Domingo de sol, tarde agradável, é a imagem de uma bela oportunidade para um passeio de bicicleta no parque. Pista perfeita, sinalizada. Nada para dar errado, não é mesmo? Mas, um segundo e… você pode voltar para casa com um joelho ralado. Mesmo na segurança da pista do parque em um dia de sol, sempre há riscos, por mais improváveis que sejam. Mas, nada de deixar o passeio de lado. A boa notícia é que, conhecendo esses riscos, é possível optar por mecanismos que os minimizam, como equipamentos de proteção para ciclistas e manutenção preventiva. Esse mesmo raciocínio serve também para qualquer atividade empresarial ou de trabalho.
Reconhecer que há riscos é o primeiro passo para se preparar para lidar com eles, minimizando prejuízos materiais e imateriais. Nos últimos anos, as organizações têm demonstrado maior preocupação com a gestão de riscos. Isso ocorre porque as empresas enfrentam um ambiente de negócios cada vez mais complexo e dinâmico, que exige proatividade na gestão de riscos, segundo Roberto Decourt, doutor em Administração e professor de Pós-Graduação em Ciências Contábeis e Finanças da Unisinos. “Além disso, as crises recentes como a pandemia da covid-19, escândalos de corrupção e vazamentos de dados, aumentaram a conscientização sobre a importância da gestão de riscos e seus impactos na reputação e nos resultados financeiros das empresas”, adiciona.
Decourt reconhece que a gestão de riscos não é totalmente à prova de falhas, e há sempre espaço para aprimoramentos. Mesmo as melhores práticas e políticas podem não ser suficientes para evitar crises com potencial de prejudicar a reputação da empresa. Mas, agir apenas diante da ocorrência do problema é a pior forma de lidar com o risco.
Cultura da gestão de riscos
Entre as boas práticas da atividade estão a identificação, a avaliação e o monitoramento contínuo desses riscos, e a implementação de políticas e procedimentos que permitam gerenciá-los. As tecnologias, como inteligência artificial e a análise de dados, também são ferramentas eficientes para auxiliar a identificação e mitigação dos riscos. Importante entender que todas essas ações precisam estar integradas à estratégia da empresa e alinhadas aos objetivos de longo prazo, além de envolver a alta administração e todos os setores e demais pessoas da empresa, integrando a cultura organizacional.
Josiane Brighenti, docente da Escoop e profissional de Gestão de Riscos e Compliance afirma que desenvolver a cultura da gestão de riscos é o principal desafio diário, pois, “se não houver um engajamento, é muito difícil que a gestão de riscos possa ocorrer de fato”. Ela descreve, enquanto profissional da área, que cada processo exige o mapeando dos riscos envolvidos, una avaliação se os controles internos já são suficientes para mitigá-los, o impacto que pode trazer e as vulnerabilidades que a empresa esteja suscetível. Outro passo é tornar cada área é responsável pela gestão dos riscos de seus projetos. “Cada setor é o responsável primário; os profissionais de gestão de riscos estão na segunda linha, como suporte técnico; e a terceira linha, fica a cargo da auditoria interna”, ilustra.
Riscos e decisões
A gestão de riscos é um tema transversal, que permeia todas as etapas do processo de tomada de decisão. “Os gestores devem estar conscientes dos riscos envolvidos em cada decisão, seja ela estratégica, operacional ou financeira”, pontua Decourt.
“Toda tomada de decisão deve ser precedida por uma análise de riscos”, concorda Josiane Brighenti. “Muitos deles não podem ser eliminados, porque são inerentes ao ambiente ou ramo de atuação da empresa. O que a gente pode fazer é trabalhar para minimizar possíveis impactos e as vulnerabilidades da organização, investindo e melhorando controles internos, tecnologias e capacitação de pessoas”, pondera.
Veja no quadro ao lado, algumas recomendações fundamentais à efetiva gestão de riscos e apoio à elaboração de estratégias para a contenção de crises e mitigação de danos à imagem e reputação organizacional. Esse rol pode ser adaptado de acordo com fatores intrínsecos de cada empresa como ramo de atividade, tamanho, complexidade das atividades entre outros.
A gestão de riscos no dia a dia da empresa:
- Estabelecer comitê de gestão de riscos, composto por representantes de todas as áreas da empresa para coordenar e monitorar a gestão de riscos
- Identificar e avaliar os riscos aos quais a empresa está exposta seus possíveis impactos
- Criar planos de ação para a mitigação da efetivação do risco e para crises e consequências negativas decorrentes
- Monitorar e atualizar continuamente os riscos e seus planos de ação, de acordo com as mudanças no ambiente de negócios
- Comunicar os funcionários a respeito dos riscos identificados e treiná-los como agir
- Preparar um plano de ação rápida para contingência de crise e impactos na imagem e reputação da empresa
- Avaliar e revisar as estratégias regularmente as estratégias de gestão de risco para assegurar sua eficácia
Ameaça pode se tornar oportunidade
“O termo chinês para a palavra ‘crise’ (‘wei-ji’) fala de duas coisas: perigo e oportunidade. Isso mostra que, apesar de ser comumente associada a perigos e ameaças, uma crise pode ser também uma oportunidade para a empresa”, comenta Decourt. O professor indica que esse processo de gestão não precisa ser visto apenas como uma maneira de evitar prejuízos financeiros e de imagem. Pode também ajudar a empresa a fazer de um risco uma oportunidade de mercado. “A gestão de riscos pode ser uma fonte de descobertas, desde que a empresa esteja disposta a inovar e investir em novas soluções para aproveitar as oportunidades que surgem”, acrescenta Decourt.
Quando a empresa enfrenta um risco, qualquer que seja, precisa decidir estrategicamente como lidar com a situação. É nesse processo de avaliar a fundo a situação para encontrar a melhor solução que as possibilidades de mercado podem surgir. “A empresa pode identificar uma oportunidade de desenvolver novos produtos ou serviços que atendam às necessidades dos clientes que ainda não foram contempladas pelos concorrentes. Ou ainda, pode aproveitar um risco ambiental para investir em práticas sustentáveis e atrair clientes preocupados com o meio ambiente”, exemplifica.
Compliance e gestão de riscos andam juntas
A sinergia entre compliance e gestão de riscos é relevante ao dia a dia da empresa, pontua Josiane Brighenti. Compliance diz respeito a conformidades com diretrizes, normas, legislações, à integridade das atividades da organização e, em todos esses pontos, há riscos. “É preciso sim analisar os riscos de conformidade regulatória, de integridade. Quanto mais transparente a empresa for sobre a sua prestação de contas, maior vai ser sua credibilidade no mercado, diante de seus investidores, clientes e até mesmo concorrentes”.
O PAPEL ESSENCIAL DA COMUNICAÇÃO NA GESTÃO DE RISCO
A comunicação tem papel fundamental e estratégico na gestão de riscos. Ela é imprescindível na leitura do cenário social, apontando para os líderes e gestores a necessidade de atitudes preventivas. Faz a ponte entre a manifestação da sociedade, por meio do monitoramento de redes sociais e de outros canais e ambientes diversos de comunicação, para sensibilizar os gestores sobre os assuntos mais relevantes e que podem impactar a empresa. Deve ainda desenhar as estratégias de comunicação de risco, manter toda a política e protocolos de comunicação prontos, para agir rapidamente nos casos de crise. Além de treinar as pessoas para atuarem nos momentos difíceis, promovendo capacitações e simulações.
Entretanto, para cumprir seu papel, a comunicação precisa ser legitimada pela alta administração. “Deve ser ouvida em pé de igualdade com as demais áreas e deve pensar junto as estratégias, não apenas executar o que os outros pensaram. A comunicação precisa promover os tensionamentos, fazer as perguntas difíceis, apresentar e analisar dados e construir posicionamentos não só comunicacionais, mas de negócios”, defende Rosângela Florczak, professora e consultora na área de Comunicação Corporativa e Gestão de Reputação, especializada em Prevenção e Gestão de Crise.
Na visão de Rosângela Florczak, fatores externos às organizações como novas exigências do mercado, postura mais ativista dos consumidores e ampliação da consciência social, têm levado, especialmente àquelas que negociam suas ações na Bolsa de Valores ou que trabalham com temas, produtos e serviços sensíveis, a vislumbrar seus riscos. Entretanto, aponta ela, estamos longe de ter uma cultura de segurança, ou cultura de cuidado, como ela denomina. “Precisamos, a partir das necessidades comunicacionais, desencadear um grande movimento de proteção de nossas pessoas, capitais sociais e reputações. Construir um sistema de prevenção e gestão de riscos e crises é fundamental e urgente”, diz.
As marcas na comunicação digital
Os canais digitais de comunicação são ambientes de grande relevância quando tratamos de gestão de risco. Suas dinâmicas possibilitam inclusive um potencial viral, o que torna ainda mais árdua a contenção de uma crise, por exemplo. Rosângela Florczak comenta que a organização não pode as mídias digitais apenas como sendo só mais um canal de comunicação.
“Nas plataformas midiáticas digitais é necessário cuidado permanente com a exposição indevida, com a coerência entre o que se diz e o que se pratica, e manter abertura constante para o diálogo, para o reconhecimento dos erros e para a troca fluída”. No ambiente digital não há comunicação hierárquica, mas sim o diálogo igualitário e horizontal. A marca precisa ter humildade e cautela, fundamentalmente”, orienta.
Josiane Brighenti entende também que o risco principal em relação à forma de comunicação da empresa nesses ambientes é quanto à sua reputação. “Qualquer deslize da organização, digamos assim, pode resultar desde perda de clientes até perda de credibilidade no mercado como um todo”. E lembra que o profissional de gestão de risco precisa também acompanhar como a comunicação acontece. “É preciso sempre analisar, antes de qualquer comunicação, divulgação ou campanha publicitária, os possíveis efeitos e impactos, principalmente quando abrangem temas que são mais sensíveis à sociedade”, aconselha.
Por Nara Chiquetti – Matéria exclusiva publicada na Revista MundoCoop – Edição 111