O Brasil está em inadimplência. Diante da recente recessão global, o aumento de preços e diminuição do poder de compra, mais brasileiros a cada dia deixam de pagar as suas contas em dia. Tal cenário se desenha na Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), realizada pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), que em novembro registrou um novo recorde no país. Hoje, 78,9% das famílias brasileiras estão em situação de inadimplência. Destas, 30,3% possuem contas em atraso, e 10,9% não sabem se terão condições de pagar as suas contas.
Neste contexto, automaticamente é possível imaginar que pelo menos uma parcela da população busca constantemente resolver essa situação, seja para “limpar o nome” diante do mercado, ou apenas ter a tranquilidade de saber que suas contas estão em dia. Contudo, isso não é o que acontece; e um fenômeno intitulado “fobia financeira” tem tomado conta do cotidiano de diversas famílias. As cooperativas de crédito, que atuam diretamente nesse aspecto de seus cooperados, estão se tornando agentes diárias no combate a esse movimento.
Abrindo a mente para o problema
Muito além do que “não gostar de falar sobre dinheiro”, a fobia financeira traz um patamar ainda mais perigoso sobre esse aspecto da vida de cada indivíduo. Segundo especialistas, a fobia financeira é diagnosticada quando há o medo de simplesmente acompanhar a vida financeira, seja abrindo o aplicativo do cartão de crédito ou vendo o extrato do banco. Para essas pessoas, encarar a situação financeira resulta em problemas emocionais e até mesmo, pode levar à ajuda médica.
Para Cristiane Amaral, gerente da Fundação Sicredi, isso se explica pela conexão que possuímos com o dinheiro. “O dinheiro é essencial na vida de todos e vai muito além do aspecto financeiro. Ele se relaciona com escolhas profissionais, oportunidades, projetos, sonhos, segurança, conforto, emoções, relacionamentos, entre outras questões”, explica. Diante dessa constatação, estudos rapidamente buscaram analisar esse cenário, e hoje possuímos pesquisas embasadas, que corroboram a relação entre o emocional e a vida financeira. “A evolução do tema, especialmente pela perspectiva da psicologia econômica e das ciências comportamentais, mostra que, quando o dinheiro falta, ou existe uma sensação de grande insegurança, todo nosso foco e energia são direcionados para essa escassez, nos impedindo de pensar em soluções, o que contribui para a manutenção ou piora da situação financeira”, completa.
O dinheiro garante conforto, experiências individuais e coletivas e direitos básicos, como a alimentação. Por esse motivo, colocar um fim na inadimplência não é um desejo apenas de uma pessoa, mas também de toda a sociedade. Prova disso, está nas cooperativas. Guiadas por seus sete princípios, sendo um deles o interesse pela comunidade, grandes sistemas de crédito como o Sicoob, Sicredi e Unicred atuam diretamente no campo da educação financeira, de forma a garantir segurança e conscientização, para seus cooperados.
Segundo Amaral, tal atuação do setor é essencial para a estrutura socioeconômica, algo que aumenta o grau de importância de tal posicionamento. “As cooperativas desempenham um papel fundamental de levar conhecimento sobre educação financeira para seus associados e comunidades, auxiliando as pessoas a melhorarem sua relação com o dinheiro”, explica. Através de atividades realizadas durante o ano todo, as cooperativas do ramo crédito tem se conectado cada vez mais ao tema, participando inclusive de grandes iniciativas federais como a Semana de Educação Financeira – ENEF, que acontece atualmente.
Com programas que levam em consideração a realidade do cooperado, as cooperativas apostam em um atendimento diferenciado, adequando-se a cada contexto em que os programas são aplicados. “As cooperativas avaliam e adaptam as frentes de trabalho e disseminação do tema de acordo com a realidade local e dentro da jornada de aprendizagem, de modo que possam contribuir com a necessidade do público participante: seja para ampliar a percepção sobre a relação com o dinheiro até aplicar, de maneira prática, os conteúdos, estratégias e ferramentas disponibilizados pelo Programa”, frisa.
Dentre as iniciativas que buscam utilizar a educação para combater a fobia financeira e a inadimplência, o Sicredi desenvolve o Cooperação na Ponta do Lápis. O programa, que existe desde 2016, conta com ações de sensibilização e de aprofundamento, e materiais de sustentação, direcionadas a públicos diversos, como Pessoa Física, PJ MEI, Adolescentes, Crianças, Agricultura Familiar, Renda Popular e Investidores. O Sicoob por sua vez, possui o programa Se liga Finanças, destinado a jovens entre 15 e 29 anos de idade e as clínicas financeiras, com atendimento com foco em finanças pessoais. Para completar, o sistema ainda promove palestras e workshops sobre educação financeira. Além destes, a Unicred também atua na fronte em prol dessa causa. Entre as iniciativas, está a Unipoupe, programa de formação sobre educação financeira, que tem como propósito colaborar para a transformação e acessibilidade em relação ao conhecimento em finanças, e que já formou mais de 2 mil pessoas. Somado a ele, o sistema de cooperativas ainda oferece oportunidades através do Unicred.edu, programa de educação financeira e empreendedora criado especialmente para alunos universitários.
Trabalho além do bolso
Para que o problema da inadimplência seja resolvido, é preciso humanizar os ambientes bancários. Afinal, o cooperado que busca ajuda para seu problema financeiro, busca também alguém que o auxiliará na resolução disso. Por este motivo, as cooperativas tornam-se cada vez mais, os ambientes mais acolhedores neste sentido.
Para Amaral, explorar essa conexão cooperado-cooperativa é o ponto chave para que o diálogo sobre finanças seja novamente estabelecido. “A proximidade com o associado, com o público e com a particularidade de cada região onde estamos presentes, permite que incentivemos atitudes conscientes em relação aos recursos financeiros. Atuamos com interesse para entender cada necessidade, apoiar no tema e ser um agente transformador das comunidades onde estamos inseridos, promovendo o uso das soluções financeiras com consciência e responsabilidade”, destaca.
Ao estender a mão para o associado, a cooperativa tem a capacidade de ajudar a mudar uma vida. Um cooperado financeiramente saudável buscará mais oportunidades de desenvolvimento, melhorando sua vida pessoal e o seu entorno, e consequentemente criará condições para um futuro mais tranquilo. E com a ajuda de programas sociais que auxiliam também na saúde emocional das comunidades, as cooperativas criam o ecossistema ideal para que o cooperado tenha condições de superar seus medos e seguir em frente. “Para melhorar nossa relação com o dinheiro, não adianta apenas conhecer sobre finanças. Precisamos olhar para nossas emoções, nossos desejos, nossas necessidades e considerar o contexto de tomada de decisão em nosso dia a dia, pois tudo isso impacta em nossas finanças”, finaliza.
Por Leonardo César – Matéria publicada na Revista MundoCoop edição 110