A definição de empreender se divide entre desafio e oportunidade. Diariamente, milhares de negócios são desenvolvidos e os caminhos a serem seguidos se multiplicam de acordo com as novas demandas da sociedade.
Nesse contexto, também surgiram importantes frentes que tem como principal objetivo auxiliar quem quer se inserir nesse vasto mercado e impulsionar, assim, uma transformação mais efetiva capaz de ampliar possibilidades. Esse é o caso da Rede Mulher Empreendedora.
Organização pioneira no apoio ao empreendedorismo feminino no Brasil, e atualmente a maior da América Latina, a RME existe desde 2010 e já impactou mais de 750 mil pessoas fomentando o protagonismo feminino nesse meio. Além disso, a plataforma de apoio traz consigo uma das mulheres mais conhecidas do ecossistema de empreendedorismo brasileiro, Ana Fontes, publicitária, empreendedora e fundadora da Rede.
Em conversa exclusiva com a MundoCoop, Ana reforçou que “trabalhar de forma colaborativa e cooperativa é a única saída para boa parte dos empreendedores” e dividiu um pouco da sua experiência no mercado compartilhando uma visão importante sobre fazer negócios, inovar na diversidade e se manter em um ambiente de mudanças contínuas.
CONFIRA!
MundoCoop: Qual o impacto do propósito na trajetória da Rede Mulher Empreendedora?
Ter o propósito claramente definido ajuda muito a jornada do empreendedor e da empreendedora. No meu caso, desde o início, eu sabia que queria trabalhar com mulheres e queria apoiar as mulheres no desenvolvimento dos seus negócios, focando em geração de renda. E isso ajuda porque empreender é sempre um ato muito solitário. É muito cheio de altos e baixos, tem muitos desafios. E quando você tem um propósito claro e definido fica muito mais fácil você não fugir do foco e entender claramente qual o problema que o seu negócio resolve para a sociedade. Com isso, você vai acompanhando o desenvolvimento da sua jornada, sempre alinhada com o seu propósito.
MundoCoop: Quais os principais pontos que devem ser destacados quando o assunto é empreender no Brasil?
No ranking Doing Business, o Brasil é o país de número 109 em ambientes acolhedores para o empreendedorismo. Então, não é um ambiente simples para você empreender. Tem muita burocracia, tem dificuldade de acesso ao capital, tem as questões relacionadas ao acesso a inovação, mas, apesar de tudo isso, temos um dos maiores mercados. Se você olhar, por exemplo, para a América Latina, o Brasil tem mais de 200 milhões de pessoas e com problemas sociais e questões muito fortes ainda para serem resolvidas. Então, essa é uma grande possibilidade para quem empreende.
MundoCoop: Como você enxerga o cooperativismo? A coletividade é o caminho para o fortalecimento dos negócios atualmente?
Eu enxergo o cooperativismo como sendo uma ferramenta muito importante e muito fundamental. Até porquê, nós não temos um ambiente para empreender tão simples, vivemos em um ambiente bastante complexo, então, trabalhar de forma colaborativa e cooperativa é a única saída para boa parte dos empreendedores.
Aqui na rede, especialmente falando de mulheres empreendedoras, nós incentivamos muito a colaboração entre as empreendedoras e o cooperativismo para que elas consigam entregar uma solução melhor para o público final. Por isso, considero muito importante trabalhar a questão da coletividade para poder fortalecer os negócios.
MundoCoop: Como contribuir com a promoção da igualdade de gênero no mercado de trabalho? Por que é tão necessário que cooperativas e empresas estejam atentas a isso?
Pensando em organização, empresa ou associação, é fundamental ter internamente um ambiente diverso. Ou seja, que você contrate mulheres, que você contrate pessoas portadoras de deficiência, que você contrate pessoas negras. Você precisa ter na sua organização uma representação da sociedade.
O Brasil é majoritariamente composto por mulheres e pessoas negras e se você não tem essa representatividade na sua organização, alguma coisa é preciso ser corrigida. Esse é o primeiro ponto. Você olhar para como a sua organização está e estabelecer um plano de ação. Você tem que tomar a decisão através da alta liderança de que essa é uma jornada necessária e, a partir daí, caminhar para fazer as mudanças.
“Não tem uma fórmula mágica. Diversidade é uma jornada”
Por que é tão necessário? Porque diversidade, além de ser uma questão de justiça social, ela é também de economia. Se você olhar, por exemplo, para a questão das mulheres, mais de 80% das decisões de compras de uma família estão na mão das mulheres. Então, é importante economicamente você considerar esse público.
E o terceiro ponto é inovação. Quando você tem ambientes mais diversos, com pessoas das mais diferentes origens e diferentes pensamentos, são maiores as chances de você conseguir criar inovações. E inovação, nós sabemos, no mundo dos negócios é o nome do jogo.
MundoCoop: Em 2021, a RME teve como foco a recuperação dos pequenos negócios afetados pela pandemia. O que está mudando no mercado brasileiro?
Não só em 2021, mas também em 2020, nós aqui na Rede Mulher Empreendedora e no Instituto Rede Mulher Empreendedora, estamos absolutamente focados em ajudar as mulheres a recuperar os seus negócios por conta da pandemia.
A pandemia foi especialmente cruel para os pequenos empreendedores e, mais cruel ainda, para as mulheres. Quase 70% dos negócios liderados por mulheres são o que chamamos de área de conforto, ou seja, moda, beleza, alimentação fora de casa, serviços, estética, e foram exatamente os mais afetados.
O cenário agora, obviamente, com a pandemia controlada, é menos dramático do que foi em 2020, e em alguns momentos de 2021, mas a economia ainda é bastante difícil. Para os pequenos negócios a situação econômica é complicada. O que nós estamos fazendo? Estamos trabalhando para os pequenos negócios e oferecendo educação através de capacitação, tanto para a digitalização do negócio quanto para buscar a tecnologia. Estamos trabalhando o acesso ao capital e a recursos financeiros porque esse é um ponto muito importante para o pequeno empreendedor, especialmente para as mulheres, e também ajudando na conexão desses pequenos negócios para que eles possam ter espaços para vender os produtos e serviços.
Aqui na Rede nós temos vários programas, até uma vitrine virtual, um marketplace para que as mulheres possam comprar e vender entre elas. Um programa que se chama RME Conecta, onde selecionamos, capacitamos e certificamos pequenos negócios liderados por mulheres para fornecer para grandes empresas. O que é muito importante também é que hoje vemos que as grandes organizações estão olhando para os pequenos negócios como aliados e estão trabalhando em um processo que chamamos de compras inclusivas que, com certeza, vai ajudar bastante na recuperação desse cenário.
MundoCoop: Como posicionar corretamente seu negócio em um mercado que passa por tantas transformações?
Uma dica muito importante é, primeiro, você realmente ter clareza de que problema o seu negócio soluciona dos consumidores que você está buscando ou que você está trabalhando. Segundo, a venda é consequência da sua boa solução, da sua boa entrega, do seu bom produto e do seu bom serviço. Mas você precisa, terceiro ponto, se conectar com seu consumidor.
Hoje, as pessoas não estão buscando só um produto ou serviço de qualidade com preço justo. Isso é o básico que a gente tem que fazer. As pessoas também estão buscando uma conexão com o produto ou serviço com a sua marca. Então, invista na sua marca, invista no seu posicionamento e, especialmente, nas mudanças que nós estamos vendo, na valorização de produtos sustentáveis, focados no meio ambiente, com as características de ESG. Isso é absolutamente fundamental para não ficar para trás.
MundoCoop: O que caracteriza um verdadeiro negócio de impacto social? Apenas levantar bandeiras é o suficiente?
Não é só apenas levantar a bandeira. Levantar bandeira é ativismo e está tudo bem você ser ativista, mas o negócio social ele tem que, de verdade, impactar a ponta, o público que você se propõe a atender.
Usando como exemplo a Rede Mulher Empreendedora e o Instituto da Rede Mulher Empreendedora, o nosso foco é trabalhar com mulheres com geração de renda através do empreendedorismo e da empregabilidade. E os nossos indicadores estão sempre ligados à educação, às capacitações, o quanto que as mulheres estão crescendo, os negócios delas e o quanto elas estão conseguindo de empregabilidade no mercado. Então, não adianta só falar que é importante a geração de renda para as mulheres, nós sabemos que é importante, mas temos que levar impacto de verdade na ponta.
MundoCoop: Como o empreendedorismo se conecta com o movimento cooperativista? Essa parceria pode mudar o futuro do mercado?
Eu super acredito que se conecta. Afinal de contas, o cooperativismo surge do empreendedorismo, de você criar alguma coisa de forma coletiva para ajudar mutuamente pessoas. Até porquê empreender não tem a ver só com abrir negócio, mas tem a ver com a atitude que você tem perante os problemas que você encontra. Então, acho que tem uma conexão muito forte e acredito sim nessa conexão, inclusive, para o futuro do mercado.
Hoje, falamos muito para os empreendedores e empreendedoras que sozinho sozinhos não conseguimos chegar, que precisamos trabalhar juntos e especialmente podemos melhorar a entrega para o nosso cliente.
“Nosso público é impactado quando trabalhamos de forma mais cooperativa”
Vejo como uma conexão absolutamente incrível e eu acho que a gente deve cada vez mais incentivar essa conexão do cooperativismo com o ambiente empreendedor.
“Como entender o mercado? Acho que o ponto principal para entender o mercado é você ter claro qual é o problema que o seu negócio resolve, que tipo de problema e o tamanho do mercado em que o seu negócio resolve. Você ter isso muito claro e, obviamente, saber qual é o perfil do consumidor e como é que a sua solução vai ser a melhor para o consumidor adquirir. Esses são os pontos mais importantes”
Por Fernanda Ricardi – Matéria publicada originalmente na edição 107 da Revista MundoCoop