O ano de 2022 foi bastante promissor para as cooperativas do setor agropecuário. Segundo o AnuárioCoop, que traz dados do Cooperativismo Brasileiro 2022, lançado pela OCB, Organização das Cooperativas Brasileiras, o maior número de cooperativas está concentrado no ramo agropecuário: são 1170. O setor também é o que agrega mais empregados, quase 240 mil, o que representa mais de 1 milhão de agricultores cooperados. E não para por aí: segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, IBGE, 54% da produção agrícola brasileira provém de cooperativas.
Os números comprovam que o setor cresce de forma exponencial, principalmente por ser o que mais investe na tecnologia e industrialização. As cooperativas do Paraná, por exemplo, no ano passado investiram R$ 6,2 bilhões no total. Alfredo Lang, presidente da cooperativa C.Vale, por exemplo, revela um aporte de R$ 1 bilhão na construção de uma esmagadora de soja, que será inaugurada em novembro próximo. “Também construímos uma Unidade Produtora de Leitões Desmamados para cinco mil matrizes e 160 mil leitões/ano. Ainda em 2022, investimos em um novo frigorífico para frangos e em um incubatório, em parceria com a Pluma Agroavícola”, detalha o presidente.
Para Lang, as cooperativas perceberam que não dava para ficar apenas na compra e venda de grãos e insumos, porque as margens são estreitas e os resultados ficam muito dependentes do clima. “Ou seja, você não tem segurança para investir. Como vai tomar recursos emprestados sem garantia de receita para pagá-los? Unimos vocação para a diversificação com as condições favoráveis de clima e solo, através de produtores dispostos a diversificar e abundância de matéria-prima, soja e milho, para fabricar ração, e, em consequência, carnes e leite”, explica.
Seung Hyun Lee, diretor-executivo da Castrolanda Cooperativa Industrial, concorda. Para ele, o produtor rural vive uma situação vulnerável no mercado: exposto às oscilações de preço de commodities e de insumos em uma atividade com margens de lucro baixas. Por isso, ele diz que o processo de industrialização na Castrolanda surgiu para agregar valor ao cooperado, mas principalmente para dar mais segurança ao produtor. “Uma das decisões mais acertadas da Castrolanda foi verticalizar a cadeia produtiva. Sabemos que, na cadeia agrícola, o produtor é o elo com o menor retorno sobre o capital investido, outros elos têm retornos melhores, caso da indústria e de insumos. Além disso, quanto mais próximo do mercado consumidor, maior valor agregado e menor a oscilação de preço, o que ajuda a garantir previsibilidade e estabilidade aos negócios. Isso permite um melhor planejamento por parte dos nossos cooperados, que crescem de forma contínua e segura. Um exemplo é nossa indústria de leite, que permite que nossos cooperados cresçam continuamente de 8 a 10% ao ano. O produtor deixa de ser meramente um agricultor ou pecuarista e passa a ser um grande investidor do modelo agroindustrial”, observa.
Para transformar essa realidade, a C.Vale apostou em avanços tecnológicos de forma pioneira, sendo a primeira empresa brasileira a adotar a climatização de aviários para criação comercial de frangos. Tal advento tecnológico gerou melhores indicadores de desempenho com conversão alimentar, reduzindo a mortalidade, e, por consequência, ganhando em rentabilidade. O resultado: o Paraná se tornou um dos maiores produtores de proteína animal do país, produzindo 4,87 milhões de toneladas de carne de frango, porco e boi nos três primeiros trimestres de 2022. “Além disso, as cooperativas souberam tirar vantagem do fato de serem originadoras de matéria-prima, soja e milho. O que houve foi o despertar das lideranças para a necessidade de dois saltos fundamentais: a qualidade da gestão e a necessidade da industrialização. Houve uma mudança de filosofia de gestão. Deixamos de lado o paternalismo e fomos nos profissionalizando. Cooperativa tem que ser competitiva e dar lucro para sobreviver. Cada produtor e atividade da cooperativa tem que pagar a sua conta para que não sobre para terceiros. Quem não seguiu essa linha, quebrou ou foi engolido por organizações maiores e mais eficientes”, relembra Lang.
Para Seung Lee, da Castrolanda, a agroindústria é um setor onde a escala é fundamental para ser viável. Ele afirma que uma cooperativa, por maior que seja, nem sempre tem o tamanho para construir uma indústria financeiramente factível. “Entendo o modelo de intercooperação como uma grande sacada. No nosso caso, temos a Unium – marca que integra a Frísia, Castrolanda e Capal na indústria de leite, farinha e carnes – e a Maltaria Campos Gerais – ao lado da Frísia, Capal, Agrária, Bom Jesus e Coopagricola. Trabalhar o modelo de intercooperação coloca as cooperativas em um patamar de competitividade muito semelhante ao de grandes corporações. Trabalhar em conjunto, além de fortalecer individualmente a marca das cooperativas que integram o movimento, gera escala e mais segurança ao negócio”, observa ele, acrescentando que as grandes cooperativas já entenderam que o modelo de intercooperação é um case importante para o
fortalecimento do cooperativismo. “Não cabe mais a competitividade entre corporações que tem, em sua essência, a união de forças para o fortalecimento de um setor. Principalmente no âmbito regional, a soma de esforços tem se tornado um modelo bastante efetivo de trabalho – ainda mais no ramo industrial do agronegócio.”
Desafios do setor para se tornar cada vez mais industrializado
Segundo a Aliança Cooperativa Internacional, mais de 10% das 300 maiores cooperativas do mundo, hoje, são do ramo agropecuário. Em 2019, antes da pandemia, a aplicação dos recursos pelas cooperativas agropecuárias somou R$ 23,76 bilhões, mostram dados do Banco Central do Brasil e do Sistema de Operações do Crédito Rural e do Proagro (SICOR). Deste total, R$ 10,19 bilhões – 43% – foram aplicados em operações de industrialização.
Portanto, mesmo que os números sejam expressivos, os desafios ainda são muitos. Vitor Hugo, cofundador da Ager Solution, diz que investir em industrialização é um dos passos para que este crescimento nos negócios se tornem possíveis. “Mesmo que o setor esteja passando por um processo de industrialização, existe uma grande desigualdade e exclusão tecnológica em relação ao produtor rural. A industrialização é um processo e deve começar com a etapa mais básica de inclusão até evoluir para algo a nível industrial e isso, sem dúvidas, leva tempo”, explica. Ele acrescenta que, no entanto, o governo do presidente Lula pode facilitar a agroindústria, desenvolvendo o potencial agrícola sem desmatar qualquer área nova, apenas aproveitando áreas de pastagem, já desmatadas ou degradadas.
Seung Lee, diretor-executivo da Castrolanda Cooperativa Industrial, concorda que o Brasil ainda tem muito a evoluir. “O país ainda é um grande exportador de commodities, graças às riquezas das nossas terras. Entretanto, olhando para o futuro, acredito que o modelo ESG é o grande ponto de virada de chave na indústria. A questão da rastreabilidade de origem e exigências ao longo de toda a cadeia favorecem um trabalho integrado em todo o processo produtivo. A lógica no passado era construir especialistas em determinados elos da cadeia com grande nível de escala, mas isso criou grandes desafios de controle, que dificultam as práticas ESG. Com uma cadeia integrada, podemos ter controle sobre todos os elos”, opina ele, que acredita que, além da questão ESG, haverá um impacto muito grande da tecnologia na busca de eficiência operacional para as indústrias e qualidade na agroindústria.
Alfredo Lang destaca que há como avançar mais. “Tem muito espaço para melhorar o desempenho das lavouras com o uso de tecnologias, como a agricultura de precisão e melhoria do solo. A industrialização do setor avança muito rapidamente, não poderia ser diferente. Assim, ganhamos competitividade frente a outros países. Na C.Vale, por exemplo, lançamos, há alguns anos, a meta de 100 sacas de soja/hectare. Nossos produtores de sementes de soja em Santa Catarina já estão alcançando este número na safra 2022/23. Temos que fazer a maioria dos produtores chegar a este nível”, comenta.
No entanto, Lang afirma que os percalços existem. “Falta gente para trabalhar: temos funcionários de 25 a 30 municípios ao redor dos nossos frigoríficos, que vêm de 120 quilômetros de distância, todos os dias. Não encontramos gente suficiente e vamos ter que construir casas para fixar essas pessoas em áreas mais próximas dos frigoríficos.”
O que está por vir
Taxa de juros a 13,75% ao ano, aumento do custo dos produtos, das máquinas e implementos. Com o índice representando mais que o dobro da inflação, os financiamentos ficam mais caros. “O produtor fica receoso de investir com uma taxa tão alta, seja para comprar uma máquina, construir um aviário, um barracão para criar suínos ou um açude para criar tilápias. E não é só a questão da taxa de juros, é a disponibilidade de recursos. O volume está muito aquém do necessário.
Temos que investir mais em irrigação para não perder tantas lavouras como nesses últimos anos, e precisamos de mais recursos para o seguro dessas lavouras”, alerta Alfredo Lang, presidente da C.Vale.
Pensando em todos esses revezes, Vitor Hugo, cofundador da Ager Solution, diz que a parceria entre CreDA e a sua empresa é uma das novidades para o setor. Através do sensoriamento remoto para rastrear e extrair pontos de dados usando drones (para qualidade do solo e condições meteorológicas, por exemplo), bem como informações financeiras e de propriedade (cadastros de terras), é possível usar a Inteligência Artificial aplicada para avaliar a situação de cada agricultor e adicionar uma avaliação preditiva. Já a tecnologia de identificação digital (DID) baseada na Web3 cria identidades distintas e imutáveis, tanto para a terra quanto para o agricultor, que serão validadas e conectadas por meio de dados cadastrais no banco de dados Sicar (Cadastro Ambiental Rural), o cadastro rural do Brasil. “Isso é feito através da tecnologia blockchain, garantindo integridade, privacidade e acessibilidade dos dados aos próprios agricultores; eles poderão registrar e rastrear o status de suas terras, bem como a classificação de crédito resultante, que é derivada do mesmo”, explica.
Ou seja, a partir do momento em que os próprios agricultores controlarão todos os dados, terão visibilidade clara de como suas práticas agrícolas estão afetando o custo de seu crédito. “É um afastamento radical das classificações de crédito tradicionais, que são invariavelmente baseadas em dados limitados ou incompletos e sobre os quais, na realidade, os agricultores têm pouca influência. Agora, eles terão acesso direto aos seus dados, não apenas para consulta, mas para acompanhar se e como suas avaliações de crédito evoluem ao longo do tempo – uma prática simplesmente impossível com os sistemas tradicionais e centralizados”, completa o especialista.
Outro ponto que a tecnologia oferece através desse modelo de crédito é a sustentabilidade. Segundo Victor, a variedade de dispositivos de captura de dados empregadas – de sensores de solo a drones – permite rastrear as práticas agrícolas realmente empregadas em um determinado campo e seu impacto ambiental resultante.
De acordo com Lang, mesmo com as dificuldades a industrialização dos produtos do agronegócio vai aumentar pelo fato de deixar margens maiores. “Você vê investimentos em plantas industriais para processar grãos para biodiesel. Isso vai avançar muito ainda. Na própria C.Vale, temos planos para isso. Nossa esmagadora de soja primeiro vai produzir farelo para usarmos nas rações e depois vamos nos dedicar a outros alimentos, como maionese e margarina. Logo, é preciso ter planejamento, eficiência, qualidade do produto e visão de futuro. Se você conseguir juntar esses pontos, é meio caminho andado para conseguir seu espaço no mercado”, afirma ele, que faz questão de destacar que o grande diferencial do cooperativismo está no espírito de união. “Enxergamos outras cooperativas como
potenciais parceiras, não como competidoras. Na industrialização, podemos intensificar nossos esforços e ganhar mais. Acho que isso é uma contribuição que as cooperativas agrícolas podem dar para outros setores, inclusive os da iniciativa privada.”
Por Leticia Rio Branco – Matéria exclusiva publicada na Revista MundoCoop edição 111