COLUNA ECONOMIA & COOPERATIVISMO
As perdas humanitárias são (ou deveriam ser) o ponto mais relevante de qualquer guerra. É muito triste constatar o sofrimento de milhares de famílias destroçadas pelo atual conflito entre Hamas e Israel. Por dever de ofício, no entanto, tenho a missão de escrever aqui sobre os impactos econômicos desta batalha e o que isso pode afetar o cooperativismo no Brasil. Com respeito e luto, vamos encarar esse desafio.
A exemplo do que ocorreu no início da guerra da Rússia na Ucrânia, o primeiro efeito é percebido no preço do petróleo. Como a Rússia é grande produtor e exportador de óleo, a cotação do barril tipo Brent chegou a bater em US$ 130, voltando meses depois ao patamar entre US$ 70 e US$ 80. Houve também uma explosão nos valores dos fertilizantes, pressionando os custos do agronegócio.
Após o ataque terrorista do Hamas em 7 de outubro, movimento semelhante foi detectado no mercado de petróleo, mas com menor intensidade. O barril ultrapassou os US$ 90, deu sinais de que chegaria à barreira dos US$ 100, mas foi recuando aos poucos para o patamar de US$ 85. O epicentro do conflito no Oriente Médio traz o risco de que países vizinhos possam entrar na guerra, o que certamente causaria novas pressões financeiras. O desfecho, por enquanto, é imprevisível.
Importante salientar que o petróleo ainda representa um dos principais preços da economia no mundo, apesar de todos os esforços recentes em busca de fontes alternativas e mais sustentáveis de energia. Sendo assim, a alta do barril produz reflexos diretos na inflação global, o que obriga as autoridades monetárias a agir. Chegamos, portanto, ao principal impacto do conflito bélico na economia: a alta dos juros.
A pandemia e a guerra da Rússia na Ucrânia foram as responsáveis por uma explosão inflacionária no mundo, nos últimos anos. Países da zona do euro e até os Estados Unidos conviveram com índices de preços em torno de 10% ao ano, uma realidade assustadora para essas nações neste século. O Brasil não passou impune ao fenômeno inflacionário, e o nosso Banco Central foi obrigado a elevar a taxa básica de juros (Selic) para 13,75% ao ano. Agora, com o conflito na Faixa de Gaza, se teme uma repetição deste cenário.
Como a Selic acaba balizando todo o mercado de crédito, aumentou o custo dos financiamentos para as diversas áreas do cooperativismo bem como para seus respectivos clientes. Por definição, juros altos inibem o consumo e o investimento. Após controlar a inflação, o Comitê de Política Monetária (Copom), felizmente, começou a cortar a Selic em agosto, e deve continuar a fazê-lo ao longo dos próximos meses. Meu cenário é de que juros básicos encerrem 2024 em torno de 9,5%, após sucessivos cortes de meio ponto percentual.
A guerra entre Hamas e Israel – e sua eventual difusão no Oriente Médio – têm o potencial de embaralhar a política monetária no mundo inteiro. Se forem gerados impactos inflacionários mais relevantes, os juros ficarão altos nos Estados Unidos e na Europa por mais tempo do que o mercado financeiro projetava, e isso pode desacelerar o crescimento global no ano que vem.
No caso brasileiro, não há perspectiva de interrupção abrupta no ciclo de queda, mas o ritmo de cortes de 0,5 ponto percentual por reunião do Copom pode ser reduzido para 0,25 ponto se a inflação voltar a subir. Num cenário mais extremo, o Banco Central pode encurtar o alívio monetário, resultando num piso para a Selic acima de 10% ao ano. Não posso deixar de mencionar que, principalmente no caso brasileiro, as incertezas fiscais – e não apenas a guerra – afetam muito a decisão sobre a taxa de juros, mas esse é um tema para outro artigo.
Na quarta-feira (1/11), em meio a intensos bombardeios na Faixa de Gaza, o Federal Reserve manteve os juros americanos na faixa de 5,25% a 5,50% ao ano, salientando estar “altamente atento aos riscos para a inflação”. No mesmo dia, o Copom reduziu a Selic em 0,5 ponto percentual para 12,25% ao ano, sem surpresas. Por ora, a guerra não está sufocando as condições de crédito, o que evita impactos relevantes para o cooperativismo. Porém, se o conflito se alastrar pelo Oriente Médio, o cenário pode mudar rapidamente. Fiquemos atentos!
Por Luís Artur Nogueira, economista, jornalista e palestrante. Atualmente, é comentarista econômico e apresentador da Jovem Pan News e colunista da ISTOÉ Dinheiro
Coluna exclusiva publicada na Revista MundoCoop edição 114