Por volta de 2010, minha mãe, com cerca de 65 anos na época, descobriu a necessidade de realizar três cirurgias sérias. Ao cabo de quase dois anos, veio a descoberta de que ela estava com câncer de tireoide, já metastático. Minha mãe sempre foi uma pessoa autônoma, independente, livre, e que nesse longo processo de hospitalização e adoecimento, passou a necessitar dos meus cuidados e dos meus irmãos. Aquela mulher forte e saudável se tornou vulnerável. Essa nova percepção fez eu me olhar e enxergar o que estava acontecendo comigo. E a fazer perguntas a meu respeito: Como seria o meu futuro? Minha velhice também seria doente? (Meu pai faleceu aos 48 anos de um infarto fulminante.) A velhice é uma m3rda?
A partir das minhas perguntas eu vivi um intenso processo de autoconhecimento e de estudo a respeito de longevidade e envelhecimento, que se transformou num novo propósito: a causa da longevidade, em especial o enfrentamento ao idadismo, o que redirecionou a minha carreira. Hoje, sou ativista na área, criei o Sessentônica e atuo como consultora de Comunicação e Marketing para uma consultoria especializada na área do envelhecimento, a Longevida.
Idadismo, etarismo ou ageísmo são palavras sinônimas. Porém, a Organização Mundial da Saúde (OMS) escolheu a palavra idadismo para definir esse “fenômeno social multifacetado como estereótipo (a maneira de pensar), preconceito (como sentimos) e discriminação (como agimos) contra o outro e contra nós mesmos com base na idade”. Assim, estaremos sendo idadistas se desqualificamos uma criança quando ela expressa sua opinião porque julgamos ela pequena demais, se desconfiamos da opinião técnica de um profissional porque ele é mais jovem, ou se criticamos uma mulher mais velha porque ela está vestida de maneira sensual porque entendemos ser muito “jovial” para sua idade. E, conforme as pessoas vão envelhecendo, o idadismo vai se tornando cada vez mais forte, a ponto de, conforme estudo da OMS, uma a cada duas pessoas no mundo serem idadistas com relação às pessoas idosas!
Nesse processo que vivi, uma das primeiras lições que aprendi foi que o envelhecimento acontece ao longo da vida. A gente vive em fases: infância, adolescência, juventude, fase adulta e a velhice, que será a fase mais longa da nossa vida! Estudos demonstram que já nasceu quem viverá até os 150 anos. Não somos como a abóbora da Gata Borralheira que se transforma em “pessoa idosa” ao completar 60 anos! Isso me deu nova perspectiva: de que há muito tempo para sonhar, viver novos projetos, errar e (re)aprender, (re)inventar! Olhando para trás, aos mais jovens, diria para que se coloquem menos pressão, apreciem e se divirtam mais no caminho, mas não deixem de se planejar olhando ao longo da jornada, mesmo sabendo que talvez precisem mudar os planos. O futuro se faz no presente.
Há interseccionalidade no idadismo com todos os grupos excluídos, como LGBTQIAPN+, mulheres, negros, pessoas com deficiência, indígenas, refugiados, etc. e também os não marginalizados. Sabem por quê? Porque todos nós, se tivermos sorte, envelheceremos. A notícia ruim é que, além de conviver com todas as dificuldades que esses grupos excluídos já conviviam ao longo da vida, com a velhice irá se sobrepor a camada de dificuldade do idadismo. Ou as diversas camadas… Imaginem a vida de uma mulher pobre, negra e envelhecida, muito diferente de um homem classe média alta, branco e idoso, concorda?
Mas, falando em interseccionalidade, também estou aprendendo a me livrar dos espartilhos do corpo perfeito e da manutenção da juventude, ao qual nós mulheres (e as mais velhas sofrem mais) somos pressionadas a vestir. Todos querem nos fazer acreditar que a juventude deve durar a vida inteira em nossos corpos e a nos “curar” da flacidez, das rugas, das manchas, dos cabelos brancos, dos quilos a mais… como se não fossemos suficientes o bastante, querendo que a gente se guie por padrões de beleza quase inalcançáveis. Difícil, né? Confesso que é um processo contínuo…. Mas conquistar essa liberdade, mesmo aos trancos e barrancos, é um alívio!
Nessa história, também aprendi que não precisava repetir a trajetória da minha mãe nem a do meu pai. Eu posso escrever a minha própria história. Afinal, estilo de vida é o que realmente importa quando falamos sobre longevidade com qualidade. Queremos viver muito, mas queremos ainda mais viver bem!
Nas chamadas blue zones, os cinco locais onde vivem as pessoas mais longevas do mundo, alguns fatores em comum entre elas são comer mais vegetais (carne até cinco vezes na semana), beber moderadamente (uma a duas taças por dia), realizar práticas físicas sem exagero (nada de crossfit, eles trabalham na casa e sem grande tecnologia), desenvolver sentido de pertencimento (estão conectadas espiritualmente ou religiosamente a alguma comunidade) e criar vínculos sócio afetivos (com a família e amigos que os cuidam e acolhem). Entretanto, um estudo feito pela Universidade de Harvard, conduzido desde antes da Segunda Guerra, por mais de 75 anos, e que analisou amostras de sangue, fez varreduras cerebrais, se debruçou em pesquisas e interagiu com os pesquisados, concluiu que uma coisa supera todas as outras em termos de importância para uma longevidade saudável: a qualidade dos nossos relacionamentos! Não é a quantidade dos amigos, nem se está ou não numa relação estável. Mas a qualidade dos relacionamentos íntimos, sejam de amizade, familiares ou amorosos. O segredo é investir no amor.
Então, fica a minha pergunta para você: como você quer envelhecer? As minhas escolhas eu já estou fazendo.
Por Karen Garcia de Farias, graduada em Comunicação Social e pós-graduada em Marketing pela Escola Superior de Marketing e Propaganda (ESPM) para Coletiva.net em especial Diversidade e Comunicação