Um novo capítulo na história do cooperativismo brasileiro está sendo escrito: trata-se da proposta que oferece a possibilidade de que cooperativas de todo o Brasil possam pedir recuperação judicial, o que não é possível por meio da atual legislação, fazendo com que tenham que recorrer ao Judiciário em caso de dissolução. O projeto de lei (PL), de nº 815/2022, hoje, segue como prioridade na Câmara dos Deputados.
De acordo com o advogado Abdul Nasser, sócio do Schuch Advogados e superintendente do Serviço Nacional de Aprendizagem do Cooperativismo no Estado do Rio de Janeiro (Sescoop-RJ), o projeto de lei pretende ajudar as cooperativas que passam por dificuldades financeiras. “Por deliberação dos sócios e sem a intervenção de um juiz, será possível iniciar um plano de reorganização da sociedade cooperativa, preservando a atividade econômica, a identidade da cooperativa, a continuidade de atos cooperativos, o emprego dos trabalhadores e os interesses dos credores”, explica.
Para ele, o PL busca introduzir instrumentos de cooperação que envolvem instituições financeiras, cooperados e credores. Assim, evita o término da sociedade cooperativa em dificuldade financeira momentânea, alongando prazos, suspendendo execuções e abrindo espaço para negociações que a lei atual não viabiliza. “Trata-se de uma inovação capaz de trazer fôlego financeiro para a cooperativa, além de segurança para os participantes do processo de reorganização”, observa.
O texto do PL é assinado pelo deputado federal Hugo Leal (PSD-RJ). Ele é autor do texto do substitutivo da nova Lei de Recuperação Judicial e Falências, sancionada durante a pandemia, em dezembro de 2020, e relator na Câmara do projeto, ainda em tramitação, do chamado Marco Legal do Reempreendedorismo, que facilita a recuperação judicial e também a liquidação para micro e pequenas empresas. “Fiquei preocupado com essas questões de recuperação judicial, por isso, fui muito receptivo quando as cooperativas trouxeram essa demanda. O PL 815/2022 foi concebido em parceria com as cooperativas, recolhendo sugestões de dirigentes das entidades, como o presidente nacional do Sistema OCB, Marcio Freitas, e o presidente da OCB/RJ, Vinicius Mesquita”, declara.
Por outro lado, o período de crise econômica acaba sendo um dos motivos para que mudanças ocorram e, no caso, as cooperativas não têm, até hoje, um instrumento que proteja a continuidade do empreendimento. Para ele, a longevidade é uma das características das cooperativas brasileiras, sendo que grande parte tem mais de 20 anos de existência. “Cooperativas são resilientes e vinham sobrevivendo às mais variadas crises ao longo dos anos. A pandemia pegou todos os setores de forma dura e, com as cooperativas, não foi diferente. Enquanto outros setores têm instrumentos de preservação de seus negócios, as cooperativas só podem contar com seus sócios, que são trabalhadores ou consumidores, não grandes investidores”, pontua.
Já o advogado Sergio Luiz Beggiato Junior destaca que, se o PL for aprovado, as cooperativas ganharão segurança para atravessar momentos de crise, ganhando um novo mecanismo legal para auxiliá-las a cumprir seus objetivos institucionais. O advogado diz, ainda, que a aprovação do PL será benéfica para as cooperativas, uma vez que o Brasil atravessa um cenário econômico muito desafiador para todos os setores, com desemprego e inflação elevados. “Nenhum agente econômico está livre de dificuldades, e as cooperativas não são exceção. Assim, contar com um mecanismo que auxilie atravessar crises momentâneas é muito importante para o fortalecimento do movimento cooperativista brasileiro”.
Abdul diz, ainda que, a aprovação seja uma tendência por parte das cooperativas, mas o projeto ainda está bem no início e muitas fases ainda terão de ser vencidas. “Alguns concorrentes de grandes cooperativas podem vir a fazer pressão, alguns juristas que não compreendem as peculiaridades das sociedades cooperativas podem vir a opinar de modo desfavorável, como de costume, mas acredito que a aprovação é uma tendência”, avalia.
Portanto, é natural que o PL gere estímulos econômicos para capitalização da cooperativa, segundo o deputado federal Hugo Leal. “O texto deve preservar garantias negociadas, para não gerar insegurança e fraudes; simplificar e agilizar procedimentos, visando à redução de custos e maior acesso para cooperativas menores e fragilizadas economicamente; e preservar fluxos de créditos para cooperativismo, sem gerar encarecimento das operações. Hoje, conforme informado pelas entidades do cooperativismo, as cooperativas endividadas têm grande dificuldade de negociação com os credores, e ainda mais para conseguir financiamento para sua recuperação”, finaliza.
PL EM TRAMITAÇÃO
O PL foi apresentado pelo Dep. Hugo Leal no início do mês de abril. Atualmente, encontra-se na Comissão de Desenvolvimento Econômico, Indústria, Comércio e Serviços da Câmara dos Deputados, aguardando o parecer do relator. O PL ainda terá de ser analisado por outras comissões da Câmara (como a Comissão de Constituição e Justiça) para, então, ser votado no plenário. Por se tratar de projeto de lei ordinária, precisará do voto favorável da maioria simples. Após aprovada na Câmara, o PL segue para o Senado, que nesse caso atuará como Casa Revisora. No Senado, o PL passa também por comissões temáticas e por votação no Plenário. Caso não haja nenhuma alteração com relação ao texto da Câmara, o projeto aprovado vai à sanção presidencial. “O Legislativo buscou, durante toda a pandemia, priorizar projetos para preservar a economia, protegendo empresas, das micro às grandes, e empregos. Há um entendimento no Congresso sobre a importância do cooperativismo para a economia brasileira e a Frente Parlamentar do Cooperativismo, da qual faço parte, tem trabalhado para aumentar essa conscientização. Creio que foram esses fatores que garantiram a prioridade ao meu projeto de lei”, diz Hugo Leal.
PROJETOS DE LEI CORRENDO EM PARALELO
O projeto de lei começou a tramitar junto de outra proposta que interessa ao setor, a que cria um marco legal para as cooperativas. Porém, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), decidiu atender o pedido do deputado Hugo Leal (PSD-RJ) para que os textos possam ser analisados separadamente.
Por Leticia Rio Branco – Matéria publicada originalmente na edição 107 da Revista MundoCoop