Não é inédito o fato de que o mundo clama por novas formas de cultivo. Com a demanda alimentar cada vez maior, produzir mais é um desafio. Diante destes cenários, entidades, organizações, startups e cooperativas tem se unido em um movimento coletivo, em prol da busca por novas técnicas, enquanto renova a terra e exerce o menor impacto possível no meio ambiente.
Neste contexto, que uma cooperativa de Minas Gerais chamou a atenção de uma startup francesa, dando início à uma parceria pioneira para o Brasil. Com um forte trabalho desde a sua fundação em 1979, a Cooperativa dos Cafeicultores da Região de Lajinha (Coocafé) foi a escolhida para o projeto de produção de biochar, a partir da palha de café. O desenvolvimento da técnica, inédita no Brasil, foi possível a partir de uma proposta da startup NetZero, que junto a cooperativa, apresentou o projeto em um encontro realizado em Lajinha, região das Matas de Minas, em Minas Gerais.
Para Pedro Antônio Silva Araújo, diretor de produção e comercialização da Coocafé, a parceria veio no momento certo. “A Coocafé está sempre em busca de novas técnicas e de desenvolvimento para a região em que atua. Entendemos que esse é o momento de o cooperativismo colocar em prática ações que levam soluções para amenizar os efeitos climáticos, por isso acreditamos no projeto da Netzero”, explica.
Mas afinal, o que é o biochar? Para entendermos melhor esse composto que deve revolucionar a relação do cooperado com o campo, precisamos voltar um pouco na história. O biochar, ou carvão vegetal, tem suas origens nos povos nativos do Brasil. Ao longo da história, observou-se uma alta produtividade em terras indígenas, onde a presença de “terra preta” é dominante. De maneira inconsciente, estes povos originários realizaram ao longo de centenas de anos, a queima de madeira e outros resíduos das culturas que cultivam, resultando em um composto que imeditamente ajudou no enriquecimento do solo.
Tais resultados surpreendentes chamaram a atenção de estudiosos, como destaca Pedro Figueiredo, Diretor Técnico da NetZero no Brasil, e Olivier Reinaud, Co-fundador da NetZero. “Dada a alta produtividade observada nas culturas desenvolvidas nessas áreas denominadas terra preta, houve a natural curiosidade de estudiosos em conhecer o segredo por trás dessa alta produtividade. Ao analisar o terreno, observou-se uma grande presença de carvão. Ao analisar mais profundamente esse carvão, verificou-se que ele tinha certas propriedades que o mantinha estável no solo por longo período”, explicam. Esse composto, presente na cultura centenária dos povos nativos, é agora o pilar para a construção da agricultura do futuro.
O biochar é um biocarvão produzido a partir da pirólise, um processo de aquecimento de biomassa (materiais orgânicos como resíduos de madeira, casca de arroz e lodo de esgoto, que seriam descartados no ambiente), sem a presença de oxigênio. O resultado é uma massa semelhante ao carvão tradicional, mas com alta capacidade de retenção de água e nutrientes, trabalhando no solo como uma espécie de “esponja”. Com isso, diversos ganhos são possíveis, como o aumento da produtividade em até 30%, a redução da necessidade de uso de fertilizantes em até 30% (graças à capacidade de retenção de nutrientes), correção do PH do solo e ainda, a redução de custos de manejo dos resíduos da agricultura.
No contexto criado pelo projeto, a Coocafé servirá como a base para o seu funcionamento. A palha de café, coletada pela cooperativa, terá como destino os depósitos da NetZero, onde o processo de conversão em carvão vegetal será realizado. Araújo, destaca que nesta cadeia de parcerias, o cooperado está no centro de tudo. “Desde que iniciou a parceria com a Netzero a Coocafé tem envolvido os cooperados no processo de fornecimento da palha de café que resultará em muitos benefícios para o produtor. Como, por exemplo, parte do biochar produzido com essa palha e energia serem devolvidos para o produtor”, ele ressalta.
Apesar de ser um importante passo na busca por recursos sustentáveis, o projeto entre a Coocafé e a NetZero é apenas o expoente de uma grande mudança. Com dimensões continentais, o Brasil hoje é uma potência alimentar. E consequentemente, sua produção gera um montante de resíduos de biomassa suficientes para tornar a produção de biochar uma atividade de grandes proporções no país.
“O Brasil tem uma infinidade de disponibilidade de resíduo agrícola. Somente o país, poderá gerar centenas de milhões de toneladas de CO2 capturados num curto espaço de tempo. O apoio dos governos estaduais e federal são extremamente importantes, mas o cooperativismo pode ser o grande fiel da balança para que o Brasil se torne o grande sequestrador de CO2 do mundo através do biochar. Por quê? A resposta é relação de confiança. Uma vez abordado um produtor tendo como respaldo e suporte o nome de uma cooperativa, o caminho se torna muito mais fácil para a aplicação dessa técnica”, destacam os representantes da startup francesa.
Para a Coocafé, o projeto traz ótimas perspectivas, demonstrando um potencial de impacto positivo para o curto, médio e longo prazo. “A expansão pode ser realizada através da intercooperação ou de parcerias. A perspectiva é que a nossa com a NetZero já consiga produzir e entregar o biochar até a próxima safra, e que os resultados sejam alcançados o mais breve possível”, finaliza.
Iniciativas como essa são o símbolo de um novo futuro. Constrói-se aqui não apenas uma parceria de negócios exemplar, mas também um novo relacionamento com a terra, usufruindo de seus recursos para produzir mais, diminuindo os impactos no longo prazo. Olhar para o novo, será essencial em um momento onde construir uma sociedade sustentável é uma missão de todos. E o momento de colocar as mãos na massa, é agora.
Por Leonardo César – Redação MundoCoop