Angelita Marisa Cadoná, 51 anos, Presidente do Conselho de Administração da Sicredi Conexão, no Rodeio Bonito, no Rio Grande do Sul, conta que o cooperativismo tem sido uma parte essencial de sua vida, um legado aquirido dentro da sua família. Os seus pais eram pequenos agricultores, associados a uma cooperativa agropecuária.
Por isso, ao longo dos anos, internalizou a ideia do cooperativismo como uma poderosa ferramenta de transformação de vidas e realidades, tornando a cooperação o meu propósito de vida.
Sua trajetória começou na Sicredi Conexão, há 30 anos. Lá ela passou de Caixa, a Gerência de Agência, Diretoria de Operações e Vice-Presidência e atualmente, preside o Conselho de Administração.
Angelita também atua como Conselheira de Administração da Sicredi Sul/Sudeste, Diretora Suplente da OCERGS e Membra do Comitê de Mulheres da OCB.
“Como mulher, fiz escolhas significativas, desempenhando papéis importantes como esposa, mãe, profissional executiva e voluntária em causas sociais, as quais não só me proporcionam grande realização, mas também contribuem significativamente para minha trajetória profissional. Agora, atuando como presidente de uma cooperativa de crédito presente em três estados e quatro regiões distintas, deparo-me com desafios substanciais que vão além das questões de gênero”, relata Marisa.
Quando se pensa sobre a baixa representação das mulheres nas lideranças das cooperativas de crédito, Cadoná explica, que apesar de avanços, persistem os desafios estruturais e culturais.
“Barreiras históricas, estereótipos de gênero e falta de oportunidades igualitárias contribuem para este cenário. Promover a diversidade e inclusão, implementar políticas de equidade de gênero e apoiar o desenvolvimento profissional das mulheres são passos essenciais para criar um ambiente mais equilibrado na governança estratégica e executiva das cooperativas de crédito”, conta.
Assim, como Angelita, Roberta de Souza Caldas, Presidente da Cooperativa Transpocred, atua como liderança há 17 anos.
Ela conta que os desafios enfrentados são por ser jovem, e não exatamente porque é mulher. Em sua visão existe um conservadorismo no cooperativismo, uma ideia de que para ser liderança é necessário ter uma idade média mais elevada.
“Acredito que o reflexo das mulheres na liderança, é resultado da quantidade de cooperadas que existe dentro do nosso modelo. Se pegarmos a base de cooperados, a predominância ainda é de homens, mas quando pensamos nas equipes, elas estão sendo formadas e é cada vez maior o número de mulheres nelas, uma fortalece a outra. Elas estão fazendo parte, não só da liderança, do corpo de trabalho, mas também apoiando, sendo cooperadas e divulgando mais o nosso modelo de negócio”, lembra Caldas.
Pensando em histórias como as de Roberta, Angelita e nos desafios que as mulheres enfrentam nas lideranças das cooperativas, Heloisa Helena Lopes, Vice-presidente do Conselho de administração da Sicredi Pioneira, professora de direito e legislação cooperativista, governança, compliance resolveu fazer uma pesquisa sobre as trajetórias das lideranças femininas das cooperativas de crédito e como elas impactaram suas carreiras.
As lideranças femininas e os seus desafios
Lopes realizou a pesquisa em 2021 e por meio dela montou um retrato das lideranças femininas, seus desafios, sucessos, evoluções pessoais e profissionais.
O estudo foi feito com base em uma investigação qualitativa exploratória, com quatorze entrevistas narrativas com mulheres em cargos de liderança em quatorze cooperativas de crédito dos Sistemas: Sicredi, Sicoob, Unicred, Ailos, Cresol, Uniprime, Credisis e Cecoop.
Estas cooperativas estão presentes em oito estados brasileiros: RS, SC, PR, SP, RJ, MG, ES, RO.
Além das entrevistas narrativas, foi montado um Grupo de reflexão, com a participação, de seis mulheres membras da Rede Global de Mulheres Líderes (Global Women Leadership Network – GWLN), programa da Fundação do Conselho Mundial das Cooperativas de crédito.
Heloisa conta que os resultados permitiram compreender a história de vida das mulheres líderes, os principais fatores que influenciaram e contribuíram em suas trajetórias.
“Também consegui perceber de que forma o ambiente cooperativista contribuiu para o desenvolvimento das líderes, as percepções relacionadas ao gênero e as estratégias de enfrentamento frente as situações apresentadas”, lembra a pesquisadora.
Vários pontos foram analisados nas entrevistas, entre alguns destaques estão a importância da capacitação técnica no alcance do cargo de liderança, além da liderança transformacional, já que as mulheres se preocupam com o outro e com a sociedade.
Lopes lembra que a pesquisa demonstrou a existência de dois grandes grupos de mulheres.
O primeiro são das muito capazes, com formação profissional, mas que muitas vezes não acreditam no seu potencial. Por isso precisam desenvolver as suas autoconfianças.
Já o segundo é das líderes mais autoconfiantes, porém necessitariam buscar mais conhecimento técnico.
“Percebi a importância do equilíbrio entre a autoconfiança, o desenvolvimento e o conhecimento técnico. Além da segurança das mulheres poderem se posicionar, dar sua opinião, inclusive perante homens”, explica Lopes.
Nos relatos, a pesquisadora detectou outros pontos interessantes, entre eles a energia necessária que as mulheres precisam ter para dar conta dos compromissos profissionais e familiares.
Em termos de desafios, foram levantados por elas alguns fatores potenciais para alcançarem e se manterem na posição de liderança, entre eles estão o conhecimento e a busca constante por capacitação, a importância de uma segunda língua, o estabelecimento de contatos e redes de apoio, e a relevância de experiências profissionais e culturais.
“As entrevistadas ressaltaram algumas habilidades comportamentais relacionadas à maneira como o profissional lida com o outro e consigo mesmo, como o autoconhecimento, ajuda mútua, determinação, coragem, abertura para mudanças, disciplina, paixão, vontade de evoluir, coragem de se apresentar quando a oportunidade surgir, autoconfiança, perseverança e atitude”, exemplifica Heloisa.
As mulheres líderes das cooperativas de crédito enfrentaram grandes dificuldades na sua trajetória de suas vidas, que vão desde a discriminação de gênero, desestímulo, assédios, inseguranças e preconceitos.
“Ainda que concorde que houve muitos avanços em relação à aceitação da atuação da mulher, é preciso vencer os vieses inconsciente e preconceituosos presentes no cotidiano e no cooperativismo”, diz.
Os homens são maiorias nas lideranças, mas quem tem mulheres ganha mais
Apesar do número de mulheres, com ensino superior, ser maior no mercado de trabalho, os cargos de lideranças e administrativos, ainda são ocupados majoritariamente por homens.
Quando se tem mulheres nas lideranças das empresas, os resultados são superiores das que não tem.
Isso é o que comprova vários demonstrativos, um deles feito em 2018, pela Morgan Stanely Capital Internacional (MSCI).
A empresa constatou que possuir mulheres no Conselho de Administração rende mais. Entre setembro de 2015 e 2016, elas geraram um retorno sobre o Patrimônio Líquido de 10,1% ao ano, contra 7,4%, para aqueles que não possuem.
“Equipe diversificadas tendem a ser mais inovadores e a tomar melhores decisões. No entanto, apesar do aumento da participação feminina nas organizações e em posições de liderança, verifica-se a existência de um afunilamento hierárquico. Conforme aumentam as atribuições de liderança e comando nas organizações, encontram-se menos mulheres”, lembra a pesquisadora.
Nas cooperativas a situação da mulher não é diferente, sobretudo nas de crédito, em que é visível a baixa presença feminina nas lideranças, tanto na colaboração, quanto como associadas.
Para se ter uma ideia dessa disparidade, o Relatório de Sustentabilidade das cooperativas de 2020 apontou que apenas 5% dos cargos de presidente e vice-presidente das cooperativas de crédito são ocupados por mulheres.
“Nenhuma cooperativa poderá avançar, de fato, sem uma boa gestão democrática e um processo de sucessão estruturado em todos os níveis da organização. A pauta da diversidade e inclusão está cada vez mais presente nas cooperativas de crédito, fundamentada nos seus princípios de compromisso de desenvolvimento econômico, social dos associados e das comunidades”, finaliza Lopes.
Por Priscila de Paula – Redação MundoCoop