É fatal que diante do progressivo poder de supervisão indireta exercida pelas cooperativas centrais sobre as instituições financeiras cooperativas haja uma confusão desta atuação com os outros papeis que devem ser exercidos.
Para uma visão mais organizada, comentamos anteriormente que as cooperativas possuem com as centrais não apenas relações como supervisionadas, mas também relações de propriedade e de controle sobre a central, assim com relações como tomadora de serviços meio e fim; que devem ser prestados com correção e qualidade.
Entretanto, é natural que nesse cenário conflitos de interesse possam se instalar, especialmente porque as centrais são administradas por representantes de cooperativas singulares que têm todo interesse em expandir suas atividades e seus ativos a partir da incorporação de cooperativas supervisionadas.
Do ponto de vista jurídico, um conflito de interesses ocorre quando um administrador, em posição de tomada de decisão, tem um interesse pessoal que pode influenciar sua capacidade de tomar decisões objetivas e no melhor interesse da sociedade ou dos sócios. Esse interesse pessoal pode ser direto, como um ganho financeiro, ou indireto, como favorecer um membro da família.
Este tipo de situação é problemático porque viola o princípio da fidelidade, que é o dever de um administrador de agir com lealdade, honestidade e boa-fé para com a sociedade ou os sócios. Em muitas jurisdições, os administradores que se encontram em situações de conflito de interesses devem divulgar esses conflitos e podem, no mínimo, ser obrigados a se abster de votar sobre questões onde exista tal conflito.
São alguns exemplos de conflito de interesse entre administradores e a sociedade ou seus sócios:
1. Transações com partes relacionadas: Um administrador pode ter uma relação pessoal ou financeira com um fornecedor ou cliente. Se o administrador tomar decisões que favoreçam excessivamente esse fornecedor ou cliente em detrimento da sociedade (como pagar preços inflacionados ou vender a preços reduzidos), isso constituiria um conflito de interesses.
2. Uso de informações privilegiadas para ganho pessoal: Se um administrador usar informações confidenciais ou não públicas da sociedade para obter ganhos pessoais, isso seria um conflito de interesses.
3. Conflito de lealdades: Um administrador pode ter um papel em mais de uma sociedade. Se as decisões tomadas em uma sociedade prejudicarem a outra, isso pode ser considerado um conflito de interesses.
4. Apropriação indevida de oportunidades de negócios: Se um administrador tomar conhecimento de uma oportunidade de negócios por meio de seu cargo e, em vez de apresentá-la à sociedade, aproveitar a oportunidade para benefício pessoal, isso seria um conflito de interesses.
Esses são apenas alguns exemplos. A chave é que o dirigente tem o dever fiduciário de agir no melhor interesse da sociedade e de seus sócios, e não em seu próprio interesse pessoal.
Na segunda parte, exporemos brevemente as bases legais do tema e algumas sugestões para prevenir, reprimir ou punir o conflito de interesses que independem da regulação.
(Primeira parte)
Por Ronaldo Gaudio – Advogado, Prof., MSc, Presidente da AIDCMESS – Asociación Iberoamericana de Derecho Cooperativo Mutual y de la Economía Social y Solidária
Giorgio Santoni – Advogado. Especializado em Gestão de Negócios.
Coluna exclusiva publicada na Revista MundoCoop edição 113