O agronegócio é uma potência nacional. Ano após ano, o setor se desenvolve ainda mais, sendo exemplo no uso da tecnologia, novas formas de produção e cultivo e aposta na sustentabilidade, elevando a produtividade sem causar maiores impactos ao meio ambiente.
Tal cenário, se consolidou ao longo de décadas, e tem suas bases construídas em um forte movimento de investimentos em pesquisas e estudos, que ajudaram a destacar o país diante da agenda mundial, principalmente em tendências como a agricultura regenerativa e muitas outras inovações.
Promovendo educação e capacitação ao longo de 122 anos, a Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP) desempenhou um papel fundamental na construção da história do agro brasileiro e, principalmente, na sua evolução. Neste ano, um novo capítulo se iniciou, com a instituição centenária nomeando a primeira mulher a assumir sua diretoria.
Thais Vieira é docente do departamento de Agroindústria, Alimentos e Nutrição e presidiu a Comissão de Graduação da Esalq desde 2019. Agora, ela inicia um novo capítulo, em um mundo onde o agro desempenha um papel ainda mais fundamental. A MundoCoop conversou com a nova diretora da Esalq para compreender um pouco mais sobre o significado de sua nomeação, perspectivas para a gestão e o papel da mulher no desenvolvimento do agronegócio brasileiro. Confira a entrevista completa!
TRAJETÓRIA
Como surgiu o interesse em fazer o curso de engenharia agronômica? Visualizava ocupar a diretoria?
O interesse pela Esalq surgiu desde que eu era criança. E surgiu porque estudei no CLQ, em Piracicaba, uma escola fundada por egressos da Esalq. Eu tinha a convivência com alguns professores da Esalq porque meu pai era professor dessa escola. Tudo isso me estimulou de maneira que quando fui prestar vestibular, só prestei um vestibular, o da Fuvest, porque era essa a carreira que eu queria seguir.
De início não visualizava ocupar cargos administrativos. Na graduação eu decidi experimentar. Meu primeiro estágio foi na Genética, com melhoramento de animais. Fiz disciplinas optativas na genética porque eu acreditava que iria trabalhar nessa área. Depois fiz estágio com cultura de tecidos e após quando cursei a disciplina Qualidade e Processamento de Alimentos me interesse por essa área. Ao final do curso, fiz iniciação científica e despertei para a área acadêmica e seguir na área de pesquisa, fazer mestrado e doutorado. Após me formar fui trabalhar na Embrapa como pesquisadora e só voltei na Esalq com a oportunidade de um concurso na área.
Por que decidiu se candidatar ao cargo de diretora e como surge essa parceria que culminou na chapa com o prof. Marcos Milan?
Discutir o papel da Universidade e da Esalq e as concepções dessas instituições é sempre importante e deve fazer parte da nossa vida acadêmica. E no momento de renovação da diretoria, essa discussão foi iniciada em um grupo que começou pequeno, com pessoas envolvidas nas comissões administrativas (Graduação, Pós-Graduação, Pesquisa e Cultura e Extensão). No segundo semestre de 2022 eu estava envolvida na elaboração do Projeto Acadêmico da Esalq e como eu era presidente da Comissão de Graduação, estava no grupo que tinha a incumbência de avaliar os relatórios dos departamentos. Assim, com esse processo muitas reflexões vieram à tona e começamos a conversar e avaliar o futuro da Esalq.
Assim nasceu a ideia de uma candidatura de chapa e dentro desse grupo os nomes foram sendo avaliados dentro de alguns compromissos. Assim surgiu meu nome e do professor Milan, como líderes dessa proposta, ou seja, como os nomes que iriam compor a chapa na eleição para a nova gestão da diretoria da Esalq. E entendo que pela experiência que eu trouxe da Comissão de Graduação e como professora meu nome foi indicado. E o professor Milan, que fazia parte desse grupo, traz uma enorme experiência em gestão e um equilíbrio para a chapa.
REPRESENTATIVIDADE
Qual o significado de ser a primeira mulher a assumir a Esalq? Tal nomeação é reflexo da presença feminina no agro?
É algo que já vem acontecendo no setor. Grandes empresas tem uma CEO mulher. No setor agroalimentar, felizmente não é incomum termos a presença de mulheres nas áreas que temos aqui na Esalq. Portanto a chegada das mulheres em cargos de gestão é um movimento natural e agora chegou a vez da diretoria da Esalq. Ser eleita a primeira mulher diretora da Esalq representa a retirada de uma barreira.
Temos que ir eliminando essas barreiras que existem hierarquicamente na sociedade. Esse é um movimento que vem ganhando força e esperamos que assim continue, num processo com equidade, com mulheres e homens ocupando os mesmos espaços, mantendo as diferenças de cada um.
Quais foram suas dificuldades enquanto mulher no meio acadêmico e no universo agro?
Quando pensamos em termos acadêmicos, muitos cursos de graduação e pós-graduação já tem o equilíbrio entre homens e mulheres. Aqui na Esalq muitos cursos já registram um número maior de mulheres formadas todos os anos. Na Esalq, no corpo acadêmico dos docentes essa ainda não é uma realidade. As mulheres são minoria entre os professores. Mulher tem sempre mais dificuldade pela própria hierarquia social pois vários avanços chegaram para nós após já estarem disponíveis aos homens, incluindo direitos e acesso.
Temos uma estrutura social na qual a mulher assume papéis de cuidar de casa, dos filhos e só recentemente temos oportunidades para as pesquisadoras, de terem licença maternidade. Hoje, por exemplo, podemos colocar a licença maternidade na plataforma lattes. São pontos importantes que mostram porque ainda hoje temos mais pesquisadores homens em destaque. Caminhamos a passos lentos, mas cabe muito também a nós, mulheres, dividir o papel de cada um começando dentro da nossa casa. Conversar com casa para termos equidade e não acúmulo de tarefas.
TENDÊNCIAS
A Esalq pretende se aproximar mais do ecossistema de inovação local?
Sem dúvida. E já começamos visitando o Parque Tecnológico, tivemos reuniões por lá e empresas já vieram nos procurar. O ecossistema é muito importante para a Esalq e para os nossos pesquisadores. Já temos muitas boas iniciativas sendo realizadas e ampliar essa aproximação será ainda mais viável à medida que nossa governança garanta que nosso potencial de inovação possa ser aproveitado pela sociedade. Mudando comportamento e trazendo novas tecnologias para que aquilo que produzimos cientificamente seja adotado pelo setor produtivo.
Parcerias com instituições de ensino, outras organizações como cooperativas podem ajudar a levar tecnologia aos pequenos produtores?
Sim! O importante é pensamos em novos modelos de produção. As grandes propriedades e produção de commodities são importantes, mas não menos importante é a produção de alimentos locais, produtores que empregam novas tecnologias e tudo isso pode ser viabilizado a partir das nossas atividades de extensão, que é algo que já fazemos bem e ainda temos potencial para melhorar. Pois a extensão é aquilo que realmente beneficia quem está na sociedade. Precisamos saber quem irá se beneficiar do conhecimento produzido na universidade, ou seja, praticar a extensão de maneira plena.
A interação com outras instituições de ensino sempre é importante. Essa colaboração transdisciplinar é positiva na medida que proporciona um avanço palpável. A aproximação com outras organizações como Sebrae e arranjos produtivos locais são fundamentais também para praticarmos a extensão e trocarmos conhecimentos.
FUTURO
Como a Esalq pode estimular a nova geração a seguir carreiras na atividade agrícola?
Isso passa por um trabalho forte de comunicação, que pode ajudar a sociedade identificar o que a Esalq proporciona. Mas quando eu ouço que o agro deve melhorar sua imagem, eu discordo em partes. O que devemos fazer, na verdade, e que pode convencer o público jovem a investir em profissões ligadas a atividade agrícola é mostrarmos a realidade daquilo que já é muito bem-feito no setor produtivo. A imagem deve ser uma consequência. Então podemos destacar a organização das cadeias produtivas, os sistemas regenerativos e evidenciar pessoas que estão fazendo a diferença na sociedade. E nossos egressos se destacam nesse cenário de positividade, ocupando cargos em grandes empresas, em setores governamentais, em organizações não governamentais, enfim, no setor de produção de alimentos, de energia e fibras.
Quais as perspectivas do agronegócio para os próximos anos? O Brasil possui capacidade para se tornar referência em inovação nesse setor?
O Brasil possui capacidade, mas precisamos de estabilidade na realização de projetos, que precisam ser de médio a longos prazos. Precisamos ter continuidade nas ações. E a Esalq tem um potencial muito grande de contribuição para a agricultura de maneira geral e não somente para o agronegócio. O setor de alimentos, por exemplo, que é minha área de atuação, por ter mais proximidade com o consumidor final, tem se mostrado mais ágil nas modificações para atender esse consumidor. Por exemplo, o consumidor quer conhecer a origem dos produtos, quais são os ingredientes por exemplo. O atual contexto exige esse tipo de reposicionamento das empresas. O agronegócio em si precisa mostrar mais aquilo que realiza e quais as mudanças estão sendo implementadas. Principalmente nas questões relacionadas ao meio ambiente, uso de defensivos e boas práticas agrícolas. Acredito diante disso na necessidade de mudanças dos sistemas produtivos como um todo. O mundo pede essas mudanças.
Por Leonardo César – Redação MundoCoop