Não é possível entender o cooperativismo no Brasil sem conhecer um pouco da história dos japoneses e de seus descendentes no setor. Américo Utumi se tornou uma referência nesse processo. Filho de imigrantes japoneses, formou-se advogado pela Faculdade de Direito do Largo São Francisco e iniciou a sua carreira na Cooperativa Agrícola de Cotia (CAC), sendo três vezes eleito presidente da Ocesp nos anos 80 e 90.
Américo contribuiu também para o desenvolvimento do Sistema Cooperativista em São Paulo e no Brasil. Ele conseguiu que as entidades se unissem para a formação de um sistema único e fortalecido de representação: Ocesp em São Paulo, OCB no Brasil. Como consequência desse trabalho, em 1971 foi promulgada a Lei Nacional do Cooperativismo, vigente até hoje.
Aos 85 anos, decidiu se aposentar para aproveitar mais o tempo com a família e se dedicar à vida pessoal. É neste momento de celebração e reflexão sobre toda uma vida dedicada ao cooperativismo, que ele conversa com a MundoCoop para compartilhar suas visões e perspectivas sobre o passado, o presente e o futuro das cooperativas.
De que forma os imigrantes japoneses contribuíram para a formação e consolidação do cooperativismo brasileiro?
Quando os japoneses vieram para o Brasil, no início do século passado, para trabalharem nas fazendas de café, após o prazo contratual, eles continuaram na agricultura, como pequenos produtores rurais, já que era a única atividade que sabiam fazer. Naquela época, o Brasil, praticamente não produzia legumes e verduras, sendo que a batata era importada da Holanda. E esses imigrantes, tentaram a vida produzindo alguns tubérculos, que recebiam ofertas irrisórias nos mercados.
Desanimados, esses japoneses já se preparavam para desistir desta atividade, quando um deles, Kenkiti Simomoto, que havia tomado conhecimento de um sistema surgido na Europa, denominado cooperativismo, lançou a ideia de se formar uma cooperativa, juntando todos os produtores de batata da região. Como uma luz de esperança na situação desesperadora, todos concordaram em participar dessa nova entidade, que foi constituída no ano de 1927.
Eram 83 produtores de batata, que aportaram uma quantia para a formação do capital inicial, destinado a aquisição de um terreno ao lado do mercado de Pinheiros, onde foi construído um galpão e contratado um funcionário como vendedor.
Com o amplo sucesso dessa cooperativa, outros japoneses, agora produtores de legumes e frutas, passaram a ingressar na entidade, e logo, essa cooperativa, denominada Cooperativa Agrícola de Cotia, se tornou uma presença marcante no mercado de alimentos e um exemplo do poder dos pequenos lavradores quando agrupados numa cooperativa. Com o surgimento dessas cooperativas de imigrantes japoneses, que prestavam um relevante serviço para o abastecimento do país, o governo, reconhecendo a sua importância, promulgou, em dezembro de 1932 a primeira lei sobre cooperativas, cinco anos depois da fundação da Cooperativa Agrícola de Cotia.
Nestes primeiros passos desses cooperados, quais foram os principais desafios encontrados? Como eles foram superados?
No início, a inexistência sequer de uma legislação sobre cooperativas, que somente foi promulgada em 1932, o Decreto Lei 22.239. E posteriormente, a total ignorância do sistema cooperativo pelos poderes públicos e da sociedade em geral. No ano de 1933, a Secretaria da Agricultura do Estado de São Paulo, para sanar essa deficiência, criou o Departamento de Assistência ao Cooperativismo, – DAC, atualmente Instituto de Assistência ao Cooperativismo – ICA.
Os desafios encontrados por todas as cooperativas agrícolas, e não apenas formadas por japoneses, são inúmeros, tais como, a preparação dos jovens cooperados no ingresso do universo digital, modernização das práticas rurais, acesso ao conhecimento das últimas conquistas da tecnologia e da ciência.
Com isso, lutaram contra a incompreensão e a ignorância dos governos. Mas, graças a lideranças extraordinárias, os enormes entraves e obstáculos foram paulatinamente superados.
A presença japonesa desempenhou um papel fundamental na formação da sociedade brasileira, com contribuições nos mais diversos campos. Observando a trajetória até aqui, quais foram as principais mudanças na atuação desses cooperados?
A grande diferença é a evolução da tecnologia tanto na produção como na administração. E não foi somente nas cooperativas, mas em toda a atividade humana.
Atualmente, já quase inexistem japoneses nas cooperativas. Hoje, são os seus filhos e netos que os substituem como cooperados, e integrados todos na sociedade, a distinção racial vai se tornando tênue e imperceptível. Juntamente com outros associados não descendentes, a perspectiva desses jovens é a mesma de todos os cooperados: fortalecer cada vez mais a cooperativa para que ela preste cada vez um serviço melhor aos associados.
Que análise você faz olhando para o desenvolvimento do cooperativismo brasileiro ao longo das décadas? Como observa o movimento na atualidade?
O cooperativismo é muito mais amplo e no Brasil ele é um ilustre desconhecido. Em todo o mundo, principalmente, nos países desenvolvidos, o cooperativismo é uma ferramenta extraordinária para promover o desenvolvimento econômico e social da população. Nos Estados Unidos, mais de cem milhões de americanos são cooperados das Credit Unions, as cooperativas de crédito. No Japão, metade da população é associada a alguma cooperativa e um agricultor não sobrevive se não for filiado a uma cooperativa agrícola. Na Alemanha, o Banco Cooperativo Alemão é um dos maiores bancos da Europa. Na Itália, a maior rede varejista é uma cooperativa de consumo, a COOP. No Canadá, a maior instituição financeira da província de Quebec é uma cooperativa de crédito, a Desjardins, que é a sexta do país.
E como o cooperativismo é extremamente débil nos países em desenvolvimento, fica a pergunta: Será que esses países são desenvolvidos porque eles possuem um forte sistema cooperativo? No Brasil, infelizmente, o cooperativismo é incipiente, apenas 10% da população é associada a uma cooperativa. Temos um extenso caminho a percorrer e muito dos nossos males poderia ser resolvido por intermédio do cooperativismo. Na habitação, no consumo, no crédito, no agrícola, enfim, tudo que nos aflige poderia perfeitamente ser solucionado via cooperativas. Esse é o meu sonho dourado. Quem sabe um dia se torne uma realidade.
Por Priscila de Paula – Redação MundoCoop