No mundo das cooperativas a saúde mental tem sido um tema preocupante, sobretudo quando o assunto é a síndrome de burnout. O problema é sério, para se ter uma ideia, o Brasil ocupa o segundo lugar no mundo em mais casos de síndrome de burnout, segundo um relatório da International Stress Management Association (Isma-BR – 2021).
Ficamos atrás apenas do Japão, que já tem um longo histórico de casos de suicídios e crises pessoais relacionadas ao mundo corporativo. Um levantamento feito pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), indicou que um em cada quatro brasileiros sofre com a síndrome de burnout. As mulheres são as suas maiores vítimas com 46%, contra os homens com 37%.
A mesma pesquisa indicou que a faixa etária mais afetada pela doença são os funcionários com menos de 30 anos, em 48%. Um estudo de investigação do PMI, Construindo e Liderando Equipes de Alto Desempenho, sugere que os líderes devem defender práticas digitais equilibradas.
Para saber mais sobre o assunto, a Mundo Coop entrevistou o especialista Ricardo Triana, que falou detalhadamente sobre o burnout digital nas cooperativas.
Como podemos evitar essa exaustão tecnológica nas cooperativas?
Evitar a exaustão induzida pela tecnologia envolve planejamento estratégico e uma mudança cultural dentro das organizações. Os líderes de projeto devem estabelecer e aplicar diretrizes claras sobre o uso da tecnologia, tais como:
Implementação de estruturas Ágeis: Essas estruturas enfatizam o trabalho iterativo e a reavaliação frequente, o que nos ajuda a gerenciar cargas de trabalho e a prevenir o esgotamento.
Estabelecendo limites: Os líderes devem aplicar políticas que ensinam e incentivam técnicas eficazes de gestão do tempo, limitem a comunicação fora do horário comercial e incentivem os funcionários a se desconectarem fora do horário de trabalho, respeitando assim o tempo pessoal.
Promover uma cultura de apoio: Uma cultura organizacional que dá prioridade ao bem-estar e reconhece os sinais de esgotamento pode tomar medidas proativas para ajustar as cargas de trabalho e as responsabilidades em conformidade. Como resultado, podemos ajudar coletivamente a criar e manter um ambiente mais saudável e equilibrado, propício ao bem-estar individual e organizacional.
De que maneira podemos usar a tecnologia com segurança nas cooperativas?
Acredito que na intersecção entre gestão de projetos e valores centrados no ser humano, a integração segura da tecnologia exige uma abordagem sofisticada e equilibrada. Esta estratégia combina uma gestão robusta de riscos com uma adaptação ágil, garantindo que a tecnologia identifique e mitigue riscos, especialmente em segurança cibernética e privacidade de dados, ao mesmo tempo que permanece flexível à dinâmica do projeto.
Central para isso é o uso ético da tecnologia. Envolve considerar profundamente a privacidade, o consentimento e os impactos socioeconómicos, promovendo um entendimento partilhado entre as partes interessadas. Igualmente crucial é a inclusão e a acessibilidade na implantação de tecnologia. Não se trata apenas de acessibilidade física; trata-se de abraçar diversos contextos culturais e sociais, garantindo que a tecnologia seja uma ferramenta de capacitação e não de exclusão.
Acima de tudo, esta abordagem defende um equilíbrio harmonioso entre a eficiência tecnológica e a visão humana. Embora a tecnologia possa agilizar processos, o valor insubstituível do julgamento humano em cenários complexos e cheios de nuances é fundamental. O objetivo não é apenas utilizar a tecnologia, mas criar uma estrutura responsável, adaptável e inclusiva que respeite o seu poder e as suas limitações, com o julgamento humano e as considerações éticas no seu cerne.
A tecnologia nos faz trabalhar mais nas cooperativas?
A verdade é que o impacto da tecnologia na intensidade do nosso trabalho é uma faca de dois gumes. Por um lado, foi concebido para simplificar tarefas e melhorar a eficiência. Por outro lado, muitas vezes confunde os limites entre o trabalho e o tempo pessoal, levando a uma cultura de “sempre disponível”. Este paradoxo destaca a necessidade de uma gestão tecnológica eficaz no local de trabalho. A adoção de ferramentas como IA generativa (GenAI) pode ser transformadora. Project Management Institute (PMI) favorece o uso do GenAI para um gerenciamento de projetos mais inteligente, onde a tecnologia automatiza tarefas rotineiras e aprimora as capacidades humanas. O foco deve estar na utilização estratégica de tais ferramentas para alcançar o equilíbrio – aumentando assim a produtividade sem sobrecarregar a equipe. O uso eficaz da tecnologia deve levar a práticas de trabalho mais inteligentes e não apenas a um trabalho mais árduo.
Como evitar o burnout digital nas cooperativas?
Reconhecer e diminuir os riscos do esgotamento digital é crucial, e implementar práticas de liderança eficazes é vital. Não se trata apenas de limitar o tempo de tela, mas de repensar fundamentalmente como integramos a tecnologia em nossos fluxos de trabalho. Isto inclui a promoção de uma cultura no local de trabalho que valorize o trabalho focado em detrimento da disponibilidade constante, incentivando horários “livres de tecnologia” onde os funcionários possam trabalhar sem interrupções digitais. Envolve também reavaliar a nossa confiança na comunicação digital e promover interações pessoais ou chamadas telefónicas que são muitas vezes mais eficientes e menos desgastantes.
Como executivos, devemos também liderar pelo exemplo, demonstrando um equilíbrio saudável entre a utilização da tecnologia e a desconexão. Ao fazer isso, todos podemos ser atores ativos na redução do esgotamento digital e na criação de uma equipe mais engajada e resiliente.
De que maneira os líderes das cooperativas podem ajudar no uso da tecnologia de maneira saudável?
O verdadeiro marco da transformação envolve incorporar uma filosofia centrada no ser humano em nosso trabalho. Os líderes devem demonstrar e comunicar ativamente uma mentalidade que prioriza as pessoas, garantindo que a tecnologia seja um facilitador e não um impulsionador da cultura de trabalho.
Uma equipe sobrecarregada pode custar caro para as cooperativas, limitando a produtividade e afetando diretamente os resultados. Priorizar um espaço organizacional justo e saudável é essencial para garantir o bem-estar dos trabalhadores. É fundamental promover a construção de resiliência nas equipes contemporâneas. Isto inclui estabelecer limites para a utilização da tecnologia, encorajar períodos regulares de desintoxicação digital e promover a tecnologia como uma ferramenta para a eficiência e não como um meio para a conectividade constante. Os líderes também devem estar atentos às ferramentas digitais escolhidas para o local de trabalho, optando por aquelas que melhoram a colaboração e a produtividade sem acrescentar complexidade ou stress desnecessários.
Da mesma forma, prevenir o excesso de trabalho entre os colaboradores requer uma abordagem estratégica e empática por parte dos líderes. Uma estratégia eficaz é o princípio de “desacelerar para acelerar”. Isto envolve reavaliar e reestruturar o trabalho para melhor alinhar com os pontos fortes e capacidades da equipe.
Além disso, os líderes devem promover uma cultura de colaboração e resolução compartilhada de problemas. Quando os membros da equipe se sentem apoiados e sabem que estão trabalhando juntos em prol de objetivos comuns, isso fortalece a unidade e a resiliência da equipe. Esta abordagem coletiva do trabalho ajuda a distribuir as tarefas de forma mais uniforme, evitando que os indivíduos fiquem sobrecarregados e melhorando uma força de trabalho mais satisfeita e saudável.
Por Priscila de Paula – Redação MundoCoop