Há tempos o futuro se tornou o maior enigma para a humanidade. A evolução chegou e com ela a criação de ferramentas que prometem prever o que viveremos nos próximos meses, décadas e até séculos. Hoje, essa questão continua sendo o centro das atenções, mas com diferentes vieses e possiblidades a serem seguidas.
Diferentemente do que um dia foi pensado, o futuro é um movimento que já começou e nos leva a uma nova pergunta: “como você está se preparando?”. Para buscar algumas dessas inúmeras respostas, a MundoCoop conversou com a líder espiritual do zen budismo, Monja Coen!
Autora de muitos livros, responsável por encher auditórios de palestras e conquistar e inspirar milhões de seguidores nas redes sociais, Monja Coen nos deu uma aula sobre como mudar o olhar em prol de um amanhã melhor, se reinventar em momentos conflituosos e garantir a efetividade das transformações.
Confira!
Estamos vivendo um tempo onde nada mais é permanente. Quais são as grandes virtudes que podem nos ajudar a viver nessa atualidade?
Tudo está fluindo, está se transformando! Nós tínhamos a falsa ideia de uma estabilidade. “Estou nessa empresa e vou ficar nela até morrer”, nem sempre é assim! Nós temos acidentes de trabalho, acidentes emocionais e tantas coisas podem acontecer no período da nossa existência. Como é que nós vivemos com essa instabilidade? Estando preparados para esses movimentos que acontecem porque nem sempre as coisas são como nós gostaríamos que fosse, mas elas são como são. E quando você desenvolve essa capacidade de percepção que o que está acontecendo com você não é só com você, está acontecendo com outros milhões de pessoas no mundo todo, você muda esse enfoque.
Estamos em um momento de transição, como sempre estivemos. E continua até o fim dos dias. Podemos apreciar a vida em cada instante, podemos desenvolver a capacidade de fazer o nosso melhor em cada momento e não só pensando em você como um ser humano separado do resto, mas percebendo que interdependemos uns dos outros. De nós, seres humanos, e de tudo que existe no planeta, todas as formas de vida.
E quando nós percebemos isso, que tudo junto conosco está em movimento e transformação, podemos tomar decisões que facilitam o bem coletivo. Não é o bem individual, porque o meu bem individual depende do bem de todos os outros seres.
A ideia da separatividade é uma delusão da mente. Veja, ilusão pode ser ilusão de ótica. O que o mágico faz? Tira um coelhinho da cartola e sabemos que ele fez de um jeito que nós não percebemos. A delusão é acreditar que do nada surgiu um coelhinho. Esse passe de mágica é, na verdade, a lei de causa e efeito, a lei de que tudo está interligado. O que é causa de uma coisa é efeito de outra e é a condição de uma terceira. E assim é uma trama a existência de colaboração, de cooperação, de interdependência!
Um outro tema que tem a ver com a cooperação e com o momento atual é o propósito. Afinal, o que é o propósito? O que é ter o propósito e qual a importância disso?
Qual seria o propósito da vida se não vive-la com plenitude? Se não estar presente no que você está fazendo com excelência? Não ficar achando que o que antes era melhor ou que o depois será melhor, mas voltar para esse agora porque na vida, em várias épocas da nossa vida, temos propósitos diferentes. Eu posso querer morar no campo, trabalhar com plantação ou posso resolver abrir uma empresa. E tudo isto vai depender de momentos da nossa vida e do momento do social e do coletivo. Não é só meu! É a partir do que está acontecendo no mundo e do que é adequado que eu use a minha inteligência.
Nós temos que ter objetivos próximos a médio prazo e a longo prazo, senão não saímos do lugar. Mas esses propósitos, essas metas devem ser criadas de acordo com o momento em que estamos vivendo, com as condições sociais que estamos vivendo.
Ontem, estava assistindo uma senhora indiana muito brava falando de quando as pessoas começaram a desenvolver a ideia de um comércio internacional e, inclusive, produção agrícola, ela disse: “tudo isso foi tão mal elaborado que as grandes empresas das grandes nações, pensando nos seus lucros pessoais, até falaram de economia verde, mas economia verde era para o bolsinho deles e não para o bem coletivo de pensar “qual é a semente adequada para a Índia? O que nós estamos fazendo com o Brasil? Será que nós vamos transformar todos os óleos em óleo de soja?”.
Existem questões que várias pessoas estão colocando e que nunca havíamos pensado antes. Nós pensamos “ah, que bonita a economia verde, vamos todos juntos pensar no bem coletivo”, só que as pessoas que escreveram esses “contratos” eram pessoas com interesses muito pessoais para suas próprias empresas.
Será que nós vamos conseguir ter este propósito e esta meta de que juntos podemos pensar no bem coletivo e no que é bom para cada nação, para cada clima, para cada época e não querer fazer tudo igual para todos? Temos que chegar lá.
Monja, a senhora acha que o coletivo é importante para o crescimento individual? Por que temos que buscar o crescimento individual para favorecer o coletivo?
Nós somos seres sociáveis, sociais. Nós, humanos, vivemos em grupos. Desde o princípio, nós nos juntávamos nas cavernas, íamos caçar juntos, dividíamos aquilo que pegávamos e só pegávamos o suficiente para nossa subsistência e que era suficiente para a nossa tribo, o nosso grupo, a nossa família e aqueles mais próximos. Depois, fomos desenvolvendo sistemas mais elaborados, mais complexos de relacionamentos, de plantação, de colheita, de distribuição dos bens, e sempre tiveram alguns que ficaram mais egoístas, pensando só no que é bom para si. “Eu não posso perder isto, eu preciso ter mais, o meu tem que ser maior do que o do meu vizinho”. Nisso, começam as trocas e os preços que vão crescendo e deixamos de pensar uns nos outros.
Como é que isso aconteceu? Foi um processo da nossa própria natureza de subsistência e de sobrevivência. Mas ela ficou exacerbada. Nós esquecemos que se todos não estiverem bem, o meu eu individual não fica bem. Não adianta eu ter uma mesa muito farta se na rua tem tantas pessoas com fome.
O Mahatma Gandhi dizia que se eu pegar alguma coisa a mais para mim, eu estou roubando de alguém. Porque, na verdade, haveria um equilíbrio dentro daquilo que é produzido e aquilo que é consumido se fosse equitativamente distribuído. Agora, nós ficamos presos, às vezes, às nossas incapacidades de perceber o todo e percebemos pequenininho.
Buda dizia “Aquele que conhece o contentamento é feliz mesmo dormindo ao chão. É aquele que não conhece o contentamento, é infeliz mesmo num palácio celestial”. Por quê? Porque criamos em nós essa insaciabilidade. É o primeiro ensinamento de Buda, a insatisfação existe e há causas para elas. Nascimento, velhice, doença, morte, mas existe um estado de plenitude que é uma paz de sabedoria. Para isto, tem um caminho de prática de oito aspectos e nesse caminho de oito aspectos tem essa capacidade de estar satisfeito, o que às vezes não encontramos. É preciso olhar em profundidade para cada um de nós. O que é que está me faltando? Será que realmente é dinheiro, alimento, carro ou posição social? Ou seria afeto, encontros, relações humanas? Precisamos observar em profundidade e verificar qual é realmente a nossa insatisfação no mundo. E procurar satisfazê-la, não de qualquer jeito, mas com aquilo que é verdadeiro e profundo.
“Há uma palavra bonita que eu gosto que é “interser”. Em vez de ser “eu sou, tu és, ele é”, é nós “intersomos”. Só existimos nessa relação com o todo, com tudo e com todos.”
Talvez seja esse encontro de você com você, de conhecer-se em profundidade, de reconhecer seus sentimentos e emoções e saber sua necessidade verdadeira, a sua e de tudo e todos que estão à sua volta porque somos inseparáveis.
Com muitos acontecimentos e mudanças acontecendo, como podemos manter o otimismo e contribuir com um 2023 melhor?
Não sei se é bem o otimismo a palavra que eu usaria. Eu gosto mais de realismo, de percebermos realmente o que está acontecendo e o que podemos fazer para ser melhor!
Paulo Freire usava a palavra esperança como um verbo esperançar. O que nós fazemos para que seja melhor? Primeiro, eu acho um absurdo ficarmos nessas brigas no âmbito político. As pessoas vão ficando contagiadas por uma maneira de só procurar faltas e erros nos outros, quando todos têm qualidades. Mesmo aquela pessoa que parece não tem qualidade nenhuma, tem algumas sim, e teríamos que investigar que qualidade é essa. Por que tantas pessoas se identificam com este ou com aquele personagem? O que existe em nós que nos faz se identificar com este ou aquele?
Não é que sejamos contra a polaridade. Se pensarmos, negativo e positivo dão energia, então, a polaridade não é uma coisa má, mas como lidamos com ela? Como é que saímos da briga de querer matar, exterminar e cancelar? Como é que entramos nesse processo de compreender o que está acontecendo e o que que cada um, no individual e no coletivo, pode fazer para que seja melhor para o maior número de seres, não para um grupinho pequeno!
Não podemos pensar em um estado separado, em um país separado. Precisamos pensar no nosso planeta. Você cuida de coisas pequenas, como não jogar um papelzinho na rua, como não usar água para limpar calçada? Você cuida de coisas pequenas porque o que você cuida está influenciando o todo.
Que 2023 seja um ano de muita luz para todos nós! O número três é tão bom. Ele é usado em várias tradições espirituais como aquilo que corta, que transforma, que pode levar para alguma coisa melhor. Que assim seja! Que a gente possa ter um ano mais alegre, um ano menos terrível, como foram esses dois últimos anos e meio. Não só pela pandemia, mas mais várias decisões que nem todos concordaram. Vários posicionamentos que nos causam muita estranheza, mas muitos também concordaram. Então, temos que ver que dentro de nós habita o bem e o mal, a luz e a sombra e quanto mais brilhante for a luz, a sombra mais profunda será. E como convivemos com isto?
“É importante se esperançar o que estaremos fazendo para que o ano de 2023 seja de mais colaboração, de mais cooperação, de mais compreensão, respeito à diversidade e o encontro entre todos nós num projeto comum”
Monja, a senhora acredita que a cooperação, ao invés da competição, é o futuro que nos espera?
Sim, eu acho que quando passamos a dar as mãos e fazer coisas juntas, nós podemos fazer muito mais, não ficar competindo uns com os outros. E isso acontece desde coisas pequenas porque fomos criados e educados em uma sociedade de competição, começando com as notas nas salas de aula. Quem senta na frente? Quem senta atrás? Quem é que a professora gosta? Quem não gosta? Como é que juntos nós ajudamos uns aos outros? Todo sistema educacional agora tem que ser revisto porque a competição começa ali. Será que eu ajudo o meu amiguinho? É começar a ensinar desde os pequenininhos a partilhar os seus brinquedos, a partilhar os ensinamentos, as experiências de vida. O outro me provoca a ser melhor. E hoje, nós sabemos, né? Ou ganhamos juntos ou perdemos juntos. Nós temos que nos treinar, nos educar, nos formar para colaborar, porque fomos nascidos e criados em um sistema competitivo, aprendemos a competir e queremos competir porque nos ensinaram de pequenininhos. Por isso, é importante que a educação básica seja essa educação cooperativa!
Por Fernanda Ricardi– Matéria publicada na edição 108 da Revista MundoCoop