“Pare de querer inventar a roda”. Essa frase simples, mas ao mesmo tempo provocativa, tem sido muito repetida para inúmeras finalidades e em inúmeras situações. Mas faz sentido parar de pensar no novo em um período tão “tumultuado” de ideias e que segue um ritmo frenético de novidades? A resposta é sim. Chegou o momento de aceitar que não há avanço sem autocrítica. Esse é o grande norte da atualidade.
Trazendo essa linha de pensamento para um cenário de fácil exemplificação, temos essa máxima aplicada no mercado. Esse que rege os rumos dos negócios e as demandas da sociedade. Nele, a concorrência nunca foi tão grande. Uns dizem até cruel. Mas o fato é que ela existe e não irá mudar. Então, o que fazer perante a isso?
Está cada vez mais difícil diferenciar produtos e serviços oferecidos e, com isso, a capacidade de se arriscar é o fator que passou a trazer o resultado mais efetivo. Ainda, é vivido um período em que esses resultados não podem mais aparecer apenas em 5 ou 10 anos, exigindo ações mais consistentes e imediatas.
Seja resgatando históricos ou analisando o momento presente, não se pode falar de negócios sem falar de cooperativas. Sabe-se bem que não é a primeira vez que o cooperativismo é pressionado pelo mercado, assim como tantas outras empresas, mas a agora as consequências se tornaram mais rápidas e cada vez mais visíveis. Dentro disso, a intercooperação ressurge da necessidade de reflexão a respeito do potencial coletivo acima de soluções individuais – para velhos e novos desafios – e principalmente, para estimular um senso de oportunidade dadas as atuais circunstâncias.
Por uma questão de sobrevivência, as cooperativas – sejam quais forem os seus ramos – devem ter um olhar constante para o que acontece fora de seus muros. O que o mercado está fazendo? Quais são as principais tendências do momento? De fato, entender o contexto em que elas estão presentes é de extrema importância. Mas para saber onde chegar, se faz necessário saber onde está. E é neste quesito, que a autoanálise se coloca como um movimento indispensável. “A cooperação efetiva é o caminho para as cooperativas enfrentarem os seus concorrentes. Embora eu diga que antes de enfrentar os concorrentes é preciso com que as cooperativas se reposicionem e se comparem consigo mesmas. Como que a cooperativa pode ser melhor do que ela foi ontem? Como são as aspirações, as necessidades do quadro e cooperados de quando foi constituída a cooperativa e atualmente?”, explica o especialista em cooperativismo, Silvio Giusti.
De um lado, cases de sucesso já mostram na prática como a intercooperação pode trazer resultados, quando há o real engajamento a seu favor; e, de outro, estes mesmos exemplos reforçam a pergunta: por que não fazer mais? “Nas cooperativas e no mundo dos negócios é comum utilizarmos parceiros, porque não somos especialistas em tudo. Veja nosso caso na Unicred onde a Visa é nossa parceira para cartões. O trabalho entre cooperativas não pode ser diferente, se há um assunto que podemos ser parceiros e com isso, as próprias cooperativas conseguirem dar mais celeridade aos avanços, reduzirem custos e entregarem aos seus cooperados mais vantagens, não há por que não fazer. Tem de ser incentivado ao máximo”, destaca Dr. Remaclo Fischer Junior, presidente da Unicred.
Globalmente, não são poucos os exemplos onde a intercooperação se firmou como o caminho para um cooperativismo sustentável do ponto de vista de iniciativas e no quesito econômico. Com o aumento da presença física, característica marcante do setor, multiplicam-se também os custos operacionais. Mas realmente esta é a única opção? Nos Estados Unidos, as cooperativas de crédito possuem de forma conjunta, uma vasta rede de caixas eletrônicos distribuídos por todo o país. Sem a necessidade de que cada sistema cooperativo possua seus próprios caixas, eventuais custos são mitigados, dando espaço para que os recursos sejam administrados em outras áreas de maior necessidade para a cooperativa e para os cooperados.
Em território nacional, a situação se desenhou um pouco diferente no decorrer do tempo. Ainda com uma ascensão admirável, mas com alguns pontos a serem ressaltados. “O cooperativismo cresceu muito nos últimos anos, em especial pelo movimento das cooperativas. Quando, na verdade, se houvesse intercooperação, haveria um compartilhamento de resolução de dores para produtos, serviços com maior eficiência e com uma definição mais estruturada dos pontos de atendimento. Hoje mais da metade dos municípios possuem uma cooperativa de crédito, mas a outra metade não tem. Se houvesse um processo de intercooperação, poderíamos ter uma cobertura territorial maior e com menos custo para as cooperativas. Nesse sentido a intercooperação faz falta, mas um dia poderíamos ter outros padrões, como por exemplo o cooperativismo de crédito alemão”, frisa Tiago Schmidt, Presidente do Conselho de Administração da Sicredi Pioneira RS.
Atualmente, o cooperativismo brasileiro impacta 20 milhões de pessoas, portanto, não é um negócio inexperiente que começou ontem. Mas isso não pode impedir de pensar além e explorar potenciais que – como a própria doutrina diz – possuem muito mais força na coletividade. A intercooperação praticada hoje é apenas a ponta de um iceberg de possibilidades. Mas o tempo está correndo. E ignorar tal temática pode custar caro.
“Não é uma questão de ser cooperativa grande ou pequena. Mas sim, a responsabilidade das cooperativas de terem iniciativas que vão ao encontro dos associados e ao encontro dos princípios e valores do cooperativismo”
– TIAGO SCHMIDT
UMA CONVERSA NECESSÁRIA
Em recente encontro realizado pelo Banco Central, Harold Espínola – Chefe do Departamento de Supervisão de Cooperativas e de Instituições Não Bancárias no Banco Central do Brasil – fez um apelo às cooperativas, buscando reafirmar a necessidade de um maior diálogo entre o setor, de se fazer presente a intercooperação e a mitigação de uma competição não saudável dentro do movimento.
Mesmo diante de números que impressionam até mesmo quem vivencia o cooperativismo no dia a dia, a percepção de que a falta de intercooperação está impactando o desenvolvimento tem sido cada vez mais difundida. Para Remaclo, são diversos os fatores que tornam necessária que essa prática saia do papel em caráter urgente. E uma delas, reflete exatamente na força do setor perante o mercado. “A sinergia que surge da intercooperação faz o setor caminhar mais rápido, aumenta o potencial de cada uma das cooperativas, já que cada uma tem suas qualidades e questões em que estão mais avançadas e, sobretudo, posiciona a indústria de uma forma mais forte”, destaca.
Além disso, os custos para manter a roda girando, tem sido cada vez mais elevados. E essa realidade não se restringe ao cooperativismo, sendo observada no mercado como um todo como fruto de fatores internos e externos. Com o aumento dos gastos operacionais, buscar alternativas que garantam a manutenção do modelo atual enquanto equilibram as contas do setor é um passo que não pode ser adiado. E a intercooperação, se praticada da forma correta, tem a capacidade de ser a solução para essa problemática.
Moacir Krambeck, presidente da Confederação Brasileira das Cooperativas de Crédito – Confebras, ressalta que os custos elevados não são um problema apenas no futuro do setor, mas também no presente, e afirma que uma sólida iniciativa de intercooperação pode ser a saída diante dessa realidade. Para Krambeck, buscar essa conexão e singularidade não apenas tem a capacidade de trazer equilíbrio, mas também de potencializar o setor. “Ela será de suma importância para que cooperativismo tenha preços mais competitivos. Ganharíamos muito pela escala, e não só por isso, mas também na compra em conjunto de produtos que são comuns as cooperativas”, analisa.
Diante do alerta do BC no encontro promovido em junho, é possível identificar possíveis fatores que motivaram tal conversa. Segundo Giusti, a simples atitude do Banco Central em convocar o setor, é um sinal de alerta e reafirma a urgência que a temática tem adquirido nos últimos meses. “É um sinal de alerta não na cor amarela, mas já com a tonalidade vermelha. Já perdemos muito tempo em “não fazer” a devida cooperação e não acessando as tantas oportunidades que existem e que são reais. Já há inclusive estudos demonstrando os milhares de reais que poderiam ser economizados por um lado e por outro, a enormidade de estruturas que poderiam ser reduzidas”, frisa.
Com um “puxão de orelha” do órgão máximo do setor financeiro, as cooperativas têm agora a missão de materializar todas as promessas e discursos fomentados ao longo dos anos. Afinal, até quando a intercooperação pode esperar? “A lição que fica do Banco Central para as lideranças setor é que a gente precisa sair do discurso. Ele é coerente, é racional. Nós, inclusive, temos muito claro o que precisamos fazer. Mas a gente precisa ir para o ambiente das atitudes e esse é o ambiente que estão nos chamando. O ambiente de fazer materializar o princípio da intercooperação”, completa Giusti.
OITAVO PRINCÍPIO
Ao seguir utilizando o ramo crédito como grande objeto de exemplificação, é possível notar dados curiosos. Hoje, as instituições financeiras cooperativas têm uma taxa de crescimento muito boa e em ascendência, mas quem tem se tornado a régua que puxa o crescimento da carteira nacional ainda são os bancos digitais. E o que isso quer dizer? Que analisar a concorrência e reconhecer seu alcance também precisa fazer parte das estratégias.
Durante o 4º Fórum Integrativo Confebras, realizado em agosto, Harold Espínola trouxe essa constatação à tona em sua palestra. “O crescimento de instituições digitais relevantes se dá de forma orgânica, de um cliente para outro, fazendo o que as cooperativas sempre fizeram, mas fazendo de uma forma mais assertiva, sabendo exatamente o que dizer e o que oferecer para que esse cliente construa uma visão positiva da marca”, ressalta.
É muito difícil falar do sistema financeiro sem ao menos lembrar do caso da Nubank. Instituição que em 10 anos alcançou 80 milhões de clientes apenas no Brasil, se tornando a quarta maior instituição financeira do país. E como acentuou Espínola, de forma orgânica. Para as cooperativas, uma solução para igualar esse alcance seria aumentar o índice de “exploração” dos cooperados que já fazem parte daquele negócio. “Existe um problema de endomarketing, de perder oportunidade dentro de casa, e existe um problema de marketing para fora porque, posso afirmar, é baixo o conhecimento do cooperativismo por agentes com poder de decisão. Isso é um problema do sistema, não do sistema A ou sistema B”, alerta Harold, também na ocasião.
O cooperativismo nasceu com o poder do convencimento de sua viabilidade e é justamente comunicar isso ao seus cooperados, alimentando de forma positiva suas experiências, que vai garantir a continuidade desse grande negócio. “Quando eu recebo menos do que eu espero, começo a perceber o que os outros também estão me oferecendo. Você pode até oferecer, mas se eu não perceber isso, para mim é negativo. E se eu for embora, fazer voltar é muito mais difícil”, acrescenta o representante do BC.
Mas e a intercooperação nessa história? É através dela que os agentes cooperativos vão alcançar efetivamente outro patamar. “A comunicação tem um papel muito importante que deveria ser analisada com outros olhos pelas cooperativas. Projetos que são iguais, por exemplo, mas que recebem nomes diferentes sendo o mesmo projeto, acabam dificultando a compreensão e o entendimento por parte da população. Quanto mais a gente acelerar a padronização de alguns nomes perante o mercado, maior será o entendimento da população”, responde Tiago Schmidt.
Tanto para conquistar novos cooperados e expandir o movimento quanto para enfrentar de igual para igual a concorrência, a intercooperação se tornou inadiável. A famosa “carta na manga” que todo modelo de negócio busca. Entretanto, o posicionamento atual precisa ser questionado, assim como decisões tomadas e, principalmente, ações que não estão sendo realizadas.
Decisão, comunicação e intercooperação. Os três fatores que se tornaram o denominador comum do progresso para as cooperativas. É hora de se desprender de paradigmas e verdadeiramente se comunicar antes de comunicar. “Temos iniciativas como o Diálogos de Intercooperação (debate que acontece durante o CoopTalks Crédito, realizado anualmente pela MundoCoop), que promovem esse movimento e possuem a pretensão de movimentar e conectar lideranças que busquem a intercooperação, para que se criem espaços onde possam ser analisadas oportunidades reais com profissionalismo”, conta Silvio Giusti.
“Queiram ou não a intercooperação acontecerá invariavelmente”
– MOACIR KRAMBECK
INTERCOOPERAR NA PRÁTICA
A realidade mercadológica está traçada. Assim como a urgência de uma atitude intercooperativista. Mas por onde começar?
Em conversa, Silvio Giusti relata que dados do Sistema OCB revelam que existe sim uma intercooperação entre os ramos, porém que, em sua grande maioria, fica por volta de 15 a 20% apenas. Ou seja, há um universo de oportunidades a serem exploradas. “Temos aí casos isolados, iniciativas pequenas ou grandes. Mas precisamos realmente transformar isso numa questão sistêmica. A intercooperação é um princípio, e não deve ser tratada como opção. A cooperativa, na fase de cooperação, às vezes não faz o que deve ser feito e aí já se consiste em um erro”, diz ele.
Moacir, por sua vez, reafirma que o movimento tem tudo que precisa, nos mais diversos sistemas. “Porque não analisarmos o que temos e viabilizar a todos os cooperados? Cooperados adquirindo produtos e serviços de cooperados. Urge que se tomem atitudes urgentes, caso contrário o processo não será pelo amor, mas sim pela dor“, finaliza.
Internamente nas cooperativas, a intercooperação precisa ser mais do que uma ideia perpetuada, se tornando uma ação concreta e isso passa, necessariamente, por questões estruturais. A criação de áreas responsáveis pela intercooperação precisa ser algo estratégico e esse cenário passa pelo papel dos líderes, que precisam estar conscientes desse carecimento. “Quanto mais as lideranças encaminharem esse comportamento com os colaboradores, mais os colaboradores, no grande papel que eles têm de educadores dos associados, estarão promovendo também a ampliação desse conhecimento e de forma natural, essa inter-relação entre diferentes cooperativas. Numa mesma praça, ela passa a ser muito mais agregadora do que competitiva”, complementa Schmidt.
Sistematicamente, isso precisa seguir o mesmo pressuposto. Silvio acrescenta que esse debate não pode ser eventual e para existir uma transição, é preciso existir uma agenda que estimule o diálogo entre os diferentes ramos do cooperativismo, que engaje a liderança a se dedicar e estudar estrategicamente a intercooperação. Complementando o tópico, Tiago Schmidt destaca que esse relacionamento mais próximo também vai ser uma etapa importante a ser vencida. “Não é possível intercooperar se os atores do cooperativismo não se conhecerem. Então, nesse momento eu acho muito importante. Primeiro pela regulação de mercado. Segundo, pela expansão da base de associados e negócios das cooperativas. E terceiro, porque com esse movimento, cada vez mais as pessoas vão se conhecendo e com isso, a tendência é que nós estejamos cada vez mais próximos de um processo de intercooperação mais maduro e eficiente entre as cooperativas e os sistemas”, conclui.
“Se hoje as cooperativas estão prontas ou não para o novo mercado que se desenha, quero insistir no pensamento de que, se ela estiver fielmente vinculada à sua essência, há uma enorme chance da cooperativa ser relevante e ter a sua perenidade e sustentabilidade garantidas”
– SILVIO GIUSTI
RESGATE DO MOVIMENTO
Não importa o tamanho ou o ramo de atuação, tudo que acontece em uma cooperativa tem impacto no cooperativismo. Para o bem ou para o mal. Se há possibilidade de ampliar a dimensão da primeira opção, não há motivos para não fazer acontecer. Mas levar a sério, quase que ao pé da letra, é essencial. Intercooperação não é mera parceria, é o futuro.
Acima de vaidades individuais, a escolha pelo modelo cooperativista precisa ser legítima para quem vai adentrar esse negócio e para aqueles que já estão nele, atuando enquanto carregam esse codinome tão forte e importante. “O cooperativismo dorme em berço esplêndido suportado pela sua filosofia. Mas não é só de filosofia que vive a humanidade, mas sim de atitudes voltadas a qualidade de vida. É preciso parar de exagerar na valorização das instituições, elas sempre serão a consequência”, discorre Moacir Krambeck.
Para que os resultados de uma intercooperação efetiva se materializem, é preciso pensar além, colocar palavras em prática e entender que apenas através desse novo modo de atuação é que a longevidade do movimento como um todo será assegurada. Não de uns ou outros, como um todo.
A partir desse movimento, o setor tem a capacidade de expandir sua atividade com uma estrutura mais concisa e construída a partir das contribuições de cada sistema e ramo. “Adicionalmente, o quanto de convergência e qualidade e de racionalidade de melhoria dos processos poderiam vir por meio da intercooperação? O que isso significa? Significa eficiência operacional, eficiência do seu próprio propósito. É disso que nós estamos falando e este alerta busca nos fazer sair das zonas de conforto de atuação para estimular o nosso setor, que é tão relevante dentro do contexto nacional”, conclui Silvio.
A partir de agora, a tratativa dada a tais comentários do BC, e tantos outros motivos para apostar na intercooperação, definirá até onde o cooperativismo poderá se desenvolver. Caberá apenas ao próprio setor, a escolha de atender ao chamado, ou tratá-lo apenas como mais um tópico à mesa. Seja qual for a escolha, um fato está sedimentado: as decisões e ações determinadas na atualidade, serão o ponto de virada para todas as cooperativas. Queiram elas ou não.
“Hoje as lideranças nas cooperativas têm entendido a importância e as grandes vantagens da intercooperação. A tendência é esse processo ser cada vez mais presente e em questões cada vez mais relevantes”
– REMACLO FISCHER
“Avançar na intercooperação ganhou cunho inadiável”
Dando continuidade a essa discussão, a MundoCoop também conversou com exclusividade com o Chefe do Departamento de Supervisão de Cooperativas e de Instituições Não Bancárias no Banco Central do Brasil, Harold Espínola, sobre mais questões a respeito da intercooperação!
Confira aqui!
Por Fernanda Ricardi e Leonardo César – Matéria exclusiva publicada na Revista MundoCoop Edição 113