Mais supervisão, mais centralização de serviços e mais responsabilidades. Um novo ciclo de intensificação desses fatores se abre a partir da Lei Complementar n° 196/2022.
O novo momento é mais sensível para as centrais, que começam a assistir a uma crescente centralização de serviços nas confederações e a receberam maior pressão para concentrações no cooperativismo no segundo nível.
Nesse contexto, é diferencial para a sustentabilidade das centrais saberem identificar e tratar de forma segura e equilibrada os diferentes tipos de relações jurídicas que estabelecem com suas singulares.
São 4 as categorias de relações jurídicas que coexistem nas interações entre centrais e singulares e que devem ser tuteladas por normas e instrumentos contratuais congruentes:
- relações de supervisão;
- relações de prestação de serviços de suporte;
- relações operacionais finalísticas e
- relações tipicamente societárias (de propriedade e de controle).
Para as centrais de crédito, que estão na linha de frente dessas relações com as singulares, a harmonização dessas relações é ainda mais relevante para prevenir intercorrências, exposições e responsabilidades.
Sobre a Relação de Supervisão
As centrais exercem a atividade de supervisão às suas próprias expensas, sem orçamento público e se sujeitam aos riscos de responsabilidade por orientações eventualmente equivocadas, que possam gerar riscos para singulares e cooperados.
O Estado, assim como as centrais, não estão imunes aos métodos de controle de legalidade de seus atos, mas, diferente das centrais, goza de uma série de direitos e prerrogativas (privilégios) que colocam a Administração Pública em uma posição de superioridade.
Relações de prestação de serviços (suporte e finalísticos)
Há um negócio jurídico formal de contratação de serviços centralizados, muito embora ocorra com regras muito peculiares e ainda que a central seja a fornecedora obrigatória para os serviços remunerados pela cooperativa singular como tomadora (se estabelecem sob o regime do ato cooperativo).
Aplica-se uma série de normas legais gerais, dentre as quais as regras sobre defeitos do negócio jurídico e sobre responsabilidade obrigacional. Estão as centrais devidamente paramentadas com os instrumentos jurídicos adequados para tratar essas relações? Como advogados, podemos asseverar que as incompreensões e fragilidades ainda são muitas1.
No tocante aos serviços financeiros compartilhados, os problemas decorrentes dos serviços que eventualmente possam gerar danos recaem sobre o cooperado. Como está tratada internamente a distribuição e prevenção de responsabilidades?
Relações tipicamente societárias (de propriedade e de controle)
As relações típicas como donos da cooperativa entre confederação-centrais-singulares não escapam as inovações normativas.
Desde a lei geral de cooperativas até a Resolução CMN n° 5.051/2022, as relações tipicamente de propriedade (como a remuneração de quotas de capital) e as relações de controle, disciplinam as relações das cooperativas de 1° grau como coproprietárias das centrais.
Essa estrutura é que faz com que a pirâmide de organização de um sistema seja representada pela clássica figura da pirâmide invertida: no topo, o sócio cooperado; abaixo, a cooperativa singular, seguida pela central e pela confederação.
A regulação não altera nem deve se propor a alterar a estrutura dessa relação se de fato houver o interesse verdadeiro de se manterem como forma de cooperativismo.
Nesse contexto, estruturas capitalistas, como os bancos cooperativos, constituídos para servirem a essa estrutura, não assumem a posição de estabelecedores de normas que devem ser construídas pelo método cooperativista – sujeitam-se a ela, como criaturas que atendem aos seus criadores.
Nem legislação nem a regulação entrega tal poder aos bancos, subvertendo essa estrutura caraterizante do cooperativismo como cooperativismo – nem o deveria fazer.
Reconhecer o papel que as centrais e as singulares têm a desempenhar na preservação da higidez dessa estrutura é um aspecto fundamental no cenário contemporâneo, pois só a sua autonomia societária (delas, como sócias do sistema) poderia autorizar a entrega desse poder e a subversão do modelo de autogestão que caracteriza a condução do empreendimento cooperativo.
O Eixo Comum das 4 Relações
Todas essas relações têm algo em comum como premissa a cooperação verdadeira e ela tem como premissa a confiança.
Até por isso, não se dispensa a normatização adequada e a utilização de instrumentos jurídicos adequados, assim como a adoção de métodos adequados de solução de conflitos. A quebra de confiança, sagrada para o cooperativismo, deve contar com instrumentos de repressão e responsabilização.
Giorgio Santoni – Advogado. Especializado em Gestão de Negócios.
Ronaldo Gaudio – Advogado, Prof., MSc, Presidente da AIDCMESS – Asociación Iberoamericana de Derecho Cooperativo Mutual y de la Economía Social y Solidária
Coluna exclusiva publicada na Revista MundoCoop edição 111