Aos poucos, sociedade e mercado passam a perceber o que as projeções estatísticas apontavam anos antes: a população está envelhecendo e vivendo mais. A média anual de crescimento populacional vem caindo. A taxa de crescimento está em 0,52% ao ano, a menor já observada desde 1872, início da série histórica do Censo. E estamos vivendo mais tempo. Calcula-se que no Brasil 15% da população tenha mais de 60 anos. São 2,2% dos brasileiros que já passam dos 80 anos, segundo dados da última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua).
Avanços em saúde pública, ciência e medicina, economia, desenvolvimento social e saneamento são alguns fatores que se somam para o resultado longevidade. A Organização das Nações Unidas (ONU) projeta que o Brasil deve ser, em 2050, o sexto país com o maior número de pessoas acima dos 60 anos no mundo. Ao viver mais, as pessoas também tendem a trabalhar e consumir produtos e serviços por mais tempo. A longevidade, portanto, é assunto que deve estar na pauta da gestão das empresas. Impacta desde a composição das equipes de trabalho até oferta de produtos e serviços ao consumidor grisalho.
A experiência dos longevos ensina muito sobre possíveis caminhos a serem seguidos. Nesse sentido, o estilo de vida se apresenta como ponto-chave a uma longa vida com saúde física e mental. As tecnologias oferecem suporte à manutenção de hábitos e cuidados que contribuam à longevidade.
BONS HÁBITOS LEVAM A VIVER MAIS E COM QUALIDADE
Gostar de viver é um dos fatores fundamentais para a longevidade. É o que indica pesquisa que vem sendo realizada com longevos, desde 2016, pelo Instituto de Geriatria e Gerontologia da PUCRS. Ângelo Bós, geriatra e gerontolólogo, professor da pós-graduação em Gerontologia Biomédica da Escola de Medicina da PUCRS, coordena estudos com pessoas acima de 90 anos, no Rio Grande do Sul, que tem uma das maiores populações de longevos do Brasil. Ele comenta que faz muita diferença as pessoas manterem a vontade de superar as dificuldades e perdas, ou seja, a capacidade de processar e lidar com emoções e estresse, além de se manterem ativos física e mentalmente.
Bós cita o exemplo de Irmã Inah Canabarro Lucas. A religiosa é considerada a pessoa viva com mais idade no Brasil, 115 anos, validada pelo Gerontology Research Group (GRG), e também é a mais velha da América Latina. Apesar das limitações de locomoção, visão e audição que a idade trouxe, “ela demonstra uma simpatia e alegria, uma vontade de se manter ativa, de contar sobre sua experiência de vida e motivar as pessoas”, relata Bós.
Conservar a convivência social e cuidar da saúde com exercícios mentais e físicos, respeitando os limites do corpo, alimentar-se bem, são fatores que podem explicar a longevidade de Irmã Inah, exemplo a ser seguido por qualquer pessoa, para viver mais e bem. Os supercentenários (pessoas com mais de 110 anos) comprovam a importância de ser ativo o maior tempo possível fisicamente, com caminhadas e atividades leves e moderadas, e intelectualmente, lendo, exercitando a cognição e memória, além de preservar a saúde com vacinação em dia e prevenção.
Bós explica que, ao compreender suas limitações, como a tendência a doenças, por exemplo, é possível ajustar comportamentos para viver mais e com qualidade de vida. Quem ajuda nesse processo é o profissional de gerontologia (ciência que estuda o processo de envelhecimento em âmbito biológico, psicológico e social).
O médico recomenda parcimônia em relação a expectativas tecnológicas. As tecnologias oferecem bons suportes a doenças e limitações advindas da idade, mas não fazem parar o envelhecimento e nem trazem soluções milagrosas. “Tecnologias nos ajudam a estabilizar doenças crônicas como hipertensão, diabetes, e a nos manter saudáveis mais tempo”, reconhece. Mas, o mais importante são estilos de vida saudáveis, reforça. Pesquisa recente do grupo de estudos mostrou que caminhar é mais eficiente para manter a pressão controlada que só tomar medicamento. “Pessoas que tomam medicamento têm 16% de chance de ter a pressão controlada; as que caminham pelo menos 90 minutos por semana têm 46% de chance de ter a pressão controlada”, pontua Bós.
É importante que diferentes áreas tenham uma visão gerontológica. Além dos profissionais da saúde, campos como educação, engenharias, arquitetura entre outros também precisam levar em conta as questões do envelhecimento da população em seus produtos e serviços. “Temos de pensar a sociedade com olhar gerontológico”, reforça Bós. Afinal, ignorar o envelhecimento é ignorar o próprio futuro.
“O que realmente faz as pessoas viverem mais é o comportamento saudável; elas não só vivem mais, mas melhor”, Ângelo Bos, professor da pós-graduação em Gerontologia Biomédica da Escola de Medicina da PUCRS
LONGEVIDADE E MERCADO DE TRABALHO
Ao ultrapassar a marca de 60 anos, o papel social da pessoa muda, e é preciso se reinventar. Aposentadoria não é só parar de trabalhar, pode trazer junto perda do sobrenome corporativo, dos relacionamentos do dia a dia e até do sentimento de utilidade e propósito de vida. Para alguns, é a chance de cuidar melhor de si e fazer atividades que sempre desejou; já outros, preferem seguir trabalhando, às vezes em outras funções ou carreiras, a exemplo de profissionais que se tornam consultores ou decidem empreender.
O ambiente empresarial também precisa desenvolver visão gerontológica. Vivendo mais, as pessoas tendem a se manter no mercado de trabalho por mais tempo, um processo que exige adaptações tanto das empresas quanto dos profissionais. Entre as pautas de diversidade, a questão etária ainda é pouco debatida. É preciso discutir meios para que os longevos continuem fazendo parte da sociedade, de acordo com suas necessidades, desejos e capacidades.
A atuação do Centro de Inovação Sesi Paraná foca o tema Longevidade e Produtividade. Atividade essencial desenvolvida é a conscientização de que as empresas precisam se preparar para a longevidade da população e o impacto desse movimento na força de trabalho. “Ainda estamos no processo de conscientização, porque é um tema novo e as indústrias não estão sentindo esse peso na sua força de trabalho. São poucas em que já acendeu o alerta de que é preciso soluções pensando no envelhecimento da população”, comenta Aline Calefi Lima, coordenadora do Centro de Inovação Sesi.
A partir da conscientização sobre os impactos da longevidade nas empresas, novas estratégias podem ser acrescentadas, como postos de trabalho específicos a profissionais seniores, integração com gerações mais jovens, programas de combate a discriminação por idade etc.. “Falar de longevidade é falar de inovação”, pontua Aline.
A mentoria tem sido a principal demanda recebida pelo Centro de Inovação Sesi em relação à longevidade. O objetivo é que o profissional mais experiente tenha a oportunidade de repassar o seu conhecimento e experiência a trabalhadores mais jovens. A indústria convida seus profissionais seniores a se voluntariarem como mentores e selecionam os mais jovens a serem mentorados. Com apoio das metodologias da instituição, adaptadas à realidade da empresa, eles trabalham em conjunto a troca de conhecimento. Isso impacta inclusive o clima organizacional e promove a diversidade, ao valorizar o profissional sênior e integrar gerações. Uma boa interação entre esses grupos etários pode ajudar inclusive à transmissão da cultura organizacional e à identificação de propósitos, para reter os jovens na empresa.
A gestão do relacionamento intergeracional é outra demanda importante, cujo objetivo é minimizar atritos entre profissionais jovens e seniores, que apresentam estilos de vida e entendimento sobre o trabalho distintos. Nesse processo, as lideranças também precisam atualizar suas competências em gestão para lidar com as questões que envolvem relacionamento entre gerações no ambiente de trabalho.
Discutir o tema longevidade também com as pequenas e médias empresas, não só relacionado ao papel da força de trabalho, mas também ao mercado consumidor dos 60+, a chamada economia prateada, é outro desafio. Em geral, são as grandes indústrias que buscam informação e apoio à gestão para longevidade e preparação para o futuro longevo, sejam multinacionais, que seguem programas na área já ativos em outros países, ou indústrias nacionais com foco estratégico em antecipar situações e processos. Várias delas já desenvolvem ações como programa de contratação de pessoas 50+, por exemplo.
À manutenção da produtividade do trabalhador ao longo do tempo, o Centro de Inovação Sesi Paraná aplica metodologia desenvolvida na Finlândia, que aponta as bases essenciais para o profissional se manter ativo. Parte dos cuidados com saúde física e mental; passa por desenvolvimento de competências durante a vida; convergência de propósitos e valores pessoais com os da empresa; sentir-se produtivo e em ambiente saudável, com apoio da liderança; e inclui até importância do relacionamento familiar e ambiente social.
“Hoje nossa força de trabalho é jovem, mas em breve ela não será mais. Espero que em breve já faça parte da cultura pensar o envelhecimento da população e trabalhar isso de forma orgânica nas empresas”, Aline Calefi Lima, coordenadora do Centro de Inovação Sesi-PR.
Por Nara Chiquetti – Redação MundoCoop
Matéria exclusiva publicada na Revista MundoCoop Edição 112