Os cientistas são ótimos a prolongar a vida dos ratos.
A rapamicina, amplamente prescrita para prevenir a rejeição de órgãos após um transplante, permite aumentar até 60% a esperança de vida de ratos de meia-idade. Fármacos da família dos senolíticos ajudam ratos geriátricos a manterem-se vigorosos muito depois de os seus semelhantes terem morrido. Os fármacos metformina e acarbose, utilizados no tratamento da diabetes, a restrição extrema de calorias e, segundo as contas de uma investigadora em biotecnologia, cerca de noventa outras intervenções permitem que os ratos se mantenham activos nas suas gaiolas de laboratório muito para lá do seu prazo de validade habitual. O mais recente esquema consiste em enganar o processo de envelhecimento propriamente dito, reprogramando células velhas para assumirem um estado mais novo.
“Se for um rato, é uma criatura cheia de sorte porque há imensas maneiras de prolongar o seu tempo de vida”, brinca Cynthia Kenyon, bióloga molecular cujo inovador trabalho realizado há décadas catalisou aquilo que é hoje um sector fervilhante de investigação. “E os ratos com vidas longas parecem muito felizes.”
E nós? Até onde pode a ciência prolongar o nosso tempo de vida? E até onde deve fazê-lo? Entre 1900 e 2020, a esperança de vida humana mais do que duplicou: até 73,4 anos. No entanto, esse ganho espectacular teve custos: um aumento vertiginoso das doenças crónicas e degenerativas. O envelhecimento continua a ser o maior factor de risco para o cancro, a doença cardíaca, a doença de Alzheimer, a diabetes tipo 2, a artrite, a doença pulmonar e muitas outras doenças graves.
No entanto, se essas experiências com ratos permitissem desenvolver fármacos capazes de limpar os detritos moleculares e bioquímicos que estão na raiz de tantos problemas na velhice ou se as terapêuticas conseguissem abrandar ou prevenir essa acumulação desordenada, muito mais pessoas poderiam ser octogenárias ou nonagenárias, sem experimentarem as dores e maleitas que tornam esses anos agridoces. E um número ainda maior conseguiria alcançar aquilo que se crê ser o tempo de vida natural máximo dos seres humanos: 120 a 125 anos.
Nos países industrializados, cerca de uma em cada seis mil pessoas atinge a marca de um século e uma em cada cinco milhões vive para lá dos 110. A detentora desse recorde, Jeanne Calment, em França, morreu em 1997, com 122 anos e 164 dias.
Tanto quanto parece, a biologia humana pode ser optimizada para alcançar maior longevidade. Fortunas inimagináveis aguardam o investigador que descubra essa receita. Não admira que se injectem milhões em tentativas orientadas para esse fim. A Google liderou a vaga de investimentos com o lançamento da Calico Life Sciences, em 2013, empresa onde Cynthia Kenyon é vice-presidente para a investigação sobre o envelhecimento.
Este trabalho é impulsionado por inteligência artificial, gestão de “Big Data”, reprogramação celular e um conhecimento cada vez mais elaborado dos biliões de moléculas que mantêm os nossos corpos a funcionar. Alguns investigadores até falam em “curar” o envelhecimento.
Há séculos que os seres humanos perseguem sonhos de juventude eterna. Todavia, o estudo do envelhecimento e da longevidade era um recanto científico tão isolado que, há escassos 30 anos, Cynthia Kenyon teve dificuldade em recrutar jovens investigadores para a ajudarem nas experiências que abririam caminho na área. Trabalhando na altura na Universidade da Califórnia, Cynthia alterou um gene de nemátodes minúsculos conhecidos como C. elegans, duplicando o seu tempo de vida. Os mutantes também se comportavam de forma mais jovem, deslizando alegremente sob o microscópio enquanto os seus homólogos inalterados ficavam quietos como grumos.
Esta espantosa descoberta permitiu demonstrar que o envelhecimento era maleável – controlável por genes, vias celulares e sinais bioquímicos. “Tudo aquilo deixou de fazer parte de um mundo nebuloso para passar a ser ciência familiar”, comenta. “E como qualquer pessoa poderia investigar, muitos começaram a fazê-lo.”
No entanto, o facto de ser possível retardar a morte em vermes e ratos não significa que tal também funcione nos seres humanos. Investigadores e empresas de biotecnologia promovem actualmente ensaios destinados a testar senolíticos no tratamento da fase inicial da doença de Alzheimer, pós-COVID, doença renal crónica, fragilidade em sobreviventes de cancro e uma complicação da diabetes que pode provocar cegueira. Ensaios clínicos de outros compostos antienvelhecimento estão igualmente a caminho. Até à data, porém, nenhum dos fármacos experimentais conseguiu chegar ao mercado.
“Há muitas abordagens diferentes”, diz Cynthia Kenyon. “Não sabemos se alguma resultará. Talvez todas funcionem! Talvez as combinações sejam fabulosas. As boas notícias é que o público agora valida este tipo de ciência. Há entusiasmo face às possibilidades. Só temos de experimentar mais. E é isso que está a ser feito.”
Walt Crompton, de 69 anos, engenheiro biomédico reformado, de Silicon Valley, tem uma farta e alva cabeleira, uma barbicha branca e uma visão sombria do envelhecimento. “Cheguei àquela idade em que me sinto a rodopiar no ralo cada vez mais depressa”, diz. “Olhamos em redor e vemos mais pessoas da nossa idade a morrerem e a ficarem com doenças horríveis. Temos poucas dores e desconfortos e, de repente, o joelho dói-nos quando corremos. Se não é uma dor, é outra.”
Com este estado de espírito, não admira que Walt tenha ficado obcecado com a investigação do envelhecimento e do prolongamento da vida.
Walt leu os estudos sobre ratos. Trabalhou como auxiliar num laboratório de longevidade. Assistiu a conferências onde os cientistas descreveram “marcos” do envelhecimento e a forma como a biologia reage mal ao passar do tempo.
As protecções existentes nas extremidades dos cromossomas, conhecidas por telómeros, encurtam. O genoma torna-se instável e as mutações de DNA que provocam cancro aumentam. Ocorrem mudanças no epigenoma – compostos que se fixam ao DNA e regulam a actividade dos genes. Algumas células tornam-se senescentes, o que significa que deixam de funcionar normalmente, mas, tal como zombies, não morrem, segregando químicos que causam inflamação. Há distúrbios nas vias que reagem aos nutrientes, lípidos e colesterol, desregulando o metabolismo. E a lista continua. Não existe um consenso sobre a forma como estas alterações se influenciam entre si ou qual delas exige resolução mais premente.
Numa conferência, Walt Crompton ouviu um cientista chamado Gregory Fahy explicar a sua teoria, segundo a qual o envelhecimento imunológico poderia ser invertido tratando o timo, uma pequena glândula no peito que estimula o desenvolvimento das células T responsáveis pelo combate às doenças. Fahy procurava voluntários para testar a sua ideia, segundo a qual as injecções de hormona de crescimento humano recombinante, um fármaco utilizado há décadas para tratar crianças de baixa estatura, poderiam rejuvenescer o timo e as defesas enfraquecidas do organismo contra a doença. Walt inscreveu-se.
Fahy, o cientista-chefe da Intervene Immune, uma empresa sediada na Califórnia, é bastante conhecido pelo seu trabalho como criobiólogo, tendo desenvolvido uma técnica para conservar rins, infundindo-os com etanodiol e armazenando-os a -135°C até poderem ser transplantados. Criou controvérsia quando reaqueceu o cérebro de um coelho em condições quase perfeitas, aumentando as esperanças de se descobrir uma forma de os cérebros dos mamíferos, incluindo o nosso, sobreviverem à criopreservação. No entanto, há várias décadas que Fahy se sente fascinado pelo timo, sobretudo desde que leu um estudo de investigadores que revigoraram o sistema imunitário de ratos através do implante de células produtoras da hormona de crescimento. Na sua opinião, a maioria dos fármacos que prolongam a vida dos ratos desiludir-nos-á porque “não faz nada para impedir que o nosso sistema imunitário perca capacidades”.
A hormona de crescimento humano recombinante não é patenteável e, por isso, o seu reaproveitamento para combater o envelhecimento não proporcionará os proveitos financeiros de um fármaco novo. Além disso, a sua utilização também está associada a um risco elevado de desenvolvimento de alguns tipos de cancro. Fahy tentou motivar outros cientistas a promoverem um ensaio clínico, mas fracassou. “Comecei a trabalhar sozinho e a regenerar o meu próprio timo com base naquilo que aprendi com o estudo dos ratos”, diz.
Uma vez que o fármaco pode aumentar o risco de diabetes de tipo 2, ele acrescentou dois comprimidos: metformina e desidroepiandrosterona, ou DHEA, uma hormona que melhora a regulação do açúcar no sangue. Também se crê que ambos mitiguem os efeitos do envelhecimento e são habitualmente utilizados para esse efeito. A metformina, utilizada no tratamento da diabetes por 150 milhões de pessoas em todo o mundo, pode diminuir a incidência de doenças neurodegenerativas e de cancro.
Investigadores norte-americanos estão a planear um estudo para descobrir se previne ou atrasa as principais doenças relacionadas com a idade. Contudo, alguns cientistas da longevidade não querem esperar: tomam metformina diariamente.
Crompton diz ter sentido imediatamente os efeitos do regime de Fahy. “Sentia-me como o Super-Homem, capaz de saltar sobre edifícios altos com um só pulo.” Perdeu peso indesejado sem fazer dieta. Outro participante, Hank Pellissier, de 70 anos, disse-me que o seu cabelo, anteriormente branco, começou a crescer castanho.
Testes demonstraram que a produção de células T aumentou, a gordura do timo desapareceu e a saúde dos rins e da próstata melhorou. Mais surpreendente, os homens perderam, em média, dois anos e meio de idade biológica, tal como é medida com aquilo a que se chama o relógio epigenético, que usa o sangue para medir alterações químicas do DNA que alteram a expressão dos genes e marcam a passagem do tempo.
O estudo de Fahy, publicado em 2019 na revista científica Aging Cell, era demasiado pequeno para provar fosse o que fosse e não fora controlado com placebo. Mesmo assim, a experiência sugeriu que uma intervenção médica poderá reduzir a idade biológica de um ser humano. Steve Horvath, criador do relógio epigenético, ferramenta de utilização actualmente generalizada na investigação da longevidade, mostrou-se impressionado. O geneticista e especialista em bioestatística de 55 anos participa agora no ensaio de maior escala conduzido por Fahy.
Fahy, que tem 72 anos, inscreveu-se como sua cobaia e retomou as injecções de hormonas. “Estou a chegar lá, infelizmente”, diz. “O relógio não pára. Tenho de fazer o meu trabalho depressa para salvar não só os outros, mas a mim próprio.”
Com 98 anos, a minha mãe, Dorothy, sobreviveu ao meu pai, duas irmãs mais novas e a um namorado que teve em idade tardia. O seu cabelo grisalho pelo queixo está sempre impecável, como se tivesse acabado de sair do cabeleireiro. É magra e anda devagar, com uma bengala, mas tem as costas direitas. Na maioria dos dias de semana, visita o centro para idosos do bairro, onde tem aulas de ginástica, dança e almoça com amigos. Nunca se esquece de um aniversário, nem de pagar as contas.
Não havia muito no seu estilo de vida que previsse uma longevidade tão saudável. Fugiu da Alemanha nazi na adolescência, suportando uma dose de trauma superior ao que seria normal, embora eu ache que nunca a ouvi proferir essa palavra. Fumou cigarros durante décadas. O meu pai era talhante e vivíamos à base de carne vermelha. Em contrapartida, ela sempre foi activa fisicamente. Competiu em corridas de atletismo quando era criança, caminhava cinco quilómetros de casa até ao trabalho e voltava, e nadou várias vezes por semana durante anos, depois de se reformar.
Os cientistas estudam idosos saudáveis como a minha mãe e monitorizam pessoas centenárias para descobrirem como desafiam as estatísticas. Kristen Fortney, uma executiva da área da biotecnologia com 40 anos, doutorada em biofísica médica, está a utilizar ciência de Big Data e modelos informáticos no seu trabalho. A maior parte dos fármacos desenvolvidos para o envelhecimento pretende corrigir algo que corre mal. Kristen está a tentar perceber o que corre bem.
“Sempre abordei o tema sob o ponto de vista daquilo que terá maior impacte e qual o fruto mais fácil de alcançar”, diz ela. “Sempre acreditei em copiar algo que já funciona. Temos todos estes exemplos humanos de um envelhecimento de sucesso… indivíduos que vivem até aos cem anos, ou mais, cujos músculos ainda funcionam, os cérebros ainda funcionam, e por isso sabemos que é possível.”
A sua empresa, a BioAge Labs, em Richmond, realiza análises de sangue e tecidos armazenados em biobancos do Hawai à Estónia. Os espécimes são associados a registos médicos electrónicos, para que Kristen Fortney e os colegas conheçam os dados de saúde da pessoa correspondente a cada amostra de sangue e procuram os biomarcadores que distinguem aquelas que envelheceram bem. As máquinas medem cada amostra, avaliando dezenas de milhares de variáveis, incluindo sete mil proteínas. Há uma década, a melhor tecnologia conseguia identificar apenas cerca de cem. Recorrendo a inteligência artificial, os cientistas identificam possíveis alvos a medicar e procuram fármacos que tenham sido desenvolvidos para outros fins e considerados seguros, mas nunca comercializados, entre os rejeitados pelas empresas farmacêuticas.
A equipa de Kristen Fortney testou dezenas de candidatos a fármacos em ratos e tem dois presentemente sujeitos a ensaios clínicos. Um visa o sistema imunitário e o outro actua sobre a massa muscular e a força. Como a Agência Food and Drug Administration norte-americana só aprova fármacos se estes prevenirem ou tratarem uma doença – e este organismo não considera o envelhecimento uma doença –, ensaios como este investigam o efeito de um fármaco numa condição relacionada com a idade. Contudo, os investigadores têm quase sempre ambições maiores.
Kristen está a avaliar um composto, com o nome de código BGE-117, para disfunções musculares relacionadas com a idade porque actua numa via envolvida na regeneração dos tecidos, remodelando os vasos sanguíneos e outros processos essenciais. Mas a esperança, explica a equipa, é atingir “múltiplas doenças causadas pelo envelhecimento com necessidades por satisfazer, alta prevalência e vastos mercados.”
Era hora da refeição quando visitei os “superanciãos” de Vera Gorbunova: 300 ratos-toupeira-nus. Uma ninhada nascera quatro dias antes e havia uma fêmea prestes a “rebentar”. O frigorífico continha dois quilogramas de maçãs, duas espigas de milho, um quilograma de aipo, três sacos de alface romana, uvas pretas, bananas, batata branca, batata-doce e cenouras – tudo biológico.
Os ratos-toupeira-nus chegam a viver mais de quarenta anos em cativeiro, dez vezes mais do que o normal para um roedor do seu tamanho. Não consegui deixar de pensar se todos viveríamos mais se só comêssemos o que estas criaturas enrugadas, com grandes dentuças, comem. Vera Gorbunova e Andrei Seluanov, casados e ambos biólogos na Universidade de Rochester, estudam ratos-toupeira-nus na esperança de lhes roubarem as suas adaptações de longevidade e aproveitá-las em benefício humano. “Descobrimos algo novo em cada animal de vida longa”, diz Vera.
O mistério da longevidade excepcional de alguns animais incentivou estudos em todo o mundo. Investigadores enfrentam tempestades no Árctico para capturarem, estudarem, etiquetarem e libertarem tubarões da Gronelândia, que vivem, no mínimo, 250 anos e talvez até alguns séculos. Cientistas que dragavam amêijoas do leito marinho a norte da Islândia capturaram um com 507 anos. Em busca de pistas no DNA, o biólogo português João Pedro de Magalhães, da Universidade de Birmingham, sequenciou o genoma da baleia da Gronelândia, uma gigante com 54,5 toneladas que se pensa ser a campeã da longevidade do mundo mamífero. João Pedro também trabalhou com Vera Gorbunova e Andrei Seluanov para investigar o genoma do rato-toupeira-nu.
O habitat do roedor em Rochester, no estado de Nova Iorque, tem 32ºC e é escuro e húmido como uma toca. Cada colónia habita na sua própria residência de plexiglass. Tem tubos largos ligando três grandes contentores, que servem ostensivamente para dormir, comer e excretar. Quando um rato-toupeira não gosta de uma refeição, põe-na na casa de banho”, diz Nancy Corson, responsável pela gestão das colónias.
Parecem adoravelmente sociais enquanto dão cambalhotas uns por cima dos outros e se amontoam em pilhas, como roupa para lavar, mas são territoriais. A investigadora Rochelle Buffenstein, que teve, em tempos, mais de 7.500 e tem agora 2.000 no seu laboratório na Universidade de Illinois, descobriu que os velhos não morrem mais frequentemente do que os novos. “Muitos morrem por lutarem”, acrescenta Vera Gorbunova. “Isso não depende da idade.”
Vera mostrou-me os outros residentes do seu laboratório: ratos-toupeira da Damaralândia; roedores chilenos chamados degu, usados como modelo no estudo da doença de Alzheimer; e ratos africanos das espécies Acomys kempi e Acomys percivali, que têm poderes quase míticos de regeneração de pele e cartilagem. Há um grande frigorífico cheio de tecidos de esquilos, coelhos, porcos-espinhos, castores, ratos silvestres, morcegos e duas dezenas de outras espécies.
As baleias da Gronelândia têm um número de células mais de mil vezes superior ao nosso, o que deveria aumentar dramaticamente o risco de sofrerem uma mutação que causasse cancro, mas não desenvolvem cancro. Estudos mostraram que são incrivelmente eficientes e rigorosas a reparar o DNA e a manter as células saudáveis. Vera Gorbunova descobriu que outros mamíferos longevos, incluindo os ratos-roupeira-nus, também possuem este superpoder.
Os morcegos controlam tão bem a inflamação que podem hospedar vírus sem adoecerem, uma proeza que atraiu a atenção do mundo quando se suspeitou que eram a origem do coronavírus da pandemia. “Já estávamos interessados nos morcegos antes da COVID”, diz Vera. Os cientistas estimam que a inflamação crónica, que frequentemente progride à medida que envelhecemos, é um dos factores principais em mais de metade das mortes a nível global.
E os ratos-roupeira-nus? Uma das suas maravilhas antienvelhecimento é o hialuronano, um açúcar pegajoso segregado pelo tecido conjuntivo. Nós também produzimos a substância e é um dos ingredientes essenciais dos cremes “antienvelhecimento”. Contudo, Vera Gorbunova e Andrei Seluanov descobriram que a versão do rato-roupeira-nu possui uma estrutura molecular diferente, mais pesada do que a nossa, muito mais abundante e que não se deteriora tanto. Nos ratos-roupeira-nus, o hialuronano não só torna a pele suficientemente flexível para conseguirem enfiar-se em túneis apertados, mas também suprime tumores – descobriram os biólogos.
Ao estudarem a longevidade, os cientistas reflectem inevitavelmente sobre a sua própria longevidade. Passada uma certa idade, muitos fazem algo para evitar danos moleculares. Vera Gorbunova, de 51 anos, diz-me que come algas porque estas activam uma proteína, a sirtuína 6, que contribui para a reparação do DNA e a estabilidade do genoma.
Vera não estuda seres humanos, embora também sejamos considerados mamíferos longevos. Vivemos mais do que todos os outros primatas e isso não se deve apenas ao facto de eles terem mais probabilidades de serem comidos por leões. Vera Gorbunova crê que, na próxima geração, teremos tratamentos que prolongarão o tempo de vida humano numa ou duas décadas. Para ir mais além, seria necessário alterar o sistema operativo humano na sua essência e isso pode não ser tão tresloucado como parece. “Acho que é possível”, afirma.
Em 2006, Shinya Yamanaka, investigador de células estaminais no Japão, descobriu a forma de reprogramar células adultas e fazê-las regressar a um estado semelhante ao embrionário.
A descoberta revolucionou a biologia celular e a busca de formas de tratar doenças humanas, valendo um Prémio Nobel ao investigador. Agora, os investigadores estão determinados a utilizar a técnica, denominada reprogramação celular ou reprogramação epigenética, para inverter o envelhecimento e erradicar as doenças que o acompanham.
“As consequências da reprogramação celular poderão ser maiores do que as do CRISPR”, diz o biólogo David Sinclair, referindo-se à transformadora tecnologia de edição de genes. “Vou ser destruído por dizer isto: é seguramente a maior inovação que aconteceu desde o CRISPR em termos de volume de capital e de pessoas envolvidas.”
Um grupo de importantes empresários, incluindo Jeff Bezos, abalou o pequeno mundo da investigação sobre o envelhecimento no início de 2022 com a criação de uma empresa de reprogramação, a Altos Labs, que valerá cerca de três mil milhões de euros. Yamanaka foi contratado como consultor e outros cientistas famosos foram convidados a deixar os seus cargos de prestígio em instituições académicas. “As pessoas não investirão dinheiro se a ciência não for credível”, explica Steve Horvath, que se reformou recentemente da Universidade da Califórnia e juntou-se a Altos. “Por isso, a pergunta a fazer é: eu e o leitor vamos beneficiar disso?”
Shinya Yamanaka usou quatro proteínas conhecidas como factores de transcrição, que iniciam e regulam a expressão dos genes, para apagar a identidade das células maduras, fazendo-as essencialmente regressar ao seu estado original. O salto para aplicar isto ao envelhecimento partiu do biólogo Juan Carlos Izpisua Belmonte, estudioso da regeneração dos órgãos. Juan Carlos quis utilizar os factores de Shinya Yamanaka para inverter o tempo, mas apenas parcialmente – restaurando a resiliência juvenil das células, mas conservando a sua identidade e função.
Ele e a sua equipa do Instituto Salk de Estudos Biológicos na Califórnia conduziram experiências frustrantes com ratos durante vários anos até descobrirem um protocolo que rejuvenescia os animais em vez de os matar. Recorreram à reprogramação parcial para prolongar as vidas de ratos prematuramente envelhecidos e acelerar os processos curativos em ratos de idades normais com lesões musculares. Nessa época, Juan Carlos disse que as experiências demonstravam que o envelhecimento “pode não ter de avançar numa única direcção”.
Agora, na qualidade de director científico da Altos, ele já não se pronuncia em público sobre a transformação do envelhecimento numa rua de dois sentidos. A empresa insiste que não desenvolve esforços no sentido de inverter o envelhecimento, mas sim de inverter a doença. Talvez os seus apoiantes queiram distanciar-se das duvidosas pretensões do antienvelhecimento ou estejam concentrados naquilo que a FDA aprovará: tratamentos para doenças e não para o envelhecimento. Mas eu não fui a única a questionar essa diferença.
“Qual diferença?”, perguntou David Sinclair, revirando os olhos.
Professor de genética e co-director do Centro Paul F. Glenn para a Biologia da Investigação do Envelhecimento na Faculdade de Medicina de Harvard, David não guarda segredo quanto à sua missão de combater o envelhecimento, incluindo o seu. Fundou e investiu em mais de uma dezena de empresas para comercializar tecnologias e moléculas de longevidade. Aos 53 anos, toma metformina e polvilha o pequeno-almoço com resveratrol. “Experimento, pelo menos uma vez, tudo de que se anda a falar”, diz. “Sou curioso. Gosto de fazer experiências.” Ele levanta pesos para manter os níveis hormonais altos – publicou no Instagram que a sua testosterona é elevada. Adoptou recentemente uma dieta vegana. Monitoriza atentamente a sua idade biológica através da InsideTracker, uma empresa para a qual trabalha como consultor e analisa 43 biomarcadores.
Quando o visitei no seu gabinete, ofereceu-se para me mostrar os resultados. Observámos gráficos num ecrã de computador. Em primeiro lugar: proteína C reactiva, um indicador de inflamação. “Estou muito abaixo de um jovem de 20 anos”, diz. Foi percorrendo mais dados, concluindo: “Estou muito à frente em termos de juventude.”
David modificou a fórmula de Shinya Yamanaka, eliminando um factor de transcrição associado ao desenvolvimento de cancro e depois usou reprogramação parcial em ratos para reconstruir nervos ópticos já esmagados. “Foi espectacular”, diz. “Mas se isto fosse mesmo inversão do envelhecimento, deveríamos conseguir inverter doenças relacionadas com o envelhecimento.” Por isso, experimentou-o em ratos com uma doença semelhante a glaucoma e eles recuperaram a visão.
Porém, as cobaias não eram muito velhas. Por isso, Sinclair decidiu reprogramar células de ratos geriátricos que sofriam de perda de visão relacionada com a idade. Um colega que é investigador de oftalmologia apostou com ele que não resultaria.
“E veja bem”, perguntou David. “Resultou.” Desde que publicou os resultados na revista Nature, em Dezembro de 2020, David Sinclair prosseguiu os estudos e assegura que os benefícios parecem duradouros. Dirigiu esforços para o nervo óptico por ser um dos primeiros afectados pelo envelhecimento. Pouco depois do nascimento, perdemos a capacidade de regenerar estas células. Ele crê que os seus estudos são um modelo para tratar lesões da medula espinal e distúrbios do sistema nervoso central. Se a inversão da idade celular permitir a recuperação da visão perdida porque não permitirá também recuperar a capacidade de caminhar, ou de recordar? – pergunta.
Segundos após o nascimento, os médicos verificam os sinais vitais de Tommaso Citti no Hospital Beauregard, na cidade italiana de Aosta. É altamente provável que as crianças nascidas hoje em países prósperos passem a barreira dos 90 anos. À medida que o mundo vai ficando mais velho, a investigação sobre retardamento ou inversão do envelhecimento torna-se cada vez mais importante. Fotografia de Melanie Wenger.
Não se sabe se uma tecnologia tão ambiciosa como a reprogramação celular proporcionará aos humanos aquilo que proporcionou aos ratos. Entretanto, poderemos fazer muito para combater o envelhecimento. Investigadores de Harvard examinaram décadas de dados provenientes de 123.219 adultos nos EUA e concluíram que há cinco hábitos capazes de aumentar a esperança de vida 14 anos nas mulheres e 12 nos homens: boa alimentação, prática regular de exercício, peso saudável, não fumar e não beber em excesso.
“Acho que a mais rentável, se investir apenas numa, é o exercício”, disse Matt Kaeberlein, professor de medicina e patologia laboratorial e director do Instituto de Investigação do Envelhecimento Saudável e da Longevidade da Universidade de Washington.
Matt é um cientista empedernido e não um guru da boa forma. O seu laboratório desenvolveu uma plataforma de robótica denominada WormBot, responsável pela recolha de dados de centenas de experiências paralelas em simultâneo para discernir os factores que influenciam o tempo de vida do nemátodo C. elegans. Também está a testar a rapamicina em cães. No entanto, por mais ocupado que esteja, Matt, de 51 anos, vai ao seu ginásio improvisado na garagem três dias por semana e faz um circuito de supinos, agachamentos, levantamento de peso morto e exercícios para os ombros com halteres para manter a massa muscular. “Para a maioria das pessoas com mais de 50 anos, a perda de massa muscular devido a um estilo de vida sedentário costuma ser um dos mais importantes indicadores de problemas de saúde mais tarde”, diz.
Os especialistas concordam incansavelmente que um regime de exercício maximiza a saúde e a força numa idade tardia. Já os especialistas em nutrição discordam quanto ao regime alimentar ideal – alimentação em horários restritos, jejum intermitente, keto, vegan, dieta mediterrânea ou outra qualquer.
Estudos com animais fornecem provas convincentes de que uma restrição austera das calorias ingeridas aumenta o tempo de vida. No entanto, tem sido difícil verificar se isso se aplica aos seres humanos. Há duas décadas, o Instituto Nacional do Envelhecimento dos EUA iniciou um estudo em grande escala para medir os efeitos de um regime alimentar que reduzisse as calorias em 25%. Contudo, embora os participantes tivessem acompanhamento, software para monitorizar o que comiam e recebessem refeições durante algum tempo, só ingeriam menos 12% de calorias. Lembrei-me do médico que me disse que a dieta mais saudável é aquela que conseguimos fazer.
Becca Levy, professora de epidemiologia e psicologia na Universidade de Yale, refere outra influência importante e controlável para uma longevidade saudável: a maneira como encaramos o envelhecimento. Num estudo, que foi reproduzido em todo o mundo, Becca descobriu que sujeitos com 30 a 40 anos e expectativas positivas em relação à velhice – equiparavam-na a sabedoria, por exemplo, em vez de decrepitude – tinham mais probabilidades de serem saudáveis décadas mais tarde. Noutro estudo, mostrou que as pessoas mais velhas que encaram o envelhecimento de forma positiva têm mais probabilidade de recuperar plenamente de uma lesão incapacitante. E noutro concluiu que uma perspectiva positiva da velhice está associada a um risco inferior de contrair doença de Alzheimer. Becca Levy descobriu que os indivíduos com as opiniões mais optimistas sobre o envelhecimento viviam, em média, mais sete anos e meio do que os mais pessimistas. A leitura de artigos de investigação sobre os mistérios do envelhecimento pode dificultar essa necessidade de nos sentirmos bem com a passagem dos anos. A ideia de “curar” o envelhecimento categoriza-o como uma patologia. Os estudos publicados começam, inexoravelmente, com más notícias. “O envelhecimento é um processo degenerativo que conduz à disfunção dos tecidos e à morte”, dizem as primeiras palavras de um artigo típico. À medida que aprendia mais sobre a ciência, fui ficando entusiasmada com as possibilidades de avanços inovadores, mas preocupada com as minhas próprias perspectivas, estando eu a aproximar-me dos 68 anos.
Steve Horvath ofereceu-se para me submeter a um relógio epigenético, um teste com o nome inquietante de GrimAge. Enviei-lhe dois tubos de ensaio com o meu sangue. Um pouco mais tarde, abri o relatório: a minha idade biológica era 3,3 anos inferior à minha idade cronológica. O relatório dava-me uns animados “parabéns” e dizia “já está a vencer o relógio!” Mas senti-me desiludida. Eu não estava, certamente, ao nível de David Sinclair na luta contra o tempo.
Depois, pensei na minha mãe nonagenária e da forma como ela ainda goza a vida contra todas as probabilidades. A investigação de Becca Levy convenceu-me de que a atitude da minha mãe explica – pelo menos em parte – a sua vitalidade actual. Nunca a ouvi queixar-se da sua idade ou a dizer que não pode fazer algo porque está demasiado velha.
“Não”, diz, quando lho lembro. “Não estou muito velha. Posso fazê-lo mais devagar ou fazer menos. Mas não estou demasiado velha para dançar, caminhar ou para qualquer outra tarefa de que goste.”
Faz uma pausa. “Quer dizer… Já não costumo ir nadar.”
“Por que já não o faz há muito tempo?”
“Na verdade, porque não gosto de me ver de fato de banho.”
Fonte: National Geographic