A sociedade se transforma com o tempo. E junto dela, um conjunto de hábitos ganham novos moldes, guiando a forma como nos comportamos no mundo e tomamos nossas decisões. De tempos em tempos, novas formas de comunicação surgem. E as que existem, se aprimoram para adotar ferramentas que buscam uma maior integração e uma comunicação mais igual e democrática. A partir dela, posicionamentos se transformam, e os próprios negócios ganham para si um novo modo de operar.
Tais mudanças não apenas impactam o que falamos, mas também o que consumidos e como consumimos. Pode não parecer claro muitas vezes, mas a comunicação e o consumo moldam a sociedade. E o mercado responde à medida que as novas tendências se revelam. Afinal, como podemos – como negócio – atingir um novo público? Antes disso, o que esse público almeja?
Para entendermos melhor sobre como a comunicação se relaciona com nossos hábitos no mercado, a MundoCoop conversou com exclusividade com o coordenador do Mestrado Profissional em Comportamento do Consumidor na ESPM, Ricardo Zagallo Camargo.
Confira a entrevista na íntegra!
MundoCoop: Nos últimos anos temos visto uma grande mudança no mercado, que tem impactado a forma como consumimos e nos comunicamos. Olhando para um cenário macro, quais foram as principais mudanças vistas na última década? Qual o impacto que elas trouxeram para o mercado?
Nos estudos conduzidos por mim e pelas(os) estudantes sob minha orientação, partimos do entendimento das práticas sociais para entender o consumo. Por exemplo, se o objetivo é estudar o consumo de bicicletas, vamos entender primeiro a prática do ciclismo, em suas diferentes modalidades e grupos.
Seguindo essa lógica identificamos nas práticas sociais (que envolvem saberes, sentimentos e procedimentos) as mudanças que vão impactar o mercado. Nesse sentido, as grandes mudanças que tem moldado as práticas sociais e a cultura do consumo e a comunicação, são as apontadas pela professora Isleide Fontenelle: as mudanças ou impactos causados pela terceira revolução, a revolução técnico-científica internacional, com destaque para as tecnologias de comunicação e informação, que sucedeu as revoluções industrial e política e pela crise ambiental.
Esses acontecimentos ensejaram, a partir dos anos 1990, o surgimento de duas formas contemporâneas de consumo: o consumo cultural, hedônico ou experiencial, consumo de experiências, que estimula a busca do máximo prazer pelo consumo; e uma forma que busca moderar ou se contrapor a essa lógica, o consumo sustentável, consciente ou responsável, incluindo cuidados pessoais e relações também mais cuidadosas com a natureza e com as outras pessoas.
MundoCoop: A comunicação é uma parte essencial das relações de consumo. Se feita de forma incorreta, pode trazer inúmeras implicações negativas. Quais as principais tendências de comunicação do mercado consumidor atual?
Em termos de comunicação com consumidores(as), creio que a principal tendência a ser observada é a perda do controle da comunicação por parte das empresas. De acordo com estudos contemporâneos (ver teses e dissertações do PPGCOM ESPM) a compreensão da comunicação como um fenômeno linear que envolve emissor, mensagem e receptor, dá lugar, ou é complementada pelas noções de enunciação e discurso.
A enunciação entendida como uma espécie de cenário onde emissores e receptores (ou enunciadores e enunciatários) estabelecem trocas comunicacionais constantes e o discurso como a mensagem situada, integrada pelos lugares de fala. Ou seja, não há definições ou lugares estanques, mas relações múltiplas que escapam ao controle das empresas. Diante disso as empresas vão ter que rever expressões como “atingir o público”, “comunicação efetiva”, “fidelização” e “conversão de consumidores”, por percepções mais abertas e participativas, convidando as pessoas para conversas sobre seus estilos (ou ocasiões) de vida (aqui volta a observação das práticas sociais) para oferecer serviços e produtos adequados.
MundoCoop: Atualmente vemos um movimento que direciona o consumidor para um modelo mais consciente de consumo, colocando nos holofotes empresas e marcas que possuem uma maior preocupação com temas sociais e ambientais. Como essa mudança de postura do consumidor impacta a forma como o mercado de posiciona? Quais os temas atuais que precisam estar no radar das organizações, caso elas queiram uma penetração maior no mercado consumidor?
Esse movimento corresponde a uma das formas contemporâneas da sociedade de consumo propostas pela professora Isleide Fontenelle e mencionadas anteriormente: o consumo responsável. Trata-se de uma tendência que se desdobra em três aspectos principais, que devem estar no radar das empresas: Os cuidados com a natureza, uma vez que cada vez mais pessoas percebem o sistema atual de produção e consumo como inviável diante das limitações do planeta e buscam opções de consumo e vida que pelo menos minimizem os impactos ambientais e esperam das empresas, pois são elas que podem introduzir inovações sustentáveis mais significativas; os cuidados com as outras pessoas, em especial o tratamento dado às pessoas que fazem parte da cadeia de produção e descarte, por meio da denúncia e combate (que pode se dar por boicotes aos produtos das empresas infratoras) ao trabalho explorado e precário (mal pago, perigoso, infantil etc.) e também ao tratamento preconceituoso dado a determinados grupos sociais na comunicação das empresas, incluindo as falas de seus dirigentes (vale lembrar aqui o boicote global à marca Barilla depois de uma declaração homofóbica de um de seus proprietários).
E voltando à revisão de expressões, creio que as empresas não devem mais querer “uma penetração maior no mercado consumidor”, mas entendimento e colaboração com o mercado consumidor.
MundoCoop: O cooperativismo é um modelo de negócio voltado principalmente para pilares sociais, trazendo produtos e práticas que impactam positivamente todos os envolvidos na cadeia de produção. O momento atual do mercado é propício para a expansão desse tipo de negócio? No cenário atual, quais as oportunidades que as cooperativas possuem?
Atuei na Cooperativa Agrícola de Cotia (CAC) nos anos 1990 e tenho acompanhado com interesse de consumidor as cooperativas de crédito, entre outras. A experiência na CAC, uma gigante que desmoronou de forma irreversível, me ensinou que os princípios cooperativistas (que são muito interessantes) parecem não resistir à má distribuição do poder ou à má gestão operacional e financeira.
Isto posto, creio que há promissoras oportunidades para as cooperativas, especialmente as de pequeno e médio porte, mas desde que mantenham os princípios democráticos e participativos que as caracterizaram originalmente, pois nesse caso as cooperativas podem ser vetores de transformação dos modos de produção e consumo capitalistas. No que tange ao consumo acho que a noção de cooperativa se aproxima, por exemplo, das comunidades virtuais e redes sociais, onde as pessoas buscar aplicar princípios e práticas colaborativas surgidas no ciberespaço para outras dimensões físicas da vida.
Por outro lado, se a denominação cooperativa servir apenas como forma de promoção e/ou o movimento conduzir à criação de cooperativas gigantes e poderosas, mimetizando os grandes conglomerados e cartéis, creio que contribuirão para termos cada vez mais do mesmo, desperdiçando a oportunidade de recriar padrões de produção, comunicação e consumo a partir dos princípios cooperativistas.
MundoCoop: O consumo é relacionado fortemente com o contexto social em que está ele inserido. Considerando as transformações recentes – que envolvem a pandemia e um cenário mundial de incertezas político-econômicas – que perspectivas podemos traçar para os próximos anos, em relação ao tema?
A pandemia, assim como outras doenças globais, como a recém surgida varíola do macaco, devem, infelizmente, fazer parte do nosso cotidiano a partir de agora. Amplia-se, dessa forma o cenário de múltiplas incertezas humanas – políticas, econômicas e socias – que fizeram surgir o acrônimo VUCA (do inglês volatility, uncertainty, complexity e ambiguity), criado pelo exército americano e popularizado pelas consultorias para descrever o mundo atual.
Nesse contexto torna-se arriscada a construção de cenários, assim como tentativas de previsões, mesmo para os próximos anos. Não tenho, portanto, muito a acrescentar além das formas contemporâneas de consumo experiencial-responsável já mencionadas. Sugiro, contudo, como ferramenta para reflexão (e ação), a leitura da obra de Edgar Morin, pensador que propõe uma teoria da complexidade. São muitos e ótimos livros, mas creio que a aproximação com o pensamento complexo de Morin pode começar pelo livro A Cabeça Bem-Feita, onde o autor aposta no desenvolvimento da capacidade de perceber o contexto e o complexo planetário como caminho para atuar de forma consciente e responsável.
Por Leonardo César – Redação MundoCoop