Nas últimas décadas o agronegócio passou por diversas transformações. Ao longo dos anos, novas técnicas foram descobertas e criaram um novo modo de trabalhar a terra e tirar proveito dela. Hoje, na missão de produzir mais, diversos fatores entram na conta, criando uma balança onde os objetivos do setor não se sobressaem sob a vida humana e o meio ambiente.
Assim, criou-se nos últimos anos o cenário ideal para que chegássemos ao atual patamar: um agronegócio que é referência mundial, e que é tido como um dos maiores motores da cadeia alimentar mundial.
Produção e propósito se tornaram aliados nesta caminhada, e em um esforço coletivo, o agro brasileiro entrou em uma nova era: mais sustentável, forte e humano.
Nesta caminhada, diversas vozes foram importantes para que o setor se desenvolvesse. E para entender como chegamos até aqui, conversamos com uma delas. Para compreendermos melhor sobre como o agronegócio brasileiro tornou-se protagonista no mundo, a MundoCoop conversou com exclusividade com a engenheira agrônoma, professora e pesquisadora da Embrapa, Mariangela Hungria da Cunha. Na conversa que você confere a seguir, ela nos traz um panorama sobre o agro atual, compartilha um pouco do seu papel nesse desenvolvimento e ainda, fala sobre a sua recente nomeação ao Prêmio Norman Borlaug de Sustentabilidade.
Confira na íntegra!
MundoCoop: Ao longo de sua carreira, o agronegócio brasileiro passou por grandes transformações. Algumas, das quais você fez parte e contribuiu de forma significativa. Para você, quais marcos colocaram o agronegócio nacional na posição de referência mundial?
Eu completo 40 anos de carreira e isso me fez ver e presenciar toda uma transformação no agronegócio brasileiro. Posso afirmar, sem dúvida nenhuma, de que a grande transformação no agronegócio ocorreu com a pesquisa em universidades, acelerada com a criação da Embrapa e com investimentos pesados em pesquisa. Hoje produzimos mais de 8.000 kilos de soja, sem aumentar a área de terra, aumentando os níveis de sustentabilidade na produção. A gente vê hoje o sucesso que começou a ser mostrado e que com certeza vai ter continuidade com o cultivo do trigo no cerrado.
Hoje nós estamos no terceiro lugar de produção mundial. Então, tudo isso foi, sem dúvida, ações da pesquisa que colocaram o agronegócio no cenário nacional. É claro que, com um agricultor muito, muito responsivo, a adoção dessas novas técnicas, muitas delas trazidas por agricultores e que depois foram aperfeiçoadas na pesquisa.
MundoCoop: Nos últimos anos o país tem buscado novas formas de produzir mais, impactando menos. Algumas soluções, já são amplamente adotadas pelo produtor brasileiro. Como você observa esse movimento de reformulação das técnicas adotadas pelo agro? Que oportunidades você acredita que ainda precisam ser exploradas?
Estamos na liderança mundial em formas de produzir mais, impactando menos. Nós temos tecnologias, por exemplo, na minha área, somos hoje os líderes mundiais em estudos e uso de inoculantes e insumos biológicos. Nós somos líderes no plantio direto, que completou agora 50 anos e foi a salvação dos nossos solos tropicais. Nós criamos o sistema integração lavoura pecuária e integração lavoura pecuária floresta, que alguns achavam também que era uma loucura e que com certeza vai expandir cada vez mais, sendo uma solução para o agricultor, sendo uma solução para o país, sendo uma solução sustentável.
Porém considero que estamos muito aquém de tudo o que poderíamos ser. Grande parte disso é por causa do desmantelamento da assistência técnica aos agricultores médios e, principalmente, os pequenos no país. Quando você vai implementar tecnologias mais sustentáveis, muitas vezes você precisa do acompanhamento especial. Pequenos agricultores e alguns médios não têm assistência técnica independente e isenta, e são assistidos pelo mercado privado, que acaba fazendo com que comprem muitos químicos não necessários. Com isso temos casos de poluição, de impacto ambiental que nós não precisaríamos ter com o conhecimento e a tecnologia que a gente tem hoje.
MundoCoop: Diante dos últimos acontecimentos no mercado externo, o Brasil tem se voltado para a produção própria de insumos. Qual o potencial do país neste campo? Como o Brasil pode acelerar o processo de produção de insumos para que possa diminuir a dependência de outros países?
Os acontecimentos desse ano, em especial a guerra deflagrada entre a Rússia e Ucrânia, expuseram os problemas sérios que nós temos e como eles ficaram ainda mais graves. Na parte da agropecuária, então, por exemplo, os fertilizantes. Confesso que até eu, que sou da área, não sabia que a situação era tão grave. Em uma década, a importação de fertilizantes subiu para 85%. Como pode um país que o PIB é tão dependente da agropecuária se depender de 85% da importação dos fertilizantes?
O mesmo aconteceu com moléculas químicas usadas para controle de pragas e doenças. São todas importadas. Não tem desenvolvimento nacional. Então, a única coisa que realmente não parou no país, por ter principalmente uma massa crítica de pesquisadores que foram formados, é a área de insumos biológicos. Dos problemas nascem as melhores soluções. Então, abrir um pouco a perspectiva, a oportunidade de o agricultor verificar que esses produtos são tão eficazes ou até melhores do que os químicos, porque também havia uma grande pressão do setor químico para usar o químico e não o biológico.
Só que a gente também tem que ter cuidado, porque a pesquisa agora está passando por uma fase de desmantelamento. Os recursos estão extremamente baixos e nos dois últimos anos, por exemplo, recebi zero de projetos de pesquisa. Então, com isso, vai acontecer o que? Um grande diferencial que nós temos é ter recursos humanos, ter conhecimento e poder facilmente colocar vários produtos, vários insumos biológicos no mercado.
MundoCoop: Ao longo dos anos, seus estudos identificaram diversas novas técnicas de produção, que vão de encontro com diversos desejos da produção nacional. Qual o papel da pesquisa científica no desenvolvimento do agronegócio? Como podemos aumentar o apoio e fomento a esses estudos tão importantes para o crescimento do setor no Brasil e no mundo?
Na minha área de trabalho, que é a dos inoculante, a substituição total ou parcial os fertilizantes químicos. Nós estamos na liderança mundial e isso não foi do dia para a noite, mas há mais de 50 anos que foram aplicados em pesquisas no Brasil. Formação de recursos humanos, escolas de formação de recursos humanos. Foram também 50 anos educando, ensinando para os agricultores a importância e como funcionam esses produtos. E hoje o nosso agricultor, porque já está educado nisso, porque já teve acesso essas tecnologias a esse conhecimento. Ele é muito receptivo.
Lançamos a tecnologia da inoculação da soja com uma bactéria que fazia fixação de nitrogênio e era tradicionalmente já usada. E outra que produz se tu harmônio e daí cresce e aumenta muito crescimento das raízes. Com isso, até a planta consegue até fixar mais nitrogênio, mas também absorver outros nutrientes e a água também menos suscetíveis a períodos de seca. Em cinco anos de lançamento dessa tecnologia, a gente já tinha que 25% de toda a área no Brasil, cultivada com soja, já estava adotando essa tecnologia. Por quê? Porque o agricultor usa. Ele vê que funciona um retorno econômico sensacional. E ele já está educado para isso.
MundoCoop: Recentemente, durante o 21º Congresso Brasileiro do Agronegócio, a Sra. recebeu o Prêmio Norman Borlaug – Sustentabilidade, em homenagem aos trabalhos prestados ao agronegócio nacional. O que essa homenagem representa para você?
Foi uma emoção muito grande ter recebido o prêmio da Abag no tema de sustentabilidade. Durante a minha carreira, eu tive vários embates, porque eu sempre fui do uso racional dos químicos, podendo ser substituído pelos biológicos. Sofri muita pressão do setor químico, de fertilizantes, de agrotóxicos.
Quando todos se levantaram para aplaudir e saber que a grande maioria daquele público ali era dos químicos? Finalmente entendi essa mensagem de que há espaço para todos, para os químicos e para os biológicos.
MundoCoop: Quais as perspectivas para o futuro do agronegócio no Brasil? Como unir a tradição que gera resultados, com as novas tecnologias e tendências do mercado?
Estamos vivendo tempos conturbados. Um dia uma coisa, outro dia outra coisa. Então, eu acho que nós temos grandes oportunidades no agronegócio brasileiro, principalmente de produzir de modo mais sustentável. Aprendemos que não é um bicho de sete cabeças e que traz muito retorno econômico. Ele pode ter um descrédito no começo, mas depois as pessoas acabam vendo como funciona.
Isso tudo o agricultor não adotaria se não tivesse retorno econômico. Nós temos muito para entregar e isso vai depender dos investimentos na pesquisa. Precisamos urgente de investimento. Está ficando sucateado em termos de infra estrutura, em termos de pesquisa, em termos de recursos humanos. Precisamos de um plano de recuperação da pesquisa voltada à agropecuária no Brasil para que a gente continue com essas histórias de tanto sucesso, tão maravilhosas e que vão dar retorno econômico, social e ambiental para o país.
Por Leonardo César – Redação MundoCoop