Um casarão histórico fincado numa usina de açúcar desativada de Barreiros, pequeno município da Mata Sul de Pernambuco, está sendo transformado numa unidade de produção da Cooperativa Agrícola de Assistência Técnica e Serviços (Cooates). A partir de setembro deste ano, o local vai ser um importante marco da economia sustentável e promete ser um dos principais meios de subsistência da população local. Obedecendo o uso responsável de recursos, a cooperativa se propõe a extrair óleos essenciais para fabricação de biocosméticos de todos os tipos, de perfumes a cremes. “Essa casa hospedava grandes médicos, engenheiros. Nela, eram celebradas as comemorações das safras, por exemplo, pois era a maior usina produtora de açúcar do mundo. É uma história muito bonita e gostaria de mantê-la viva. Por isso, sua recuperação está sendo feita de forma sustentável. Vamos demolir o mínimo possível”, comenta José Cláudio da Silva, presidente da Cooates.
A cooperativa, que existe há 24 anos e também trabalha com extensão rural, assistência técnica, elaboração de projetos e consultoria a agricultores familiares, resolveu diversificar os negócios no ano passado ao entrar para o mercado de apicultura, com uma marca própria de mel e de própolis vermelho. Agora, ousa de novo, partindo para o mercado de biocosméticos, ideia que surgiu justamente pela oportunidade de mercado promissora. “O bioma da Mata Atlântica oferece uma diversidade de plantas que podem ser utilizadas para a produção de óleos essenciais, bem como extração de pomada, látex e tintura. Além disso, conseguimos extrair o própolis vermelho de uma planta chamada rabo-de-bugio, já aprovada pela Anvisa”, afirma José Cláudio da Silva, da Cooates. Ele explica que os produtos, chamados de biocosméticos, surgiram há alguns anos como um alento para quem busca cuidar de si e do planeta ao mesmo tempo, a partir da crescente preocupação com as mudanças climáticas, o desmatamento florestal e a perda de biodiversidade, entre outros efeitos nocivos da ação humana sobre a natureza. “São produtos feitos de bioinsumos, ou seja, que não causam, portanto, danos à pele ou aos cabelos das pessoas, nem aos animais ou ao meio ambiente”, observa.
“Criar unidades de beneficiamento voltadas para a questão da sustentabilidade é uma maneira de gerar oportunidades para os cooperados, seus familiares, filhos e, consequentemente, atingir toda a comunidade”
– José Cláudio, presidente da Cooates.
O objetivo da cooperativa é investir na bioeconomia local, desenvolvendo projetos sustentáveis e inovadores, além de conhecimentos e oportunidades para ribeirinhos, quilombolas, assentados da reforma agrária e pescadores. Tudo isso atrelado aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas, ONU. “Nós, que moramos a 110 km de Recife, sabemos da dificuldade da região em gerar emprego. Por isso a cooperativa tem esse papel de inclusão, de proporcionar uma profissão legal para todos, além de motivá-los. Criar essas unidades de beneficiamento voltadas para a questão da sustentabilidade é uma maneira de gerar oportunidades para os cooperados, seus familiares, filhos e, consequentemente, atingir toda a comunidade”, diz o presidente da cooperativa, acrescentando: “é um projeto de importância gigante para a região e os cooperados, principalmente para conquistar uma condição estabilizada de chamadas públicas com o nosso próprio produto.”
Um viveiro florestal faz parte da cooperativa, onde há produção de mudas com 15 espécies de plantas mapeadas de Mata Atlântica e do ecossistema de manguezal, que serão usadas para a extração dos óleos como matéria-prima para a fabricação dos produtos. Na lista de espécies cultivadas, estão: aroeira pimenteira, junco, copaíba, mutamba, jatobá, além de outras com propriedades medicinais. Os óleos extraídos terão como destino a fabricação de produtos de marca própria, que será batizada de Biocosméticos Vale do Una – em homenagem ao Rio Una, um dos principais de Pernambuco e que corta a cidade de Barreiros.
Cenário otimista do governo: bioeconomia em pauta traz muitos benefícios para cooperativas apostarem no setor
Em dezembro deste ano, a Iniciativa Global de Bioeconomia do G20 vai atrair todas as atenções para Brasília, palco do evento mundial que tem como objetivo debater as questões relacionadas ao uso sustentável da biodiversidade para a bioeconomia. O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva já tem mostrado em seu escopo que a sustentabilidade é um dos seus focos. Segundo dados do próprio governo, o potencial de mercado da sociobiodiversidade da Amazônia é de US$2,5 bilhões ao ano, podendo chegar a US$8,1 bilhões até 2050. Desta forma, a bioeconomia promoverá o desenvolvimento regional, o combate à pobreza e a preservação da maior floresta tropical do planeta.
Neste cenário, José Cláudio da Silva, presidente da Cooates, assegura que a expectativa é de otimismo. Ela afirma que, com a indústria funcionando com sua área de expansão e a de venda estruturada, o primeiro ano de funcionamento poderá chegar a R$1 milhão. “É um mercado inovador que tem potencial, não somente por promover a sustentabilidade, mas por proporcionar renda aos cooperados. Esse é o caminho”, sintetiza.
Ele continua: “É notório que o governo Lula tem lançado questões relacionadas ao desenvolvimento sustentável da indústria brasileira e, dessa forma, a bioeconomia está envolvida neste plano. Somos a primeira entidade a inovar e ser sustentável com bioinsumos e biocosméticos, criando uma perspectiva de produzir cosméticos veganos. Por ter uma relação muito próxima com as comunidades, existem diversas possibilidades de criarmos novas parcerias e produtos”, detalha.
José Cláudio adianta que o ano de 2024 vai ser um divisor de águas no seu negócio. “Vamos afundar o pé para ter a indústria pronta, com marca própria da cooperativa para gerar emprego e oportunidade para toda a comunidade, em especial no município de Barreiros. Pretendemos comercializar nossos produtos no exterior e estamos participando de feiras internacionais: fomos para o Peru e os Estados Unidos, o que tem trazido grande visibilidade.”
Parcerias locais também prometem dar mais gás à cooperativa, que contou com um financiamento de R$450 mil, concedido pela Agência de Desenvolvimento Econômico de Pernambuco (Adepe), além de um investimento de R$850 mil da própria Cooates. A estratégia, segundo José Cláudio, presidente da cooperativa, é desenvolver alianças que agreguem valor. Já o treinamento de mão de obra está sendo realizado graças a uma parceria da Cooates com a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). “Com a universidade, vamos trabalhar a parte fitoterápica e desenvolver produtos como o própolis marrom, verde e o mel de diferentes floradas. Também há potencial para desenvolver outros produtos com xampu, condicionador, óleos essenciais e hidratantes que sigam uma linha vegana”, pontua.
Cooperativismo sustentável precisa de inovação e resiliência
“O cooperativismo, em si, já é um nome que vende bastante”. A frase do presidente José Cláudio da Silva, presidente da Cooperativa Agrícola de Assistência Técnica e Serviços (Cooates), resume o seu pensamento em relação ao modelo do negócio cooperativista. No entanto, ele alerta que as cooperativas devem estar sempre atentas para atender uma demanda de mercado que esteja de acordo com o que o cooperativismo prega, atendendo a sociedade e a comunidade, em primeiro lugar. “Vivemos um mundo voltado para a questão sustentável e, por isso, enxergar algo que antes não se via é de extrema necessidade. Você tem que inovar todo dia”, explica.
Para ele, as cooperativas precisam criar um grupo gestor que envolva mais seus cooperados e, assim, desenvolver propostas para que o produto/ serviço possa ser sustentável. “É essencial medir os impactos do que vai ser vendido, construindo uma plataforma em que as pessoas possam acessar, conectando com o meio ambiente e a sustentabilidade. Quem não inovar, vai ficar para trás. Temos que olhar o horizonte como uma oportunidade de negócio”, coloca.
E, por fim, ele ensina que o principal ponto a ser desenvolvido pelas cooperativas, de um modo geral, é buscar a resiliência. José Cláudio conta que a Cooates tem se moldado conforme o mercado, pois a cada governo precisa fazer as mudanças necessárias, a fim de correr menos riscos. “Temos que observar, tanto do ponto de vista econômico quanto sustentável, as mudanças do pensamento dos governos que assumem, seja federal ou estadual. A partir daí, vai se adequando à realidade. O cooperativismo é um caminho o qual, quando se está junto, se pensa melhor”, finaliza.
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CASE: Rede Impacta Bioeconomia une Sudene e universidades em prol das cooperativas agrícolas e sustentabilidade
Em 2024, o governo brasileiro lançou uma política industrial orientada por missões com metas para o desenvolvimento até 2033. A inovação e a sustentabilidade estão no centro da Nova Indústria Brasil, que definiu áreas estratégicas para investimento de acordo com o impacto potencial no desenvolvimento social e econômico do país. Segundo Danilo Cabral, Superintendente da Sudene, a nova política deve ser aplicada nacionalmente. “Contudo, as questões relativas aos territórios devem ser discutidas regionalmente para maximizar o potencial transformador desta política quando aplicada a cada realidade”, diz.
Ele afirma que, ao discutir as diferentes formas de se aplicá-la ao desenvolvimento territorial sustentável do Nordeste, foi identificada a necessidade de estimular a interiorização da indústria nordestina. “Para isso, elaboramos uma estratégia de unir a indústria, a zona rural, o agricultor familiar, as cooperativas rurais, o meio ambiente e a sociobiodiversidade”, afirma Danilo, cuja estratégia elaborada, orientada pela missão da saúde, se relaciona indiretamente ainda com outras três missões da nova política, como a missão das cadeias agroindustriais (missão 1), a missão da transformação digital (missão 4) e a missão da bioeconomia, além da descarbonização e transição e segurança energéticas (missão 5).
Para viabilizar a estratégia elaborada foi criada a Rede Impacta Bioeconomia, formada entre a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e a Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF) com articulação do iCEIS, o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia do Complexo Econômico Industrial de Saúde (CEIS), sediado na UFPE, e a presença central de cooperativas da agricultura familiar.
Segundo Luiz Alberto Lira Soares, pesquisador do iCEIS da UFPE, tal rede tem a missão de gerar bioeconomia por meio da inovação aplicada à saúde, por meio da ciência, tecnologia e inovação aplicada ao desenvolvimento tecnológico de bioinsumos, bioativos & bioprodutos oriundos da sociobiodiversidade brasileira como ferramenta de desenvolvimento sustentável. “Queremos promover o bem-estar socioeconômico, ambiental e climático, centrado no agricultor familiar agroecológico, na agroindustrialização das cooperativas e na neo industrialização do Nordeste. A rede tem a bioeconomia como uma abordagem econômica e sustentável que busca utilizar os recursos biológicos de forma inteligente, maximizando seu potencial econômico e minimizando os impactos negativos ao meio ambiente. Ela se baseia na ideia de que é possível conciliar o desenvolvimento econômico com a conservação dos recursos naturais, contribuindo para um futuro mais sustentável e resiliente”, observa.
O Plano Regional de Desenvolvimento do Nordeste (PRDNE), elaborado pela Sudene e aprovado por seu Conselho Deliberativo (que conta com a representação dos governadores dos 11 estados de sua área de atuação), tem como um de seus eixos a inovação, componente importante para o desenvolvimento da região. “A Sudene tem o papel de ajudar a estruturá-la para aproveitar o processo de aceleração da transformação digital, de estimular e reorientar políticas públicas cujo eixo central será a inovação para o crescimento sustentável e inclusivo da região, de consolidar e ampliar o sistema regional de educação e o de CT&I, de modo a promover a interação entre eles, com o objetivo de solucionar os problemas locais por meio das iniciativas complementares e articuladas em rede”, diz Danilo Cabral, Superintendente da Sudene. Ele diz ainda que a gestão tem retomado o diálogo e recomposto os elos com as demais instituições que atuam na sua área de abrangência para a promoção das desigualdades socioeconômicas, incluindo as universidades e o setor produtivo.
Em paralelo, o governo federal lançou o Complexo Econômico-Industrial da Saúde (CEIS), um sistema constituído pelos setores industriais de base química e biotecnológica, de base mecânica, eletrônica e de materiais e de serviços de saúde que estabelecem relações institucionais, econômicas e políticas voltadas para a inovação e produção em saúde. “A iniciativa do Impacta Bioeconomia dialoga com essas duas políticas públicas e com o setor produtivo, através das cooperativas para produzir conhecimento, inovação, gerando emprego, renda e oportunidades”, completa Luiz Alberto Lira Soares, pesquisador do iCEIS da UFPE.
O projeto teve início oi com a Cooperativa Agrícola de Assistência e Serviços (COOATES), localizada no município de Barreiros (PE), e a Cooperativa Agropecuária Familiar de Canudos, Uauá e Curaçá (Coopercuc), com sua planta agroindustrial localizada no município de Uauá (BA). “Essas cooperativas demonstraram um nível de maturidade elevado e interesse nas Universidades desenvolverem tecnologias sob demanda para complexificar a renda dos agricultores familiares cooperados, por meio da incorporação de produtos tecnológicos de maior valor agregado em seus portfólios, permitindo que um maior percentual do lucro do negócio permaneça nas mãos da cooperativa, e consequentemente dos seus agricultores cooperados”, afirma Mônica Felts Soares, professora do iCEIS da UFPE.
Ela acrescenta que a produção rural dos insumos deve ser realizada de forma orgânica, devido às necessidades de certificação e rastreabilidade exigidas pelo mercado da saúde. “No entanto, tal exigência não inviabiliza o projeto e/ou produção orgânica destes insumos, uma vez que o produto comercializado com o processamento testes é de alto agregado, não só viabilizando a produção e a certificação orgânica das áreas da cooperativa, mas também visando aumentar a lucratividade das cooperativas agro industrializadas. Após o desenvolvimento do produto, a universidade deve transferir o conhecimento sobre o produto, processo produtivo, métodos de controle de qualidade e as orientações quanto aos assuntos regulatórios sanitários dos produtos para as cooperativas demandantes da tecnologia, visando uma complexificação de sua operacionalização”, afirma.
Por Leticia Rio Branco – Redação MundoCoop
Matéria exclusiva publicada na Revista MundoCoop edição 116