COLUNA COOP É TECH, COOP É POP
Num voo recente de São Paulo para Nova Iorque, já que não estava conseguindo dormir (quem nunca?), comecei a pesquisar opções de documentários para assistir. Sim, eu sou muito mais de documentários do que filmes – pois retratam vidas reais, que acho muito mais interessantes. Bom, no meio dessa busca me chamou a atenção um documentário da HBO Max chamado “Selena Gomez: My Mind and Me” sobre a Selena Gomez, a famosa pop star e a pessoa com mais seguidores no Instagram do mundo, onde ela contava dos anos difíceis que viveu após a separação do Justin Bieber, no auge da sua popularidade. Mesmo que eu achei que pudesse ser um documentário bobo e raso, que teria me feito dormir em 5 minutos, eu estava errado: um documentário incrível que me deixou acordado o tempo todo, e que me passou algumas mensagens importantíssimas.
Uma delas veio do compromisso da Selena Gomez não apenas de falar abertamente sobre saúde mental, mas também de trabalhar em um projeto de lei que torne obrigatório o estudo de “sentimentos” nas escolas.
Sim, de sentimentos.
Muitos podem ver sentimentos e emoções como assuntos tão intangíveis que não podem teriam espaço na educação formal, mas a verdade é que eles têm – ainda mais em um mundo onde a IA vai pedir que com humanos repensemos nossas habilidades, e que foquemos naquelas que são, por enquanto, insubstituíveis, entre as quais a habilidade de reconhecer, entender, saber expressar, e treinar sentimentos e emoções.
Como funcionaria a proposta de lei da Selena Gomez? Seria de introduzir uma matéria chamada Dialectic behavioral therapy, ou seja “terapia comportamental dialética” nas escolas de ensino médio nos Estados Unidos, onde o programa te ensinaria a você saber interpretar as suas emoções – indo muito além da dicotomia “Você está feliz?”, ou “Você está triste?”, mas ensinando a reconhecer as variações e tons diferentes nas emoções.
Porque isso é importante não só nas escolas mas no trabalho, também? Porque se por muito tempo as habilidades socioemocionais ficaram ao lado porque difíceis de medir, intangíveis, e vistas como pouco eficientes e produtivas, hoje elas se tornam a cada vez mais importantes pois são aliadas nessa jornada de tornarmos profissionais complementares a tecnologia – e que possam nos ajudar a ser mais inovadores, criativos, questionadores, focados no cliente, entre outros – enquanto a tecnologia e a IA desempenham as tarefas mais mnemônicas, automatizadas, e repetitivas.
Se a gente só terceirizar para a tecnologia as relações no trabalho, e não desenvolver soft skills, corremos o risco de migrar para uma “intimidade artificial” na cooperativa – ou seja em outras palavras um ambiente de trabalho onde as relações são superficiais e onde é impossível criar laços verdadeiros de confiança.
Ouvi esse termo “intimidade artificial” pela primeira vez em Março deste ano, estive novamente em Austin, Texas, para participar do South by Southwest, o maior evento de inovação do mundo. Inútil dizer que é uma semana repleta de inspiração e conhecimento, ao ponto que não perco uma edição dele: todo ano eu marco presença, para repensar minhas crenças e “beber diretamente da fonte” dos melhores palestrantes e pensadores. Esse ano, a palestra que mais marcou minha atenção foi uma da Esther Perel, psicoterapeuta belga e grande expert das relações humanas, que falou sobre a que ela chama de “Intimidade Artificial” (num trocadilho claro com o termo IA, de Inteligencia Artificial), onde ela argumentou que num mundo onde a tecnologia nos afasta, nos não podemos substituir as relações pela que ela chama de Intimidade Artificial, mas que precisamos resgatar nossas conexões humanas através o fortalecimento de nossas habilidades socioemocionais, ou seja nossas Soft Skills.
Vamos entender melhor como funciona a “intimidade artificial”, e porque é importante aprimorar cada vez mais nossos Soft Skills, no mundo da IA. A verdade aqui que o termo Intimidade Artificial não foi usado pela primeira vez pela Esther Perel, mas sim pelo Aspen Institute, que publicou um report em 2020 com o mesmo título, e que quis explorar “temas-chave e questões críticas em torno da ideia de intimidade e uma linguagem compartilhada entre os colegas de trabalho. Mais importante ainda, o relatório capta uma sensação de urgência em torno das oportunidades e custos de uma relação “emocional” homem-máquina. E o que salvaguardas (técnicas, legais ou normativas), devemos considerar proteger contra o potencial de danos”.
Nesse report, se alertam líderes e executivos a não tratar a IA como um “Big Brother” – ou seja, uma autoridade poderosa e onipresente (pense no Facebook, Google, e afins) que manipula o comportamento individual por meio de vigilância e hiper personalização. Isto coloca o indivíduo em desvantagem e relega o poder a um terceiro. Ao contrário: o report sugere uma metáfora alternativa – “o de Big Mother” – que move o relacionamento humano e IA em direção a sinergias, colaboração e capacitação. Em vez de big data e vigilância, a metáfora transmite a necessidade de priorizar a autoconsciência, o autocuidado, o autocuidado e a independência. Como uma mãe faz, não é?
Pense bem: uma mãe conhece as suas fraquezas, mas te ajuda a superá-las; te ensina e te ajuda a tomar decisões de forma mais clara; te protege dos mal-intencionados, e nunca revela seus segredos; te ajuda a ser o melhor humano que você puder ser. Lucas Dixon, cientista do Google Research, também deu três metáforas adicionais para consideração: 1) IA como “outro sentido”; 2) AI como uma sub personalidade da pessoa que a utiliza; e 3) AI como um relacionamento em si.
Percebe que a IA então pode ser bondosa e aliada? É só assim, inclusive, que ela pode evitar de causar intimidade artificial, e realmente manter a conexão humana importante.
Ou seja, ser uma aliada das Soft Skills.
Veja bem: o Instituto Dale Carnegie fez uma pesquisa onde perguntou a lideres quais habilidades eles acreditam que precisarão para se manterem competitivos à medida que a IA e a automação se tornam mais comuns, mais de 7 em cada 10 escolheram habilidades interpessoais (habilidades de comunicação, pensamento crítico, criatividade, trabalho em equipe) em vez de hard skills (73% a 27%). Até agora, tudo em linha com nosso raciocínio. O problema? É que ainda existe um grande gap no que tange as soft skills nas empresas: a mesma pesquisa da Dale Carnegie perguntou aos líderes seniores quais soft skills seriam mais importantes para trabalhar com sucesso ao lado da IA, e perguntaram a todos os entrevistados se eles receberam treinamento nessas áreas nos últimos 3 anos, e o gap é grande. Por exemplo, 69% dos líderes dizem que as habilidades de comunicação são vitais, mas apenas 40% dos entrevistados dizem que receberam treinamento em skills de comunicação recentemente. Da mesma forma, 64% dos líderes enfatizam as habilidades de criatividade, enquanto apenas 30% dos entrevistados receberam treinamento em criatividade nos últimos três anos. Outras lacunas significativas incluem pensamento crítico (apenas 27% receberam treinamento) e inteligência emocional (apenas 19% receberam treinamento). Aqui já vai um chamado importante para os líderes de RH: é necessário investir cada vez mais em treinamento, não só de hard skills, mas sim de soft skills!
O principal takeaway aqui é: não negligencie o componente humano essencial e, particularmente, as habilidades associadas de que seu pessoal precisa, para permitir a adoção e o sucesso da IA na sua cooperativa. Como mostra a pesquisa da Dale Carnegie, as pessoas querem saber se possuem as habilidades que acham que precisarão para se adaptar. Isso lhes dará confiança e isso – juntamente com a confiança na liderança e um nível alto de transparência – os ajudará a se sentirem mais otimistas em relação à IA.
A McKinsey prevê que a IA e a automação robótica exigirão que até 375 milhões de pessoas em todo o mundo mudem suas ocupações ou aprendam novas habilidades até 2030. Com isso, reflita em suas estratégias de aprendizado e desenvolvimento na cooperativa: elas estão alinhadas com as habilidades que serão cada vez mais importantes na era da IA?
Por Andrea Iorio, palestrante, escritor best-seller e especialista em Transformação Digital e Inovação
Coluna exclusiva publicada na Revista MundoCoop edição 112