Por muito tempo a sustentabilidade foi coadjuvante do crescimento econômico. Se na década passada o tema era uma novidade, atualmente falar sobre ESG tornou-se trivial, fazendo parte de processos diários cada vez mais comuns. Inserir o tema no dia a dia deixou de ser apenas uma demanda da sociedade e representa um novo modo de pensar e agir.
Segundo a pesquisa da Confederação Nacional da Indústria, em 2019 ao menos 74% dos negócios adotavam práticas sustentáveis. Tal tendência, que segue em alta, não está presente apenas no Brasil. Na Europa, já representa um potencial de lucro que chega a U$1,8 trilhão até 2030. Com isso, investir em processos voltados para esse novo fenômeno tornou-se uma tática não apenas para atrair clientes, mas também para mantê-los, sendo abraçada de forma massiva pelas cooperativas.
Segundo a recente pesquisa da PwC Brasil, atualmente o interesse das cooperativas pela pauta ESG atinge 98% das cooperativas de crédito do país, com pelo menos 74% dos dirigentes defendendo a pauta como algo vital para a longevidade dos negócios. Para Alzimiro Thomé, Presidente da Cresol Instituto, a conexão centenária do movimento com o tema é uma das explicações para esses números. “As cooperativas por essência, possuem uma proximidade maior com seus cooperados, do que as demais instituições financeiras. Essa relação próxima de seu público, permite deixar claro os compromissos da instituição com as questões de sustentabilidade. Para a Cresol, praticar ESG é uma questão de sobrevivência. Não é uma escolha de ter isso presente ou não. Nosso público está cada vez mais comprometido e atento com as organizações que agem de forma responsável”, destaca.
Com uma longa história no sistema financeiro nacional, a Cresol é um dos exemplos de sistemas cooperativos que levam a sério o comprometimento com a pauta ESG. Segundo o Relatório de Sustentabilidade da cooperativa, desde 2019 foram mais de R$143,9 milhões em financiamentos para empreendimentos sustentáveis. Apenas em 2021, foram R$69,1 milhões e 962 empreendimentos apoiados, número que representa um aumento de 108% no valor financiado. No mesmo ano, 1.922 contratos de crédito de linhas sustentáveis totalizaram mais de R$ 146 milhões em financiamentos. Além de atuar com a injeção de crédito em ações socioambientais, a Cresol e a Cresol Instituto ainda desenvolvem diversas ações que incluem a restauração e recuperação de nascentes, atividade desenvolvida por outras cooperativas de fora do sistema financeiro.
Tal iniciativa da Cresol não é uma exclusividade. Segundo o relatório da PwC, 78% das cooperativas possuem produtos financeiros voltados ao fomento de projetos socioambientais, número que demonstra o protagonismo destas ações na estrutura dos negócios do setor. Além disso, quando o assunto é o cumprimento de práticas ESG no dia a dia, 26% das cooperativas assumem que desenvolvem ações de gestão ambiental em suas operações e espaços físicos, enquanto 74% dizem realizar tal atividade de forma parcial.
Com uma participação de mercado cada vez maior, as cooperativas de crédito estão redefinindo a importância de adotar tais temas, sendo exemplos de como a criação de processos bem estabelecidos pode reformular o posicionamento dos negócios, atraindo novos investidores e escalonando os resultados. Somado a isso, são líderes em projetos e ações que atuam diretamente em processos que promovem educação financeira para a comunidade local, inclusão financeira para pequenos negócios, programas de diversidade na contratação de funcionários, promoção da inclusão digital, entre outros.
Da teoria à prática
Apesar do interesse da quase totalidade das cooperativas de crédito acerca da importância da agenda ESG, apenas 48% das cooperativas possuem metas bem estabelecidas em relação ao tema. Para Mauricio Colombari, Sócio da PwC Brasil, esse número revela uma agenda ainda em andamento no Brasil. “O fato de que 48% ainda não têm metas específicas reflete o nível de amadurecimento da agenda no Brasil. Quer dizer, se por um lado, o reconhecimento da importância do ESG é quase unânime, por outro lado, é preciso avançar nas metas para torná-los uma realidade nas empresas. Mas é preciso ter em mente que, quando falamos de ESG, estamos falando de um longo processo, e a pesquisa traz uma sinalização positiva de que as cooperativas de crédito já estão nessa jornada”, destaca.
Mais do que definir metas, acompanhar o andamento da atividade em toda a cooperativa é fundamental para que resultados efetivos aconteçam. Para isso, monitorar a atividade dos cooperados tornou-se um elemento chave na obtenção de resultados, com 72% das cooperativas afirmando que possuem mecanismos para acompanhar a atividade de seus cooperados.
Com um ambiente ainda em construção, as cooperativas de crédito se deparam ainda com recentes mudanças nas próprias regulamentações do cenário econômico, promovidas pelo Banco Central, através da atualização da Política de Responsabilidade Social, Ambiental e Climática (PRSAC) para as instituições integrantes do Sistema Financeiro Nacional, em setembro de 2021. Tais mudanças tornam difícil a tarefa de não apenas monitorar as ações das cooperativas, mas também estabelecer parâmetros para que haja uma leitura concisa e assertiva sobre o que realmente é desenvolvido.
Esse cenário fluido é uma das explicações possíveis para a dificuldade de adoção por parte das cooperativas e a difícil missão de captar e organizar aquilo que já está em andamento. “É muito particular a medição das ações sustentáveis nas cooperativas. Seria interessante possuir uma única matriz, com os mesmos critérios, as mesmas metodologias de medição. A ação de sustentabilidade da Cresol está nas práticas e não necessariamente nas metas, algo que vem sendo implementado, com apoio de consultorias e com o compromisso do alto escalão da Cresol”, explica Thomé.
Neste momento de mudança no mercado, entender que o mundo vive uma transição é vital para a compreensão da pauta ESG, e de quais passos serão necessários a seguir. Para Colombari, considerar tal contexto é fazer uma leitura franca e honesta das possibilidades que o tema ainda pode trazer. “É preciso lembrar que vivemos um momento de transição, de transformação profunda dos modelos de negócios, e um dos fatores novos é justamente a agenda ESG. Os esforços em ESG devem envolver toda a organização, abrangendo fornecedores, impacto ambiental, seleção de cooperados, recrutamento de empregados e composição da liderança, medidas que precisam estar alinhadas com o propósito geral das cooperativas de fomentar uma economia solidária, garantindo a livre participação econômica dos membros e a cooperação interna e trazendo impactos para toda a comunidade. O aumento da consciência sobre sustentabilidade e responsabilidade corporativa vai levar à incorporação do ESG nas estratégias”, ressalta.
Seguindo uma linha de ação que remete às origens do movimento, esse olhar das cooperativas de crédito é uma curva em direção à essência do setor. Com esse resgate, é possível traçar novas perspectivas para o futuro, mais conectadas com valores e princípios que as cooperativas carregam há quase 200 anos. Para Alzimiro Thomé, abraçar tal posicionamento é a resposta para assegurar a longevidade dos negócios cooperativos. “Eu diria que o futuro das cooperativas depende de boas práticas sustentáveis, onde as ações diárias estejam interligadas ao ESG. Os líderes e dirigentes devem ter isso como propósito, e isso vais reverberar nos cooperados quando o ESG não seja só discurso, e sim prática diária”, completa.
Seja nas cooperativas ou fora delas, é inevitável olhar para o movimento como fonte de inspiração e exemplo sólido do que o ESG pode fazer pela sociedade como um todo. Com o mercado cada vez mais voltado para as possibilidades que tal tema traz para os negócios, é chegado o momento de as cooperativas tomarem para si o protagonismo, não apenas mostrando do que são capazes, mas estendendo o braço para seus parceiros, para além dos muros. Trazer impacto positivo será a missão de todos, e são elas que guiarão todos rumo à um novo modo de agir.
Por Leonardo César – Matéria originalmente publicada na edição 108 da Revista MundoCoop