Sou um fã do sistema cooperativista e vejo grande ligação desse movimento com o conceito do capital social. Em uma das primeiras definições de capital social, Hanifan (1916) discorre sobre o capital acrescido de fatores intangíveis como boa vontade, companheirismo, solidariedade e as relações sociais entre os que compõem uma unidade social.
O conceito de capital social ganhou corpo na década de 1960, principalmente no trabalho do sociólogo francês Pierre Bourdieu (1986, p. 249), que denominou capital social como sendo “um agregado de recursos potenciais ou atuais associados à possessão de duráveis redes de relacionamento, reconhecimento e comprometimento mútuo”.
Putnam (1996), outro autor de alto impacto nessa temática, destacou que, diferentemente do capital físico, o capital social tem relação com as conexões entre os indivíduos, com suas redes sociais, suas normas de reciprocidade, fazendo emergir a confiança. Nesse sentido, a cooperação se materializa na relação interparceiros e essa ótica se contrapõe ao princípio da competição tradicional do eixo dominante da ordem capitalista, privilegiando a interação e a reciprocidade. Em um ambiente de cooperação, é fundamental considerar atitudes e valores dos parceiros, para que seja possível estabelecer confiança entre as partes. Percebe a conexão com o princípio da intercooperação[1]?
Assim, a ênfase na cooperação, confiança e normas de reciprocidade, presentes no entendimento do capital social, pode ser importante para a construção de culturas de associação necessárias para o desenvolvimento de ações voltadas para a sustentabilidade. O primeiro quarto do século XXI vem dando mostras de que as organizações que alcançarão sucesso nas próximas décadas serão aquelas que estiverem adequadas à agenda da sustentabilidade. Questões como os impactos ambientais de atividades econômicas, práticas de trabalho aderentes aos direitos humanos, cultura de integridade, combate à corrupção e eficácia da gestão passam a ser consideradas nas decisões de investimento, nos processos de tomada de decisão das empresas e nas escolhas de consumo.
Nesse contexto, ganha corpo um olhar sistêmico que direciona as organizações para as dimensões environmental, social and corporate governance (ESG). Ou seja, o chamado capitalismo consciente, que preconiza que é possível “fazer bem” e, ao mesmo tempo, “fazer o bem”, impacta, cada vez mais, as escolhas na alocação dos recursos. Ao serem consideradas boas para o meio ambiente e para a sociedade, as cooperativas podem colher resultados econômicos significativos. Essas reflexões, quando transformadas em práticas, devem passar por alguns processos, tais como:
- descarbonização das atividades produtivas;
- substituição de fontes de energia fósseis por renováveis;
- expansão das consultas às agências de rating ESG para a alocação de investimentos, implementação de remuneração variável de executivos atrelada ao ESG;
- aperfeiçoamento da diligência junto à cadeia de fornecedores para que esteja em compliance com as práticas da organização;
- inserção de novas tecnologias que diminuam os impactos ambientais e sociais, considerado todo o ciclo de vida do produto;
- valorização da diversidade e inclusão; e
- consolidação das finanças sustentáveis.
A BlackRock, do alto dos seus US$ 10 trilhões em investimentos administrados, mostra que os seus gestores continuarão pressionando o mundo corporativo para abraçar um propósito social mais amplo e para que que adotem mecanismos de redução da pegada de carbono. É o que se pode observar na manifestação do seu diretor-presidente, Larry Fink, na “Carta a CEOs para 2022”. Escreveu Fink (2022):
Engenheiros/as e cientistas estão trabalhando 24 horas por dia em como descarbonizar cimento, aço e plásticos; transporte, caminhões e aviação; agricultura, energia e construção. Acredito que a descarbonização da economia global vai criar a maior oportunidade de investimento da nossa vida e deixará para trás as organizações que não se adaptarem, independentemente em que indústria estiverem (FINK, 2022, tradução nossa).
O mundo ainda precisa de uma padronização do preço da tonelada de carbono e de uniformidade quanto à escrituração dos inventários de carbono. Não obstante, esse processo de descarbonização destacado pelo executivo configura um risco imediato para as atividades tradicionalmente baseadas em combustíveis fósseis. Além das consequências das novas tecnologias e políticas que devem surgir junto com a transição para a economia de baixo-carbono, os novos padrões de consumo também constituem um risco de transição. Isso porque, conforme consumidores se tornam mais exigentes com relação aos impactos socioambientais associados à produção de uma mercadoria ou serviço, as cooperativas precisam se adaptar a essas novas exigências, incorrendo em um maior nível de investimento.
Nesse sentido, o sistema cooperativista precisa se preparar para responder algumas questões: Como garantir que atividades relacionadas ao uso da terra (agricultura, pecuária, floresta) deixem de ser fatores de emissão de gases de efeito estufa e se tornem beneficiárias do mercado de carbono? Como as cooperativas brasileiras vão se preparar para a consolidação do mercado de carbono e dos esforços em direção ao carbono líquido zero? E como os segmentos do cooperativismo podem adotar uma abordagem regenerativa dos ecossistemas? Como implementar e divulgar ações para a contenção a elevação da temperatura média do planeta?
Isso certamente passa pela adoção de métricas internacionalmente aceitas que permita às cooperativas as condições técnico-metodológicas para realizar a sua evidenciação e para que possam responder indagações como as elaboradas no “ESG investing: a complete guide”, de Gerardus Blokdyk:
E aí? A sua cooperativa está pronta para os desafios?
Por Rodrigo Casagrande, Doutor em Administração, professor autor da cátedra ESG dos cursos da FGV Management e facilitador de comitês de sustentabilidade no sistema cooperativista
[1] Dentre os princípios e valores do cooperativismo, a intercooperação prevê que as cooperativas servem de forma mais eficaz aos seus membros e dão mais força ao movimento cooperativo, trabalhando em conjunto, através das estruturas locais, regionais, nacionais e internacionais.
[2] O due diligence é uma importante prática para a tomada de decisão de investimento ou estabelecimento de parceria com outra empresa. Um bom exemplo é o due diligence na suply chain, quando a empresa somente homologa fornecedores que atendam aos protocolos ESG da contratante.
Artigo Exclusivo publicado na Revista MundoCoop edição 109