as cooperativas locais resolveram aderir ao conceito, colocando-o na prática de forma inovadora e, claro, consciente. Mas do que se trata, afinal, o Capitalismo Consciente?
O fundador do movimento no Brasil, Peru e Colômbia, Thomas Eckschmidt, explica. Segundo ele, o Capitalismo Consciente é uma filosofia de negócio que resgata a essência do empreendedorismo de uma forma estruturada. “Quando conheci os fundamentos do Capitalismo Consciente, reconheci que em meu negócio era um capitalista consciente inconsciente, o que significa que tentava viver esta filosofia, mas pela falta de conhecer esse modelo de pensamento e gestão, cometia muitos erros que me desviaram da minha intenção e causaram atrasos no nosso crescimento”, afirma.
Depois de muito estudo sobre o tema, Thomas acrescenta que a filosofia está baseada em quatro fundamentos: propósito evolutivo, interdependência dos stakeholders, cultura responsável e liderança de cuidar (ver box). E que o cooperativismo é uma das melhores expressões de um Capitalismo Consciente. “Mas isso não significa que todas as cooperativas estão nesse nível de maturidade. A formação de uma cooperativa está fortemente baseada nos fundamentos de um capitalismo mais consciente. Portanto, no sul do Brasil, elas têm mais tempo de jornada, permitindo que se atualizem em termos de propósito, fortalecendo a questão da interdependência e promovendo a cultura responsável de cooperar, o ‘juntos somos mais’, reconhecendo uma liderança de cuidar, através dos exemplos e práticas com os seus entornos”, explica ele, acrescentando que no sul, as cooperativas estão fazendo a transição de uma gestão de metas para uma gestão por propósito. “O que não tem sido fácil, pois não é apenas mudar uma chave, é mudar um modelo mental onde temos poucos motoristas e muitos passageiros. Assim, temos resgatado algumas cooperativas que escorregaram nessa transição de metas para propósito, trabalhando uma abordagem de autogestão através de uma transformação com a aplicação dos fundamentos do capitalismo consciente em todos os níveis da organização”, detalha.
Solon Stapassola Stahl, administrador, embaixador do Instituto Capitalismo Consciente (ICCB) e diretor executivo da Sicredi Pioneira -RS, concorda e cita, inclusive, uma frase de Thomas Eckschmidt: “Para ele, ‘as cooperativas são negócios conscientes por DNA’. Isso retrata que os princípios e valores do cooperativismo nos fazem negócios conscientes por natureza e excelência, nos tornando ótimas expressões do Capitalismo Consciente. Afinal, buscamos resultado econômico respeitando interesses de todas as partes, em especial nossos associados e as comunidades onde atuamos”, aponta.
O administrador diz, também, que as cooperativas não precisam fazer nada de diferente do que já fazem, mesmo que estejam em diferentes estágios de evolução e maturidade sobre o papel que representam na sociedade. “Por isso, tem espaço para todas as cooperativas evoluírem na adoção de práticas conscientes. Mas o principal papel que vejo das cooperativas no contexto do Capitalismo Consciente é o de divulgar suas práticas conscientes, para gerar influência e dar exemplo de que é possível ser lucrativo, respeitando as pessoas e o planeta. Aliás, há várias estatísticas que demonstram que empresas conscientes são mais lucrativas no médio e longo prazo”, observa.
Os benefícios do Capitalismo Consciente e seus impactos nas empresas
Na prática, o Capitalismo Consciente oferece uma gama de benefícios para as empresas que decidem apostar nessa tendência. De acordo com o livro “Capitalismo Consciente – Guia Prático”, publicado por Harvard e assinado por Thomas, pesquisas comprovam que as empresas que praticam esta filosofia de maneira consciente alcançam até 10 vezes mais resultado financeiro do que a média do desempenho financeiro do mercado (medido pela valorização do índice da bolsa de valores dos Estados Unidos – S&P500, em períodos de 15 a 20 anos). “Isso é uma evidência clara de que viver de forma consciente os fundamentos do Capitalismo Consciente gera resultados extraordinários. Por isso, criamos um programa de certificação de consultores com mais de 800 profissionais qualificados em 21 países para ajudar as organizações a voltarem para a sua essência, gerando resultados extraordinários (mais informações no site www.CBJourney.com).
Solon reforça o pensamento, adicionando que não se trata de uma mudança, e sim, de uma evolução. “O primeiro ato de ser uma empresa consciente é ser lucrativa. Porém, focar somente no lucro, sem se importar no impacto que a empresa gera nos grupos que interagem com a mesma, chamados de stakeholders, não é saudável no médio e longo prazo, e geralmente gera concentração de riquezas, e não geração de prosperidade para todos. É a aplicação da visão de ecossistema no lugar do egocentrismo. Como disse Henry Ford há mais de 100 anos: ‘um negócio que não produz nada além de dinheiro, é um negócio pobre’. Ou seja, um negócio consciente é aquele que se preocupa com o impacto que gera em todas as pessoas que têm interação, estabelecendo uma relação ganha-ganha-ganha, onde você ganha, o outro ganha, mas o ecossistema também ganha”, afirma.
Além de impactar no lucro, o Capitalismo Consciente também acaba por atingir de maneira positiva a liderança, os colaboradores, os clientes e o mercado. “Em uma organização com propósito, onde seus líderes genuinamente cuidam de seus colaboradores e criam uma cultura responsável, o que muda é o sentimento de pertencimento, de estarem contribuindo para uma causa muito maior que cada um individualmente, conseguindo perceber que a sua presença e seu trabalho têm um impacto verdadeiramente positivo na comunidade em que atuam. Existe mais espaço para a criatividade e a contribuição entre todos os stakeholders, criando um ambiente de mais inovação, onde todos contribuem para melhorar o ecossistema. Isso significa que uma organização baseada nos fundamentos do Capitalismo Consciente consegue atrair fornecedores mais comprometidos, colaboradores mais dedicados, clientes apaixonados e, assim, criar um ecossistema vibrante de prosperidade”, opina Thomas.
Solon defende, portanto, que as cooperativas trabalhem com a questão do longo prazo, deixando o imediatismo de lado. “Desde que o mindset mude da visão de curto prazo para uma visão de longo prazo, pois resultados íntegros e sustentáveis só são possíveis de serem construídos com o tempo. O que não é construído pelo tempo, é destruído pelo tempo. Desta forma, se a liderança, guiada por um propósito, orientada pelo respeito aos stakeholders, e sustentado por uma cultura consciente, acreditar no poder do tempo, colherá frutos melhores. Não se trata só de ter um lucro maior, se trata a ter um lucro melhor, íntegro, justo e sustentável ao longo do tempo. Quando há uma verdadeira mudança interna, orientada por um propósito, conduzida por uma liderança consciente, o reflexo na cultura e na relação com os stakeholders será uma consequência natural. Ou seja, adotar práticas conscientes, e comunicá-las com o principal interesse de gerar influência gerará, de forma orgânica, um posicionamento diferente, demonstrando para a sociedade que as cooperativas de fato, e não só no discurso, preocupam-se verdadeiramente em gerar impacto positivo no seu ecossistema”, opina.
Sendo assim, o Capitalismo Consciente trata-se de ir além do que pode ser visto a olhos nus. Para Thomas, “o cooperativismo, os resultados alcançados, não apenas financeiros, mas principalmente social, são a grande fonte de inspiração para que o cooperativismo siga crescendo e que suas práticas sigam inspirando uns aos outros, além de outros participantes do ecossistema de negócios”.
Ele completa: “uma marca, e não uma cicatriz. Hoje vivemos em um mundo muito mais abundante que a uma geração atrás. Convido o leitor a imaginar o seu pai ou a sua mãe com a mesma idade que tem hoje. Certamente nós, hoje, temos mais conhecimento, conectividade, educação, acesso, mobilidade e muitas outras coisas que a geração anterior não tinha. Isso nos permite tirar o foco da sobrevivência e passar o foco para o significado, para o legado”.
Propósito Evolutivo: representa a causa da organização, o porquê ela existe e a diferença que causa no mundo. Assim como nós precisamos de glóbulos vermelhos para viver, não significa que nosso propósito pessoal seja produzir glóbulos vermelhos. As empresas precisam do lucro para sobreviver, investir, fazer filantropia e muito mais, mas isso não significa que o propósito de uma organização seja gerar lucro financeiro.
Interdependência dos Stakeholders: trabalhar reconhecendo que somos um ecossistema. Assim como na natureza tudo está conectado, no mundo dos negócios estamos todos conectados. Não existem organizações sem colaboradores, fornecedores, clientes e comunidades do entorno. Se um falha, falhamos todos. O nosso sucesso é o sucesso do coletivo.
Cultura Responsável: Somos responsáveis pelo comportamento que temos e promovemos. Não podemos mais aceitar que as práticas de nosso fornecedor ou clientes não afetem a nossa organização. A forma que agimos influencia os stakeholders a nosso redor. Se temos sucesso, nosso comportamento será copiado por aqueles que nos reconhecem como bem-sucedidos.
Liderança de Cuidar: falamos muito de liderança consciente, todas são, até mesmo aquelas que fazem o mal. Liderança deve ser de cuidar. Cuidar dos funcionários para que cuidem da nossa organização, de nossos clientes e, assim, por diante. Cuidar da nossa intenção, do nosso propósito para que todos visem o bem comum.
Dicas para aderir ao Capitalismo Consciente:
- Capitalismo consciente não tem uma linha de chegada. Quanto mais aprendemos, mais a nossa consciência se expande.
- As práticas do passado vão sendo atualizadas com a nova realidade que construímos a cada dia. Uma prática consciente, ontem, pode ser atualizada com o conhecimento disponível de hoje.
- Tenha um propósito claro e comunicado. Ele é o farol que o guiará, principalmente nas tempestades que enfrentará no mercado concorrencial.
- Crie um comitê de práticas conscientes: coloque na agenda da organização a adoção e monitoramento destas práticas, inclusive propondo alterações em políticas e gerando influência na cultura da organização. Ou seja, comece.
- Comunique suas práticas conscientes: é responsabilidade das cooperativas ajudar a melhorar o ambiente de negócios para que sejam mais conscientes, inovadores, construindo prosperidade, alinhando propósito e lucro pelo bem das pessoas e do planeta.
Por Letícia Rio Branco – Matéria publicada originalmente na edição 106 da Revista MundoCoop