Há não tanto tempo atrás, quando o termo inteligência artificial era mencionado em uma conversa, havia um certo temor no ar por parte de alguns. Talvez a figura de Hal 9000, IA (inteligência artificial) fictícia do filme “2001: Uma odisseia no espaço”, tenha povoado os pensamentos de muitas gerações e, com isso, influenciado a maneira como as pessoas olham para o termo.
Saltando para 2023, o que aconteceu foi algo totalmente diferente: existem IAs espalhadas por todo canto. Em diferentes áreas de atuação e conhecimento, esse tipo de tecnologia tem sido visto como uma das principais tendências.
Durante a Bett Brasil, evento realizado em São Paulo (SP), Fernando Puertas, professor e especialista em educação na Microsoft, acalmou os ânimos de uma plateia afoita por compreender um pouco mais sobre a IA aplicada à educação. “É tudo modelagem e cálculo probabilístico, ela não está de fato entendendo o que estamos falando”, comentou.
Muito se diz sobre a suposta substituição dos seres humanos pelas máquinas, e o comentário de Fernando vai justamente de encontro a isso. As IAs vão modificar, de certo, relações de trabalho e aprendizagem, fundando inclusive novos campos de atuação e maneiras de lidar com o planejamento de aulas, execução de tarefas, entre outros exemplos. Contudo, isso não significa que ela substituirá o ser humano (pelo menos não em um futuro próximo).
“A inteligência artificial é um modelo matemático que tenta mimetizar as funções do ser humano”, explicou o educador.
Virou a queridinha das rodas de conversa
Com o assunto aquecido – impulsionado pelo avanço do ChatGPT, que usa da lógica de inteligência artificial para operar –, grandes empresas de tecnologia não têm deixado escapar a temática em suas próprias soluções.
Recentemente a Adobe, conhecida por desenvolver produtos voltados para a criatividade, lançou a plataforma Firefly, que ainda está em fase de testes. A ferramenta usa inteligência artificial para gerar imagens, banners e outros elementos de design. O usuário faz um comando pedindo por uma imagem sobre metodologias ativas e tecnologia, por exemplo, e a plataformas vasculha em seus bancos de dados elementos para a construção de sugestões de imagens.
“A realidade é que as grandes empresas de tecnologia já vêm trabalhando com inteligência artificial de alguma forma há bastante tempo”, disse Eduardo Jordão, Channel Manager Senior da Adobe Brasil ao Porvir. Ele pontua que alguns elementos de IA já podiam ser encontrados em outras plataformas como, por exemplo, o Adobe Acrobat, que tem foco na leitura de documentos.
Essa pode ser uma tendência no uso de IA em aplicativos que as escolas utilizam como os de planilhas, de criação de imagens e apresentação de slides. “A gente vê isso como um grande apoio para o professor e para quem está gerando conteúdo educacional”, comentou Eduardo.
Não é passageiro
A Adobe ainda não sabe o destino do Firefly, se mudará de nome, se será mantido como uma plataforma única ou se será diluído em todos os outros produtos da empresa.
O fato é que a temática não vai desaparecer tão rapidamente como já ocorreu com outras propostas do campo tecnológico quando relacionadas às escolas.
Diferentemente do Metaverso, outra aposta recente das tecnologias digitais que tentou espaço na educação, as IAs devem estabelecer um outro tipo de relação com a sala de aula, mais voltadas a servir como apoio e não como protagonistas das ações de ensino e aprendizagem.
Vera Cabral, diretora de qualificação profissional e educação da Microsoft Brasil, acredita que este é um momento de virada no uso desse tipo de tecnologia. Ela aponta que se trata de uma mudança de processos. “A gente tem visto uma forma de fazer pesquisa que é muito mais aprofundada e muito mais inteligente”, exemplificou.
Sobre o metaverso, ela analisou: ” É uma possibilidade muito útil para determinadas situações, tem bastante utilidade em aprendizagem e até na indústria. Mas acho que, em um primeiro momento, ele foi vendido como uma coisa muito revolucionária que ele não é”.. Vera ressaltou que o metaverso na verdade não saiu de moda, só está sendo apresentado com outros nomes, como os de realidade aumentada.
No caso das inteligências artificiais, Vera entende que seja uma mudança de paradigma. “Estamos falando sobre como a gente pesquisa, aprende, como um professor prepara a sua aula. Tudo isso transforma a maneira como a gente busca conhecimento, e de que forma preparamos os nossos jovens nas escolas para o futuro e para viver em sociedade”, disse.
Ao longo desse processo, a diretora da Microsoft considera que há uma oportunidade de desenvolvimento que outras habilidades, como o senso crítico e pensamento crítico, que podem ser introduzidas pelas ferramentas de inteligência artificial.
Vera ressaltou, também, que a capacidade de pesquisar está entre uma das mais importantes para os dias de hoje e as IAs servem de apoio a isso. Com exemplo, ela lembra que em seu período de estudos chegou a usar as mesmas enciclopédias que seu pai quando estudante – atualmente, isso é algo impensável.
“Ninguém é capaz de saber tudo que está acontecendo. A gente tem que ter a capacidade de fazer a pergunta certa. O que a gente precisa aprender, antes de mais nada, é saber perguntar. Se a gente perguntar errado, a resposta vem errada, não tenho a menor dúvida”, disse.
Para a educadora, o momento é ideal para explorar projetos interdisciplinares, desenvolver competências como as que envolvem colaboração e até mesmo competências socioemocionais.
Professores preparados
A pandemia de Covid-19 reforçou a necessidade do uso de plataformas, aplicativos e outras ferramentas digitais no ensino. Professores ao redor do mundo tiveram que modificar e rever suas práticas para incluir tecnologia no pacote. Algo semelhante deve ocorrer com as inteligências artificiais.
“Eu diria que o desafio do professor é se desvincular do preconceito ou do medo daquilo que é culturalmente aceito ou não”, afirmou Eduardo, da Adobe. Essas mudanças tecnológicas produzem, de fato, uma mudança cultural, na maneira como cada um se relaciona com as tecnologias digitais.
Rodrigo Domingueti, executivo de educação e estratégia na Adobe, apontou que a discussão é sobre como os conteúdos existentes podem acelerar a criação de professores, alunos e produtores de conteúdo a fim de aumentar a capacidade de expressão de cada um.
“Todas as tarefas que a gente está automatizando são as que tomam o nosso tempo, mas é preciso ter pensamento crítico e visão – porque a inteligência artificial cria em cima de algo que já existe, ela tem o poder de sintetizar e acelerar algo que já foi criado previamente”, disse.
Eduardo também concorda que é um ponto que não há mais volta. Por lidar muito com o ecossistema criativo, o representante da Adobe afirma que há uma preocupação com questões mais técnicas, como direito autoral de imagens, por exemplo. No entanto, ele afirmou que mesmo que a instituição decida não prosseguir com o Firefly, as soluções de inteligência artificial continuarão existindo, sejam elas propostas pela Adobe ou por quaisquer outras empresas.
Sobre as substituições de profissões, Fernando acredita que as IAs talvez substituam aquelas que são mais mecânicas, mas elas não criam conhecimento.
“O que esses modelos fazem é otimizar a aquisição de informação, e não estou falando nem de conhecimento, só de informação. Se a gente falar que a inteligência artificial vai substituir o professor, estaremos reduzindo a educação a meramente a aquisição de informação. Acho que todo mundo que está aqui tem consciência de que a educação não é somente aquisição de informação. Faz parte, mas não é só isso”, afirmou.
Enquanto o Porvir conversava com Microsoft e Adobe, o Google anunciava o lançamento de seu novo mecanismo de inteligência artificial. Chamado Bard, a ferramenta é o rival do ChatGPT. Além de responder a perguntas dos usuários, a IA também vai ter interação com outros produtos Google, como Planilhas e Docs. Disponível em 180 países, o Google não tem previsão de quando trará a ferramenta para o Brasil.
Fonte: Porvir