“ChatGPT”. É quase impossível não ter escutado falar sobre essa ferramenta, entendendo ou não perfeitamente sua procedência. Isso porque ela não só alcançou 1 milhão de usuários em apenas 5 dias de lançamento, mas também trouxe à tona questões que acreditávamos que surgiriam apenas daqui 50 ou 100 anos.
O fato é que o ChatGPT não é o único instrumento advindo da Inteligência Artificial (IA), e certamente não será o último, mas marca a consolidação de uma nova realidade, a Generativa.
E quando se fala em capacidade de criação, as possibilidades se tornam infinitas. Sempre foi assim para o ser humano e, agora, ele possui um recurso com capacidade igualmente infinita para isso.
A exemplo prático e atual, de acordo com o estudo desenvolvido pelo Boston Consulting Group (BCG) e o MIT Sloan Management Review (MIT SMR), 51% das empresas que utilizam IA na América Latina conseguiram lucrar a partir desse uso, sendo que em 7% o retorno financeiro foi considerado elevado. Globalmente, esses números sobem para 55% e 11%, respectivamente.
Ainda, um estudo da Universidade de Stanford e do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) indicou que a utilização da Inteligência Artificial Generativa pode aumentar em até 14% a produtividade de trabalhadores. Sem contar as facilidades corriqueiras, como acelerar buscas e atendimentos. Mas será que é simples assim?
TEMPO DE NOVOS DESAFIOS
De tempos em tempos, novidades como essa surgem para transformar rapidamente o cotidiano profissional e pessoal de todos, aspectos que estão cada vez mais atrelados. E dessa vez, com a IA Generativa, não foi diferente.
Ao observar os desdobramentos desde o lançamento do ChatGPT e de outras ferramentas similares, a questão ética por trás do seu uso rapidamente entrou para o debate. Não apenas impulsionada pelo medo da substituição da figura humana em diversos processos, mas também pela fabricação de dados e informações, levando a uma nova onda de fake news mais nocivas.
Contudo, a IA chega em uma circunstância em que o mundo digital ganha – aos poucos – limitações que impedirão o seu uso de forma desenfreada. No tempo da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), engana-se quem pensa que o uso de dados para alimentar a IA será feito de forma desproporcional. Diante disso, assegurar que as informações estejam sendo utilizadas de forma correta, será um dos grandes desafios das cooperativas e dos demais negócios. E o mercado, já está ciente dessa realidade. “A IA Generativa levanta questões éticas e de responsabilidade, especialmente em relação à privacidade dos dados e à tomada de decisões automatizadas. As cooperativas precisarão garantir a transparência e a conformidade com regulamentos e normas éticas em suas práticas de IA Generativa”, explica o Coordenador de Inovação e Professor na Faculdade de Tecnologia do Cooperativismo (ESCOOP), Carlos Alberto Oliveira.
Contudo, os desafios éticos acerca do uso da ferramenta não são apenas o único empecilho para a sua aplicação de forma robusta. Assim como em outras inovações surgidas ao longo da história, demanda-se um investimento amplo para que os recursos disponíveis hoje sejam utilizados em sua totalidade, explorando o seu potencial por completo.
Para sua aplicação de forma efetiva no dia a dia, empresas e organizações precisarão treinar novamente os seus colaboradores para que o uso seja feito de forma correta e adequado à realidade daquele negócio. “A implementação da IA Generativa pode exigir investimentos significativos em treinamento e contratação de especialistas, além de infraestrutura tecnológica, como hardwares e softwares específicos. Isso precisa ser considerado no planejamento de implementação de IA Generativa na cooperativa”, frisa Carlos.
Tal constatação, vai de encontro com uma das principais questões onde a IA está imersa: afinal, ela não vai substituir a figura humana? Por que investir em capacitação se a nova ferramenta “faz tudo”? A grande resposta está aí: ela não faz. Apesar de gerar novas informações a partir dos dados aos quais sua base é alimentada, a IA não é senciente. Ela não age por conta própria. Tal capacidade está limitada às realidades criadas pelos grandes escritores de ficção científica (e, por enquanto, esperamos que permaneça por lá).
A IA ainda necessitará de pessoas por trás de seus processos, reforçando o seu uso como uma etapa do processo, e não como um fim. “Competências humanas como ética, criatividade e imaginação não poderão ser substituídas, e algumas profissões podem ser definidas. Com o ganho de performance que estes novos algoritmos podem trazer, o ser humano poderá se focar mais em tarefas colaborativas, criativas e analíticas. Novas profissões serão criadas para testar, avaliar e aprimorar essas tecnologias”, destaca a Cientista na IBM Research Brasil, Heloisa Candello.
Observe no contexto das cooperativas. Atualmente, diversas já utilizam chatbots para agilizar processos de atendimento. Através desses robôs que simulam uma conversa com outro ser humano, elas podem captar as informações necessárias para partir para a segunda fase, quando um colaborador irá estabelecer um diálogo com o cooperado. Nas melhores cooperativas e negócios, o uso da IA estará condicionado a tarefas do dia a dia, de forma que a mitigação de certos processos, possa abrir espaço para uma reconexão entre o cooperado e a cooperativa.
Porém, para que a instituição financeira tenha à sua mão todas as possibilidades que a ferramenta proporciona, é imprescindível saber usá-la. Apenas assim, o diferencial será alcançado, unindo a inteligência artificial e a humana. “O potencial dessas ferramentas que hoje estão disponíveis para todos, aumenta a produtividade em qualquer área em que se processe conhecimento, linguagem, texto, imagem, música, vídeo e filme. Quem tem um conhecimento maior, faz melhor uso dessas ferramentas. Ela eleva o nível de quem tem pouco conhecimento, mas ela também permite um conjunto de potencialidades muito maior para quem já o detém. Então, não acho que essa ferramenta elimine a separação entre talento e não talento, mas ela eleva o nível de todo mundo”, complementa o Fundador e CEO da Woopi Stefanini, Alex Winetzki.
Novidades trazem incertezas. Porém, isso não pode impedir que a cooperativa deixe de usar um novo recurso que está disponível, pronto para ser testado e aplicado. “Considerando as diversas possibilidades já disponíveis com IA, pode se avaliar que as cooperativas que tiverem postura pioneira e bem aplicarem essa tecnologia podem obter uma vantagem. Por exemplo, a IA pode contribuir para a automação de tarefas repetitivas e burocráticas, liberando tempo e recursos para que cooperados e colaboradores possam se dedicar a atividades de maior valor agregado. Além disso, as tecnologias de IA têm o potencial de melhorar a tomada de decisões, permitindo uma análise mais precisa de dados e informações, o que pode beneficiar a gestão eficiente das cooperativas e o planejamento estratégico”, finaliza Carlos.
I.A COM CONSCIÊNCIA PRÓPRIA?
Talvez um dos maiores medos em relação à IA seja a possibilidade dela se tornar senciente (ou seja, criar vida e consciência própria). Tal cenário, alimentado há décadas por autores de ficção científica, voltou a ficar em evidência após a popularização da IA generativa. Contudo, estudiosos afirmam que estamos longe de uma realidade onde as máquinas possam, de fato, pensar por si mesmas. “Não acredito que vamos ter IAs sencientes num futuro próximo. Se vermos essa afirmação, é apenas porque limitamos radicalmente o que se entende por sentimento para lidarmos com a tecnologia. E senciência não é o objetivo de nenhuma empresa de tecnologia”, afirmou Jason Carmel, responsável pela área global de dados da consultoria Wunderman Thompson, durante o South by Southwest 2023.
UM CAMINHO SEM VOLTA
Dado todo esse cenário, a dúvida que permanece é: como encarar essa realidade? Em conversa, Alex explica que a inteligência artificial tem um valor real e é essa visão que pode simplificar o processo em que o mundo está passando no momento. “Ela (IA) muda a maneira de fazer coisas a ponto que, depois de começar a usá-la, você não vai mais conseguir voltar a pensar em como trabalhar sem ela. Isso tem acontecido em muitas áreas e acredito que é assim que se prova o valor de uma tecnologia”, enfatiza.
Valor esse que está muito ligado a outra velha conhecida de todos. A inovação. Em recente entrevista à Revista MundoCoop, a Futurologista e Fundadora da ThinkRoom, Paula Abbas, acentuou que a tecnologia tem impulsionado muitas inovações e tem funcionado, mas existe o humano por trás disso e esse papel é o grande “x” da questão. “Como que a sociedade age quando tem medo de alguma coisa? Ela bloqueia. Mas não adianta. Quanto mais a tecnologia evolui, mais rápido a desigualdade também aumenta. Precisamos pensar em como fazer a adaptação do humano ao uso dessas tecnologias e quais são todas as possibilidades”.
Incertezas e potenciais seguem caminhando lado a lado, já que retroceder essa realidade não é mais uma opção. E a tecnologia, agora ancorada na IA Generativa, trouxe a tão sonhada nova forma de inovar, de uma vez por todas. “Focar em questões éticas tão críticas para o desenvolvimento de uma tecnologia não significa parar a inovação, mas devemos cuidar para que essa inovação seja responsável. A IA não pode beneficiar apenas alguns”, complementa Heloisa.
“JOGUE HOJE O SEU TELEFONE CELULAR NO LIXO. VOCÊ CONSEGUE VIVER SEM ELE? ESSE É O VALOR REAL DA TECNOLOGIA” – Alex Winetzki, Fundador e CEO da Woopi Stefanini
INTELIGÊNCIA TAMBÉM HUMANA
Na lacuna entre o que há de mais tecnológico e os antigos problemas da sociedade, porém, existem também meios de solução e união de possibilidades. Como o cooperativismo.
Impactadas como inúmeros negócios, as cooperativas se depararam com um grande desafio: implementar a IA em suas atividades e se conectar efetivamente a essa nova realidade.
Nesse contexto, dois cenários se fazem presentes. Em um primeiro, as cooperativas grandes precisaram – e ainda precisam – se atualizar e alinhar a magnitude do seu negócio com o tamanho dessa tendência, colocando na balança possíveis erros e riscos. “É importante ressaltar que a humanização no contexto da IA no cooperativismo envolve garantir que a tecnologia esteja a serviço das pessoas e não o contrário. É necessário manter a transparência, a participação democrática e o envolvimento dos cooperados nas decisões relacionadas à adoção e implementação da IA. A tecnologia deve ser utilizada de forma inclusiva, promovendo o desenvolvimento e o bem-estar dos membros da cooperativa e da comunidade em que essa está inserida”, acentua Carlos.
Em uma segunda perspectiva, as cooperativas médias e pequenas se depararam com mais um degrau pelo caminho. Conseguir implementar a IA de forma que dialogasse com seu negócio e fosse possível acontecer na prática, considerando recursos e disponibilidades. “Para inserir essas ferramentas, é preciso testá-las. Não há outra maneira de se familiarizar sem usar ferramentas disponíveis, acessíveis e gratuitas. Eu acho que as pessoas devem fazer isso, e devem avaliar porque elas precisam conhecer essa novidade. Negócios são formados por indivíduos, é preciso avaliar áreas de utilização que tenham um grande impacto. Algumas, são mais óbvias que outras, como as áreas de atendimento, processamento de documento e backoffice”, explica Alex.
Ainda é possível observar um terceiro fator, onde a IA pode nivelar oportunidades. Uma cooperativa grande pode não saber aplicar a tecnologia e ter problemas por conta disso e, em contrapartida, uma cooperativa pequena que realiza essa aplicação com excelência pode alcançar o patamar de uma gigante. “As revoluções tecnológicas têm causado disrupção em diversos setores e o cooperativismo não é exceção. O cenário para as cooperativas atualmente é marcado pela necessidade de adaptação e aproveitamento das oportunidades trazidas pelas novas tecnologias, como a IA Generativa”, destaca Carlos.
CAPACIDADE ALÉM DA FICÇÃO
Depois de ver o “boom” do ChatGPT, entender o que é a IA Generativa e continuar acompanhando seu desenrolar, é chegada a hora de descobrir por onde começar a utilizar esse universo a seu favor. E, mais especificamente, como transformar as cooperativas em laboratórios de experimentação.
Não há resposta certa ou única para isso, mas um dos caminhos mais eficazes certamente está na atuação dos líderes, abertos e entusiasmados para aprender o novo.
Assim como em outros grandes passos do mercado, ter lideranças comprometidas em, de fato, liderar seus colaboradores através dessa mudança, será o fator decisivo para o sucesso ou fracasso desta incursão do setor rumo à era da IA. “Acredito que seja importante os líderes entenderem o potencial da IA generativa buscando se familiarizar com seus conceitos e aplicações, compreendendo como ela pode impulsionar a inovação e trazer benefícios para a cooperativa”, aponta Carlos.
Recentemente, em sua coluna “Coop é Tech, Coop é Pop” à Revista MundoCoop, o escritor best-seller e especialista Andrea Iorio, apresentou o conceito de “meta-líder”, ou seja, aquela liderança que está disposta a ir além das expectativas e abraçar a IA como grande oportunidade. Para ele, esse novo líder precisa aprimorar 3 características. São elas: “Data Sensemaking”, capacidade de interpretar melhor os insights gerados pela IA; “Repercepção”, capacidade de fazer perguntas melhores e pensar criticamente sobre novos problemas de negócios em um mundo que está mudando muito rapidamente; e por fim, “Antifragilidade”, capacidade de aprender com “erros inteligentes”.
A partir do comprometimento do líder, o processo de entendimento coletivo dos benefícios da IA será mais amigável também para os cooperados, sobretudo para aqueles que fazem parte de gerações mais longevas, e que no passado, já enfrentaram a chegada da internet e outras revoluções digitais.
Como uma extensão potencializadora, a utilização da IA não se restringe a processos, podendo elevar as habilidades, posicionamento e envolvimento dos cooperados e associados. “Por meio de plataformas de IA Generativa, os cooperados podem contribuir com ideias, opiniões e feedback, fortalecendo o processo de inovação e a governança participativa das cooperativas. Considerando os potenciais custos envolvidos, pode se realizar o compartilhamento de soluções e aprendizados em IA Generativa com outras cooperativas em um processo de intercooperação para inovação. Outro aspecto importante relacionado a colaboração é a busca de startups e fornecedores de soluções para acelerar o desenvolvimento”, completa Carlos.
O professor lembra que, mesmo hoje, conferências e encontros no mundo todo têm discutido o futuro da IA, amplamente baseados na sua capacidade de expandir as capacidades humanas, e não de substituí-las. Em suas visitas à algumas delas, notou-se uma autêntica preocupação com tal questão, com especialistas buscando – de uma vez por todas – mostrar que a IA entra no mercado para ser uma aliada, e não uma inimiga. “Quando preparamos as imersões para ecossistemas como o presente na Califórnia/EUA (Vale do Silício) e para Israel (nação startup), a expectativa era de ficarmos principalmente impactados pelas tecnologias disruptivas, no entanto o que mais percebíamos nessas experiências era a importância e a valorização das pessoas. Em ambientes altamente inovadores as pessoas estão no centro, pois a inovação é realizada por pessoas e voltada para atender necessidades e desejos de pessoas”, relata.
Em resumo, essa inteligência representa nada mais do que uma mudança de paradigmas. E toda essa discussão sobre o futuro da IA, não poderia deixar de fora também o futuro das cooperativas.
Imediatismo, intensidade e eficiência são marcantes características dessa “era inteligente”. Essas que, por sua vez, dialogam perfeitamente com as competências e preferências das novas gerações, que estarão atuando e no comando em um cenário não tão distante. “Nos aspectos comportamentais, percebemos que os jovens valorizam a flexibilidade e a rapidez na resolução de problemas. Nesse sentido, a automação de processos e a análise de dados proporcionadas pela IA podem melhorar a experiência dos jovens cooperados, tornando a interação com a cooperativa mais ágil, personalizada e orientada para suas necessidades e expectativas”, finaliza o professor da Escoop.
Adentrar esse ecossistema de inovação coletiva – e permanecer nele – está muito mais perto de ser uma necessidade e do que uma preferência. Criar um vínculo com essa nova realidade representa também atrair oportunidades, incluir pessoas, conectar gerações e, assim, garantir a continuidade dos negócios, acima de possíveis obstáculos. Para assegurar um amanhã próspero é preciso pensar: o que posso fazer hoje? E essa pergunta apenas a inteligência humana, e de cada um, poderá responder!
ATENÇÃO, LÍDERES!
Por Carlos Alberto Oliveira – Coordenador de Inovação e Professor na ESCOOP
Aspectos fundamentais para que a IA Generativa impulsione a atuação das cooperativas e aumente suas possiblidades:
- Os líderes precisam sintonizar a implementação da IA Generativa com a visão estratégica da cooperativa, identificando como essa se encaixa nos objetivos e valores da organização;
- Os líderes devem envolver os cooperados no processo de implementação da IA Generativa, buscando seu feedback e engajamento. É importante garantir que as soluções geradas pela IA Generativa atendam às necessidades e expectativas dos cooperados.
- Os líderes precisam monitorar e avaliar constantemente os resultados obtidos com a implementação da IA Generativa. Isso pode favorecer a identificação de pontos de melhoria e ajustes de ações conforme necessário;
- E, por fim, considerar que as tecnologias possuem ciclos de vida e as mudanças são constantes, sugiro que os líderes busquem e incentivem a aprendizagem contínua sobre a IA Generativa, para aqueles que estão diretamente envolvidos na cooperativa.
Isso permite o aprimoramento das habilidades e conhecimentos necessários para melhor aproveitamento dos benefícios da tecnologia!
Por Fernanda Ricardi e Leonardo César – Redação MundoCoop
Matéria exclusiva publicada na Revista MundoCoop Edição 112