Quais mudanças movem o mundo? E mais, quais fatores são responsáveis por essas mudanças? Inovação, criatividade, tecnologia e outras infinitas possibilidades de resposta podem ser facilmente elaboradas. Mas todas elas apontam – sempre – para um denominador em comum. As pessoas.
Foi seguindo esse fluxo de ideias que a MundoCoop teve o prazer de conversar com Marcos Piangers, palestrante do TEDx, a maior conferência de ideias do mundo, autor do best-seller “O Papai é Pop”, referência no que diz respeito a paternidade e em “inspirar o melhor cuidador que existe dentro da gente”, como ele mesmo declara em suas redes sociais.
Adentrando culturas e organizações, o pai de Anita e Aurora não é conhecido como “Guru” à toa. Em sua longa trajetória, já conquistou milhares de pessoas no Brasil – e fora dele também – compartilhando suas experiências cotidianas de forma única, transformando o comum no extraordinário.
Comunicador nato e atualizado, Piangers dividiu um pouco da sua visão a respeito de grandes incógnitas da atualidade. Sem filtros, ele adentra temas que vão de infância ao futuro dos negócios. Passando, claro, pelo cooperativismo, movimento pelo qual tem muita admiração e positivas provocações!
Confira!
Em seu livro “Papai é Pop”, você traz muito da relação entre pais e filhos. A partir dessa visão, qual grande lição podemos aprender com as crianças que pode fazer diferença na vida adulta?
Em primeiro lugar, a questão de se entender como humano. É como se todos nós chegássemos ao mundo de forma muito sensível, aberta, curiosa e positiva. Mas com o passar dos anos vamos perdendo isso. Para se enquadrar numa sociedade que é mais dura, mais agressiva e mais competitiva, que valoriza demais o consumo e os bens materiais, uma sociedade deslumbrada por tecnologia, nós vamos embrutecendo, se robotizando e vivendo a vida sem que a vida tenha intensidade.
Tem uma frase que eu acho ótima que é: “Não importa a quantidade de dias na sua vida, importa a quantidade de vida nos seus dias”. E muitas vezes a gente passa por essa vida como se fosse um passeio para lugar nenhum. A criança vem nos lembrar do que a gente foi de melhor.
José Saramago dizia: “o que sobrou dentro de mim, do meu melhor, a criança que eu fui um dia”. Nós chegamos nesse mundo muito sensíveis, criativos, felizes e gratos, só que bastante ignorantes e com o tempo vamos aprendendo as coisas. Se pudermos juntar essa nossa alegria com aquilo que já sabemos, com aquilo o que temos de informação racional, acho que podemos viver uma vida mais feliz.
Muito falamos sobre “os novos tempos” e as mudanças que impactam diariamente todas as esferas da vida. Como você enxerga a inovação na atualidade?
A inovação virou um mantra nos últimos 20 e 30 anos, depois que percebemos que as empresas mais valiosas do mundo eram empresas de tecnologia.
Se pegarmos as empresas mais valiosas na virada do século, no ano 2000, vão ter bancos e petrolíferas, algumas empresas holding, como a empresa do Warren Buffett, e algumas empresas de consumo direto, como a Johnson Johnson. Já em 2010 e 2020, duas décadas depois, as empresas mais valiosas vão ser empresas de tecnologia, ou quase todas como empresas de tecnologia.
Isso criou um despertar no mundo inteiro para a percepção de que uma empresa para ser inovadora, precisa estar ligada a tecnologia e precisa usar a tecnologia para criar essa espécie de segundo layer. Se temos um layer, que é a vida real, temos esse segundo layer, que é o digital e pode oferecer riqueza infinita, porque no mundo digital os elementos são multiplicáveis infinitamente.
Muitas empresas começaram a relacionar a inovação com tecnologia, mas se você não quiser ser uma empresa que vale três trilhões de dólares na bolsa de valores, como a Apple, por exemplo, e quiser simplesmente ser uma pequena empresa inspiradora e inovadora ou uma grande empresa inspiradora e inovadora, você pode obviamente utilizar ferramentas tecnológicas, mas, principalmente, utilizar ferramentas humanas para gerar inovação. A inovação hoje acontece em pequenas empresas.
Tem um livro ótimo chamado “Small Giants” e outro livro ótimo chamado “Reinventando as Organizações”, do Frederick Laloux, assim como grandes livros reportando, falando e escrevendo sobre empresas que conseguem inovar de uma forma muito humana, muito conectada com o que a gente tem de melhor. Não apenas digital, não robótica, não repetitivo, não replicável infinitamente, mas profundamente inovador do ponto de vista de felicidade dos colaboradores e satisfação dos clientes, de autonomia para os colaboradores, de propósito naquilo que os colaboradores fazem, de aprendizado constante e de reconhecimento.
Uma série de inovações humanas se apresentam também como ferramentas para que tenhamos empresas que não são só empresas que crescem e crescem infinitamente, mas empresas que respeitam a biologia humana, respeitam o que os antigos filósofos chamavam de “a boa vida” e respeitam a capacidade desses colaboradores e clientes terem uma relação com essa marca, que é uma relação inspiradora e inovadora ao mesmo tempo.
Hoje, vivemos em uma dinâmica onde a vida pessoal e profissional se vê muito integrada. Como isso está transformando nossa noção a respeito da conexão entre as pessoas?
A tecnologia oferece para nossa geração duas possibilidades. Uma é a possibilidade de se conectar com uma tecnologia apenas para consumo. Isso explica um pouco porque as empresas mais valiosas do mundo hoje são empresas que conseguiram, através de algoritmos, grudar as pessoas em telas e fazer com que elas consumam mais e consumam através dessas plataformas. Estamos falando de redes sociais, de motores de busca e de lojas virtuais.
Mas a tecnologia também tem um poder que é maravilhoso, que é o poder da conexão. A tecnologia separa as pessoas que estão próximas e ela aproxima as pessoas que estão distantes. Então, sim, acho que a tecnologia pode ser usada para cooperação. E a gente viu isso acontecendo! Durante a pandemia, apesar das dificuldades, as pessoas conseguiram conduzir os seus negócios e conduzir a educação de centenas de milhões de crianças espalhadas pelo mundo.
Nós temos sim a chance de usar a tecnologia para a cooperação!
A cooperação é um dos grandes valores da humanidade. Eu brinco com as minhas filhas que elas só precisam de cinco Cs, começando pelo primeiro, que é autoconhecimento. Você se conhecer, saber suas forças, seus defeitos, seus gatilhos, suas virtudes, seus traumas e a cultura onde você está inserido.
O segundo C seria a comunicação, o conseguir comunicar isso ao mundo, comunicar isso às pessoas que estão ao seu redor, ouvir as outras pessoas também. Não apenas falar, porque a comunicação é ouvir e falar, e de forma empática, prestando atenção no que no que os outros querem.
São Cs de aprendizado que eu considero muito importante autoConhecimento, Comunicação, Criatividade, Colaboração e Consciência coletiva. E percebam que eu coloco ali a colaboração, que eu acho que é um valor essencial para o futuro e para o presente.
Eu brinco com as minhas filhas que sozinhas elas são a Mulher Maravilha, mas que quando elas se juntam com outras pessoas, elas são como a Liga da Justiça. Elas são mais fortes quando estão juntas a outras pessoas.
Um dos grandes objetivos do cooperativismo é incentivar a nova geração a conhecer e fazer parte do movimento. Para você, essa capacidade de reinvenção de crianças e jovens é o futuro dos negócios?
Eu amo o cooperativismo e amo as instituições cooperativas. Eu amo o potencial do cooperativismo, mas acho que, infelizmente, a comunicação do cooperativismo não toca os jovens, não toca as crianças. Talvez mais as crianças, mas os jovens, que querem questionar a realidade, querem um pouquinho mais de “picância” na comunicação, um pouco mais de ousadia nas marcas e empresas e serviços, muitas vezes eles optam por uma instituição que não é cooperativa. E isso me dói o coração, porque eu acredito que as empresas cooperativas têm toda a condição de representar aquilo que a gente quer para o futuro e aquilo que as novas gerações querem para o futuro. Que é um futuro mais sustentável, que respeita as regiões, que redistribui as sobras, as riquezas, que ajuda a comunidade e tem propósito, ou seja, um futuro que realmente é descentralizado e que entrega valor para as pessoas.
Para mim, claro, a criança e o jovem são o futuro dos negócios, mas também precisamos de uma comunicação contundente para esse público específico, que é de jovens entrando no mercado de trabalho e no setor produtivo.
“SE CONSEGUÍSSEMOS COMUNICAR PARA ESSES JOVENS O QUÃO REVOLUCIONÁRIO, INOVADOR, CHEIO DE SIGNIFICADO E PROPÓSITO É O COOPERATIVISMO, TERÍAMOS CONTATO COM ESSA DEMOGRAFIA”
Ainda, mudar o seu olhar a respeito da paternidade, e muitas outras questões por consequência, te despertou uma nova visão sobre o futuro?
A paternidade me deixou muito mais otimista. Acho que isso acontece com todo mundo que tem filhos. Antes de ter filhos, eu era bastante pessimista e achava que a humanidade não tinha jeito. E aí você encontra novamente com a sua própria criança, a criança que você foi um dia.
E uma pessoa começa a ver novamente o mundo com esperança, com a esperança de que essas novas gerações mais conscientes, mais informadas, mais conectadas, mais comprometidas com o meio ambiente, mais honestas e certamente mais humanas, possam mudar as coisas no futuro.
Por fim, o que você diria sobre as oportunidades que a mudança nos traz. Como começar uma transformação pessoal? E como isso impacta o coletivo?
Nós tivemos muitas ferramentas nos últimos milênios. Temos a religião e as práticas filosóficas. Temos também muitas capacidades e formas de se conectar com o nosso melhor. E isso se amontoou no conhecimento humano e podemos fazer isso disso!
Podemos procurar os ensinamentos de Jesus Cristo, passar pelos ensinamentos dos filósofos estoicos e entender o Buda disse, podemos olhar para dentro da gente e usar talvez a ciência da terapia, da psiquiatria, da neurociência, entender como funciona a felicidade através de ferramentas mais modernas. E nesse processo a gente vai estar tentando buscar a nossa melhor versão, aquilo que certamente viemos fazer nesse mundo, se aprimorar e ajudar as outras pessoas.
Então, como começar essa transformação pessoal?
Olhando pra dentro e olhando para as ferramentas que temos ao nosso dispor para se conectar com o nosso melhor e com o melhor que existe no mundo, com a generosidade, a bondade, o serviço, a dedicação ao outro e a empatia. E isso é maravilhoso quando acontece dentro da nossa família. Quando nos conectamos com os nossos próprios filhos ou netos e “redespertarmos” para esse novo mundo. Esse é um princípio da transformação, sem dúvida!
Por Fernanda Ricardi – Entrevista exclusiva publicada na Revista MundoCoop Edição 113