Quando o tema é tecnologia, os números são sempre superlativos. A cada 18 meses a capacidade de processamento dos computadores dobra, já temos 1,3 milhão de startups de TI no mundo, produziremos 463 exabytes de dados (5 exabytes é o equivalente a todas as palavras já faladas pelos humanos) até 2025 e haverá ao fim da década pelo menos 500 bilhões de dispositivos conectados à internet. A lista continua e a perspectiva é de um crescimento sem freio, até sabe-se lá quando. O mercado de inteligência artificial deve chegar a US$ 1,8 trilhão, o de computação quântica bater em US$ 1,7 trilhão, e o de cibersegurança, em US$ 1,5 trilhão. Os dados não param por aí. De acordo com Dell e MIT Technology Review, 85% dos empregos que existirão em 2030 ainda não foram inventados. A despeito de projeções nesses patamares, há um motto ácido e bem-humorado na tecnologia que afirma: “prever o que vai acontecer no longo prazo é fácil, difícil é prever o que vai acontecer em um ano”. Pois foi esse o desafio proposto pela DINHEIRO a 12 líderes da indústria, de empresas dos mais variados recortes de atuação. Quais as projeções para 2023?
Encararam a tarefa André Miceli (CEO e editor-chefe da MIT Technology Review Brasil), Bertrand Chaverot (CEO da Ubisoft Brasil), Claudia Muchaluat (presidente da Intel Brasil), Cleber Morais (diretor-geral para o Setor Corporativo da AWS no Brasil), Diego Torres Martins (CEO e fundador da unico IDtech), Jessica Kato (executiva para Dynamics 365 e Power Platform na Microsoft Brasil), Junior Miranda (CEO da GreenV), Gustavo Moussalli (vice-presidente para América Latina de Oracle NetSuite), Ricardo Mucci (presidente da Cisco do Brasil), Rodrigo Gimenes (CTO da ReportFlex e criador da Robotizia), Tushar Parikh (country head da TCS no Brasil) e Wagner Arnaut (CTO de Technology, Cloud e Cognitive Software da IBM Brasil). Confira o que eles têm a falar sobre o futuro da tecnologia. A seguir, suas projeções para este ano, divididas em sete grandes áreas:
Computação Quântica
Já há um tempo a computação quântica é uma das novas tecnologias que prometem resolver os problemas do futuro. A questão é que ela nunca ganha escala para invadir o mundo da pessoa comum. Isso pode começar a mudar este ano. A IBM, que atualmente é a líder desse segmento, pretende lançar ainda em 2023 um computador quântico com 1,121 qubits (unidades de processamento), o maior já apresentado e até 2026 quer lançar uma máquina com 100 mil qubits. Além disso, a companhia pretende desenvolver protótipos de aplicações para esses sistemas. “Os computadores quânticos não são mais um conceito futurista”, disse Wagner Arnaut, CTO de Technology, Cloud e Cognitive Software da IBM Brasil. “Já estamos explorando como eles podem ajudar diversos setores.” Os avanços dessa tecnologia devem contribuir para resolver os problemas mais complexos de química, finanças, previsão do tempo, cibersegurança, inteligência artificial (IA)… A lista é longa e crescente.
Semicondutores
Neste ano também devemos ver uma revolução nos semicondutores. De certa forma, fruto de uma crise provocada pela pandemia, em que o mundo se mostrou dependente da produção de chips eletrônicos, cuja fabricação está concentrada em menos de meia dúzia de países — Japão, Taiwan, EUA e China. Novas fábricas começam a se espalhar pelo mundo, com a Europa (Alemanha à frente) entrando com força no jogo. Além do aumento da produção, haverá inovação. E um novo projeto chama a atenção, os chips RISC. Eles devem contribuir para um ambiente de competição atualmente dominado por poucas empresas. O RISC-V é um design de microprocessador de código aberto, cujo desenvolvimento é colaborativo e permite que os chips sejam personalizados conforme a necessidade de uso de cada organização. “Os clientes vão poder comprar um chip de prateleira com recursos abertos”, disse André Miceli, CEO e editor-chefe da MIT Technology Review Brasil. “E aí qualquer empresa vai poder projetar um chip de forma muito barata e personalizada.”
Inteligência artificial (IA)
Provavelmente a principal tendência do ano. Basta falar do barulho provocado pelo recém-lançado (entra no terceiro mês) ChatGPT, que alcançou 100 milhões de usuários em apenas dois meses, o que forçou gigantes como Google, Baidu (maior buscador da China) e Alibaba a entrarem na corrida, anunciando suas próprias IAs conversacionais. Rodrigo Gimenes, criador da Robotizia (plataforma que utiliza a engine do ChatGPT para criar aplicações que facilitam o uso da ferramenta) e CTO da ReportFlex, entende que a solução é a que embute maior risco de mau uso. “Muitas pessoas não sabem fazer as perguntas certas para a IA e não conseguem utilizar seu potencial completo”, disse. E deve ser esse o risco a driblar com o uso dessas tecnologias dentro das empresas. As companhias devem enxergar a IA como plataformas que as auxiliam a tirar o melhor delas, com personalizações feitas para cada negócio.
Para Claudia Muchaluat, presidente da Intel Brasil, a potencialização dos resultados também cria a oportunidade de viabilizar com escala aplicações cada vez mais avançadas em vários setores. “As tecnologias exponenciais já estão revolucionando o mundo e viabilizam modelos de negócios disruptivos”, afirmou.
Aumento de escala é onde a IA tem mais probabilidade de contribuir no mundo dos negócios, principalmente em setores como de cadeia de suprimentos, finanças e marketing. O palco das discussões entre inteligência artificial, artistas plásticos e músicos também deve se intensificar, conforme o debate entra no campo regulatório e autoral de vários países, como já acontece na Europa e nos Estados Unidos. É provável que comecem a pipocar novas leis e políticas para mediar esse cenário. De forma inequívoca, IA tem tudo para ser o assunto do ano e uma das maiores revoluções do período.
Cibersegurança
A cibersegurança virou preocupação global e o combate ao mercado ilegal de dados se intensificou. Pelo menos 5 milhões de pessoas no mundo têm seus dados à venda no mercado ilegal — 351 mil são brasileiros —, comercializados por R$ 32,63 em média, conforme dados da NordVPN. No setor privado, no ano passado, houve aumento de 38% nos ataques globalmente em comparação com 2021, segundo o instituto de pesquisa Check Point Research. Foram 1.168 ataques por semana e os segmentos que mais sofreram são os de educação, governo e saúde. Para Ricardo Mucci, presidente da Cisco do Brasil, as ameaças tornaram-se mais sofisticadas e exploram não apenas brechas em sistemas ou aplicações, mas principalmente falhas humanas e nos processos corporativos. “Empresas de vários setores sofrem diariamente com a perda de dados, além de sequestros de máquinas através de ransomwares”, disse. Em resposta, as arquiteturas zero trust (zero confiança) foram construídas como uma solução mais efetiva. Ela redefine o perímetro de segurança e controla individualmente cada acesso a aplicações, de qualquer lugar, seja em uma cloud privada, pública, em uma rede tradicional ou híbrida.
Também contemplaremos neste ano um aumento de tecnologias como a biometria facial, que estarão em soluções digitais em identidade e segurança para bancos e fintechs. Diego Torres Martins, CEO e fundador da unico IDtech, diz que “elas facilitam o acesso das pessoas a bens e serviços com proteção de dados pessoais, além de reduzirem fraudes e perdas financeiras”. Produtos e serviços baseados em identidade digital podem ter crescimento de até 91% entre 2022 e 2026, representando um mercado global potencial de US$ 533 bilhões. Também já vemos alguns países utilizando o reconhecimento facial para segurança pública e controle de pessoas, prática que deve só aumentar. A China utilizou câmeras de segurança para monitorar e controlar manifestantes que criticaram as medidas do governo ante a pandemia.
Nuvem e Superapps
Nada acelerou mais a transformação digital nas empresas do que a computação em nuvem. E isso vai se multiplicar ainda mais neste ano. “A nuvem se tornará um pilar central da estratégia de negócios”, disse Tushar Parikh, country head da TCS no Brasil. A economia global está forçando as empresas a reavaliar o verdadeiro valor de suas estratégias de nuvem usando métricas e posicionando essa tecnologia como pilar dos negócios. “Isso será crucial para impulsionar o crescimento, a transformação e a inovação contínua”, afirmou. Para Cleber Morais, diretor-geral para o Setor Corporativo da AWS no Brasil, a nuvem torna as soluções mais acessíveis tanto no aspecto físico quanto financeiramente. Um dos setores que mais devem ser afetados por essa revolução digital será o de esportes. Nos próximos anos, passará por mudanças nos mais diferentes níveis do jogo, com a utilização de streaming de vídeo, dispositivos vestíveis, sensores de internet das coisas (IoT) e simulações para analisar a segurança e o desempenho dos atletas.
As novas arquiteturas de rede também proporcionarão a megadifusão dos superapps. São plataformas, softwares ou aplicativos que reúnem diversas funções inter-relacionadas em um único lugar. Elas podem ser direcionadas tanto ao setor corporativo como ao consumidor. A divisão de NetSuite da Oracle se prepara para impulsionar a transformação digital no Brasil para pequenas e médias empresas neste ano, com seu superapp, que atende desde as necessidades financeiras até o e-commerce. “As empresas vão utilizar a nuvem e se organizar para conseguir continuar investindo”, disse Gustavo Moussalli, vice-presidente para América Latina de Oracle NetSuite.
Tecnologias virtuais e metaverso
O final de 2021 foi marcado pelo anúncio da Meta, ou Facebook como era chamado na época. A empresa revelou publicamente um rebranding completo. Mudou de logo, nome e identidade de marca, além de anunciar que iria ter como centro dos seus investimentos o metaverso. Um mundo digital que envolve o uso de realidade virtual, óculos virtuais e realidade aumentada que permite ao usuário abstrair do mundo físico e ter experiências compartilhadas remotamente. A ideia deriva do mundo gamer, que contribui há anos com a evolução da tecnologia, não só para seu universo, mas também para empresas e negócios diversos. Os óculos utilizados pela Meta, por exemplo, são provenientes da compra da Oculus VR, empresa que fabricava o produto para utilização em jogos com realidade virtual. “A indústria de games deve continuar a contribuir de forma direta em 2023 com o avanço da tecnologias de diferentes frentes”, disse Bertrand Chaverot, diretor geral da Ubisoft para América Latina. “Isso inclui do aprimoramento gráfico a simulações dentro de universos virtuais e tecnologias de IA.”
Ao longo de 2022, foram discutidas as possibilidades desse metaverso e o meio empresarial foi enxergando oportunidades de uso em fábricas, centros de produção e empresas. Agora ele está pronto para se multiplicar. É sem dúvida uma tendência para 2023, mas principalmente para o setor privado. Para o público geral, ainda deve demorar a engatar. Nessa onda, além da Meta, várias empresas dos mais diversos segmentos iniciaram com maior intensidade o desenvolvimento do próprio metaverso — Adidas, Budweiser, Disney, Epic Games, Microsoft, Nike, Nvidia, Roblox e Tinder estão nesse time. No metaverso industrial estão companhias como Ericsson, a própria Nvidia e a Siemens. Bem-vindo ao futuro.
Supply chain & reciclagem de baterias
No mundo atual, os setores de cadeia de suprimentos estão lidando com petabytes de dados — para se ter ideia, 50 petabytes seria tudo o que a humanidade já escreveu em todos os tempos em todas as línguas. Esse volume de informação se espalha por sistemas legados, programas de planejamento de recursos empresariais (ERPs) e soluções personalizadas, resultando em uma visão fragmentada de todo o processo. E cada vez mais dados entram na equação. As novas tecnologias ajudarão as empresas de logística a potencializar as operações, com mais controle de dados e informações estratégicas. A Microsoft mergulhou nessa onda. “Os softwares para o setor precisam aumentar a visibilidade das fontes de dados, prever e mitigar interrupções”, disse Jessica Kato, executiva para Dynamics 365 e Power Platform na Microsoft Brasil.
Outro obstáculo logístico que está na agenda deste ano é endereçado ao segmento automotivo: a reciclagem de baterias para veículos elétricos. A pergunta será o que fazer com ela após o término de sua vida útil. Apesar de poder ser reutilizada, há uma queda de eficiência natural. Para Junior Miranda, CEO da GreenV, as empresas terão de encontrar as melhores maneiras de aproveitar a capacidade restante das baterias de lítio para outros fins. “Não é um processo simples, mas é possível.” Como exemplo, a montadora chinesa BYD quer usar baterias para criar estações de energia estacionárias, como os nobreaks de computadores, que armazenam energia para emergências.
Fonte: Istoé Dinheiro