O conceito de cidade inteligente tem se tornado cada vez mais debatido, em todos os setores, de maneira global. No entanto, poucos sabem como aplicar essa tendência mundial para realmente aproveitar dos seus benefícios e, claro, colaborar para um planeta mais sustentável através de negócios que impactem positivamente no meio ambiente. No caso das cooperativas, existe um rol de oportunidades para usufruir desse cenário de forma proveitosa e bastante lucrativa.
Mas antes de entrar nesse aspecto, Grazi Carvalho, Dra. em Geografia, Consultoria PNUD para os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, CEO do Instituto LICI, Idealizadora do Projeto LICI e da Plataforma CHESI, além da Presidente do IGTECH, explica que a cidade inteligente vai muito além do conceito que envolve a tecnologia em si. “Ela não é aquela cidade que se prestou a colocar wi-fi na praça, lâmpada de led, câmeras, mas que usa os dados gerados para as tomadas de decisão e criação de políticas públicas. Tem foco na na qualidade de vida da população e sua melhoria, em ser mais eficiente, tem visão de médio e longo prazos”, afirma ela, acrescentando que, nesse modelo de cidade, as lideranças agem de forma consciente para realizar um projeto melhor para todos, sem deixar ninguém para trás. “É uma cidade que consegue pegar todos os recursos disponíveis que possui para criar uma cidade humana, eficiente, sustentável e inteligente”, completa.
João Marcello Gomes Pinto, CEO e fundador da Sustentech, empresa pioneira com mais de 16 anos no mercado de sustentabilidade no Brasil focada em levar soluções ESG para edificações sustentáveis e cidades inteligentes, saúde e bem-estar no ambiente construído e gestão de ativos imobiliários, diz que a cidade inteligente não tem uma definição estática. “Ela é um processo contínuo de melhoria com a constante ajuda da população, um verdadeiro processo integrado de governança atrelado à implementação de tecnologias e infraestruturas adequadas. O objetivo final é criar um meio habitável, que impacta positivamente na sociedade, ao mesmo tempo que o torna resiliente e capaz de combater os desafios hoje presentes”, explica.
Outro ponto que deve ser destacado é que as cidades inteligentes, no Brasil, possuem quatro pilares constitucionais: a cidade urbana, a eficiente, a sustentável e a inteligente. “É um processo muito novo aqui e, se partimos do princípio que, de uma forma geral, ainda está muito incipiente, é necessário atentar para que todos os dados coletados conversem entre si. Por isso o que venho tentando, através do Projeto de Aceleração de Cidades Inteligentes, é estruturar uma plataforma que nos ajude a ter uma visão de dados, a saber onde e o quão longe estamos de metas estabelecidas pelas próprias políticas públicas e leis brasileiras. É preciso começar a pautar soluções mais técnicas e menos voltadas para políticas de um pequeno grupo. Esse é o nosso grande desafio: seja no governo municipal, estadual, federal, ONGs, empresas e cooperativas precisam começar a conversar na mesma linguagem. Essa linguagem em comum são os dados”, observa Grazi.
Cooperativas saem na frente e podem se beneficiar do conceito de cidades inteligentes
As cidades inteligentes também precisam da atuação integrada dos quatro agentes de inovação. São eles: o governo, as empresas, as escolas e o terceiro setor. Nesse sentido, as cooperativas podem se beneficiar ainda mais desse conceito, principalmente por possuírem a cultura de trabalho coletivo no seu cerne. Para Grazi Carvalho, CEO do Instituto LICI, as cooperativas podem alavancar esse processo, assumindo um papel estratégico nele. “O setor pode aprender com as cidades inteligentes o conceito de eficiência: como produzir mais, gastando menos tempo e recursos, introduzindo conceitos tecnológicos, mudando processos, qualificando pessoas. Ou seja, pode aprender a conquistar maior liberdade econômica, e de tempo, para a equipe, participando do projeto como um todo. E também inserir o conceito de monitoramento de dados com indicadores, principalmente para avaliar se o que está sendo feito possui eficácia. É necessário analisar forças, fraquezas e ameaças. Os indicadores dão essa clareza de metas para impulsionar a qualidade de vida”, analisa.
João Marcello Gomes Pinto, CEO da Sustentech, concorda, mas adiciona que o agente mais importante na construção de uma cidade inteligente é a população, as pessoas que nela habitam ou convivem. “As cooperativas, como modelo colaborativo e associativo em prol de um objetivo comum, têm o potencial de reforçar a voz dessas pessoas, expandindo o seu raio de abrangência e permeando os diferentes setores. Na mesma proporção, a cidade inteligente deve abrir espaço para ouvir, dialogar e, de fato, integrar a população à sua gestão e tomada de decisões coletivas”, pontua.
E mais: justamente por ser um dos setores mais fortes do país, e também tradicionais, os especialistas acreditam não haver uma resistência do cooperativismo perante tais mudanças propostas pelas cidades inteligentes.“A essência da cidade inteligente é o bem coletivo acima dos interesses individuais, um dos valores que o cooperativismo traz. Na sua essência, o setor está muito alinhado ao conceito de cidade sustentável. Não vejo uma resistência dele, mas um processo de transição com novas tecnologias e ferramentas de trabalho. Estamos passando por uma mudança de uma economia pautada em aspectos não sustentáveis, para uma economia verde. É preciso difundir essa cultura, presente no cooperativismo, para os demais agentes de inovação em todo o Brasil”, comenta Grazi.
João Marcello faz coro. Para ele, o cooperativismo e o conceito de cidade sustentável trabalham lado a lado, se favorecendo mutuamente. “A cidade sustentável é aquela que possibilita o desenvolvimento da sociedade, minimizando o impacto sobre o meio ambiente, de modo que haja preservação dos recursos naturais para gerações futuras. No pensamento sustentável, eu, como indivíduo, preciso garantir que meu modo de vida não prejudique o outro ou os próximos que virão. Esse é um pensamento coletivo, uma forma de vivermos em harmonia em prol de um bem comum: a preservação do nosso planeta e, consequentemente, da nossa espécie.”
Ele diz, ainda, que uma das maiores forças da cidade inteligente é desenvolver um ambiente democrático, acessível a todos. E, por ser focado no ESG, é favorável às cooperativas, no qual a sociedade ganha força como pilar do desenvolvimento econômico. Surgirá, então, um novo modelo econômico, diferente do capitalismo que vivemos? “Se isso vai mudar esse paradigma, difícil dizer. Entendo que é possível a flexibilização do modelo capitalista para adequação às tendências do mundo atual. Como exemplo, vemos hoje empresas privadas que deixam de olhar somente para indicadores de retorno financeiro e passam a mitigar o impacto socioambiental de suas operações, bem como governos e fundos internacionais focando investimentos em projetos sustentáveis que tragam retorno direto e indireto para a sociedade. No manifesto da Sustentech, dizemos que ‘a sustentabilidade do amanhã vai focar na saúde e bem-estar de todos dentro do ecossistema’. Por isso trabalhamos diariamente para garantir o equilíbrio necessário para impulsionar o futuro”, profetiza.
Grazi Rocha vai além. Ela diz que as cooperativas, num momento de mudanças climáticas de um mundo caótico, o modelo colaborativo das cooperativas, aliado ao de cidade inteligente, vai ajudar – e muito – nesse processo. “Os objetivos dessa junção vão fazer uma redistribuição dessa população. Segundo um estudo da ONU, 95% dos habitantes do Brasil viverão em área urbana até 2030. Isso não significa que as pessoas ficarão nos grandes centros, elas vão procurar médias e pequenas cidades. Portanto, teremos que garantir que nesses locais, sobretudo os que são sustentados pela área rural, sejam fortalecidos”, diz.
Ela detalha que a cooperativa tem um papel importante em organizar essas populações de cidades de menos de 100 mil habitantes, que terão que produzir para essa grande massa do centro urbano. “O cooperativismo vai ser o responsável por alimentar essa cadeia produtiva dos mais variados insumos. Num médio a longo prazo, visualizo as cidades inteligentes trazendo uma metodologia que auxilie as pessoas que vivem no campo, produzindo mais e prejudicando menos o meio ambiente. Vejo uma grande virada de chave”, finaliza.
Cinco pontos que a cooperativa deve fazer para se tornar parte do processo de cidade inteligente
- Aplicar os princípios do ESG (sigla de Environmental, Social and Governance, que se refere à integração da geração de valor econômico com a preocupação com as questões ambientais, sociais e de governança corporativa) em toda a sua cadeia produtiva.
- Usar indicadores de acordo com metas pré-estabelecidas para avaliar o quanto de carbono sua atividade emite, por exemplo, além de quantos empregos são gerados, qual a área ambiental preservada, entre outros.
- Investir em ações de alto impacto social, principalmente incluindo pessoas em situação de baixa vulnerabilidade social e minorias.
- Pensar ações e produtos que impactem no consumidor consciente.
- Buscar não somente o lucro em si, mas criar um legado que contribua para a qualidade de vida da sociedade como um todo.
Programa Nacional de Estratégias para Cidades Inteligentes e Sustentáveis no Brasil é oportunidade para o setor cooperativista
Desde 2019, o governo brasileiro está investindo no Programa Nacional de Estratégias para Cidades Inteligentes e Sustentáveis no Brasil, que envolve o Ministério da Ciência e Tecnologia e Inovação e o Ministério do Desenvolvimento Regional. Segundo Grazi Carvalho, Dra. em Geografia, Consultoria PNUD para os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, CEO do Instituto LICI, Idealizadora do Projeto LICI e da Plataforma CHESI, Presidente do IGTECH, o objetivo desse projeto é a aprovação de uma lei nacional e da criação de um fundo de investimento para projetos de cidades inteligentes e sustentáveis. Ela afirma que todos os agentes da inovação, inclusive as cooperativas, podem ter algum tipo de suporte e acesso a tais investimentos, desde que tenham projetos associados aos objetivos regulamentados no Programa. “Para isso, basta ter um CNPJ ativo e um projeto alinhado a ele, mostrando de forma clara quais os produtos a serem entregues, além das metas,indicadores de projeto e que sejam capazes de dimensionar o impacto social”, explica.
Por Leticia Rio Branco – Matéria exclusiva publicada na Revista MundoCoop Edição 115