Nos últimos anos o mercado mundial de insumos passou por grandes transformações. Além da pandemia de Covid-19 que afetou diretamente o transporte de cargas, mais recentemente a guerra entre Rússia e Ucrânia colocou um sinal de alerta sobre o setor, evidenciando a dependência de alguns países que importam a maior parte dos suprimentos que necessitam para viabilizar a produção agropecuária.
Além de tais fatores, que colocaram o mundo em um estado de tensão, a alta do dólar e a crescente demanda por insumos levaram à um grande aumento no preço de aquisição, encarecendo a safra e colocando dúvidas no colo do produtor. Neste cenário, não apenas os defensivos e fertilizantes registraram alta, mas também tratores e outros equipamentos essenciais.
Neste contexto, o Brasil rapidamente sentiu o impacto de seu posicionamento no mercado global: mesmo tendo lugar de destaque na produção agroalimentar e sendo pilar da segurança alimentar global, o país ainda carece de uma produção em massa de insumos indispensáveis para as centenas de milhares de lavouras distribuídas por todo o país. Dentre os insumos que mais importa, o potássio – essencial para todas as culturas que o país possui – traz o maior ponto de atenção: hoje o país compra 96% de todo o seu potássio. Com a Rússia e Bielorrússia respondendo por cerca de 40% da produção e exportações globais de potássio, segundo a Nutrien, o país foi diretamente afetado pela guerra na Europa, colocando todo o agronegócio em sinal de alerta.
Diante de tantas variáveis e preocupações que se estenderão para 2023 e além, as cooperativas encontraram nesse mercado uma nova oportunidade de atuação, a de venda e revenda. Dependentes deste mercado tanto quanto empresas tradicionais, o setor rapidamente buscou estender seu braço para empresas e outros players que já atuam na produção e distribuição de insumos no país e no mundo. E através de parcerias já consolidadas, deram um importante passo.
Um mercado em desenvolvimento
Em levantamento divulgado durante a Andav 2022, o mercado de distribuição de insumos alcançou um novo patamar de faturamento em 2021, ultrapassando a marca de R$112,6 bilhões. Dentro deste montante, a área de insumos respondeu por R$35,1 bilhões, fatia que expressa o potencial de mercado concentrado no setor. Dominado por empresas privadas, o mercado de suprimentos agrícolas movimenta números estratosféricos no país, volume que garante o pleno funcionamento da cadeia de produção nacional.
Guiadas por esses grandes players, as cooperativas agro prontamente se voltaram para esse mercado. Em análise divulgada pela ZMP Consultoria, tal incursão do cooperativismo na venda e revenda de insumos já rendeu R$45 bilhões em faturamento no ano passado, com R$13 bilhões concentrados apenas na venda de defensivos. Para João Vitor Zampieri, sócio consultor na ZMP, a mudança de olhar que o Brasil vem criando sobre a sua situação neste contexto, foi um dos grandes fatores que motivaram as cooperativas a perseguirem essa nova área de atuação. Neste quesito, ele destaca dois pontos importantes.
“Por um lado, tivemos o fator de mercado, alto preço de commodities e aumento do preço de insumos. Esse ambiente favoreceu os negócios e resultou em crescimento do faturamento. Por outro lado, vemos ações específicas ao cooperativismo como o investimento em profissionalização e desenvolvimento dos consultores técnicos e gerentes de filiais; a criação de comitês e conselhos executivos para desenvolver estratégias e modernizar a gestão; a expansão geográfica, principalmente nos estados de MS, MT, GO e MG e o fortalecimento da indústria, no caso das cooperativas verticalizadas”, frisa.
Com a crescente modernização e profissionalização das cooperativas, criou-se o cenário ideal para que elas dividissem espaço com grandes empresas do ramo de insumos. Com décadas de história, elas conquistaram seu lugar rapidamente, algo que Zampieri destaca como mérito do próprio setor. “A credibilidade das cooperativas junto aos cooperados, credibilidade junto às instituições financeiras e musculatura para tomada de crédito foi importante, porque o produtor tinha medo de ficar sem produto para a safra”, explica.
Neste sentido, a entrada das cooperativas neste novo segmento se deu de forma natural, uma vez que os insumos constroem um importante pilar necessário para a continuidade das atividades do setor. “As cooperativas são um importante meio para aumentar a produção de insumos no Brasil. Há uma tendência natural que coloca o setor aos poucos, no mercado de biológicos, uma vez que este é um produto essencial para o produtor”, destaca Jairo Marcos Kohlrausch, superintendente Comercial da Cotrijal.
Com um mercado a todo vapor, as cooperativas iniciaram o difícil desafio de ingressar nessa competição. Ao invés de se tornarem produtoras, a resposta para escalonar resultados veio a partir de grandes parcerias, que reuniram cooperativas e empresas em prol de um grande movimento de integração. Diante do desejo de fortalecer esse braço de atuação, aquisições e parcerias mostraram plena confiança do cooperativismo no potencial representado pela venda e revenda de biológicos. Entre os casos mais notáveis, destacam-se a Coopercitrus, que adquiriu a loja de venda de insumos de Goiás, Tamburí Agronegócios. Outros exemplos incluem a Cotrijal, que incorporou a Coagrisol; a C.Vale, que incorporou a Cooatol, e muitas cooperativas expandindo no segmento de máquinas agrícolas, a exemplo da Coplacana, com a Massey Ferguson, e a Cocamar com a John Deer.
Competição amigável
Apesar da concorrência, a entrada das cooperativas nessa dinâmica mercadológica tem sido vista com bons olhos por grande parte das empresas. Com mais um importante elemento atuando na criação de um ecossistema de atendimento a essa que é uma das grandes demandas do produtor, espera-se que a logística pré-guerra e covid seja retomada em um futuro próximo, algo que já é observado por membros do setor. Além disso, com as cooperativas presentes neste mercado, criou-se um contexto em que o pequeno produtor possui mais chances de obter seus insumos de forma rápida e com custo-benefício alto.
Para Giuliano Igarashi, Gerente de Acesso ao Mercado da Divisão de Soluções para Agricultura da BASF, as cooperativas desempenharão um grande papel no desenvolvimento desse segmento, contribuindo de forma exponencial para o seu fortalecimento nos anos que virão. “Entendemos que a capilaridade das cooperativas e a presença que elas possuem com os cooperados é determinante para a longevidade da agricultura. Outro ponto importante a ser destacado é a verticalização que observamos nas cooperativas nos últimos anos, que trouxe avanços na gestão, qualidade de atendimento ao cooperado e profissionalização”, ressalta. Sendo responsáveis por segurar os resultados do PIB nos últimos anos, o ramo agro tem se firmado como grande pilar da produção nacional, algo que é reconhecido por empresas de fora do setor. “As cooperativas agropecuárias têm se destacado na economia brasileira e estão cada vez mais organizadas e com definições estratégicas muito claras. Esses avanços com certeza beneficiam não só empresas como a nossa, como os agricultores no geral, as comunidades nas quais estão inseridas e o legado da agricultura brasileira”, complementa.
Presentes em grandes lavouras e pequenas plantações, a capacidade de alcance das cooperativas é igualmente destacada como essencial para o desenvolvimento do mercado de insumos, uma vez que pequenos produtores e a agricultura familiar tem ganhado ainda mais espaço na mesa do consumidor, dentro e fora do Brasil. Para Renato Seraphim, Chief Marketing Officer na UPL, criar parcerias com as cooperativas é um importante caminho para a construção de um mercado de insumos ainda mais forte.
“A UPL tem sido grande entusiasta e parceira das cooperativas agropecuárias, em toda sua história no país. Inclusive, temos programas de relacionamento que nos possibilitam estar sempre próximos desse público tão essencial para o comércio legal e seguro de defensivos agrícolas e de fertilizantes. As cooperativas têm essencial papel na distribuição dos produtos e contam com equipes especializadas que conhecem a fundo os problemas locais, facilitando a indicação dos melhores tratamentos para as plantações”, comenta.
Futuro em construção
Apesar de possuir uma presença que já é sentida pelo agronegócio como um todo, as cooperativas possuem um longo caminho pela frente, algo que demandará um longo trabalho delas, principalmente na busca por um entendimento maior da dinâmica dentro do mercado interno e externo, além da exploração de novas oportunidades, como a futura produção de insumos. Neste último item, as cooperativas devem ser um grande pilar para o Brasil, que busca rapidamente mudar a sua posição atual, para se tornar autossuficiente na produção de suprimentos.
Para João Zampieri, o setor cooperativo tem plena capacidade de se tornar protagonista. Contudo, será necessário um momento de reflexão e esforço. “As cooperativas podem ser protagonistas dessa transformação, no entanto, para que o potencial seja alcançado, ainda será necessário a criação de outros modelos de negócio e esse amadurecimento deve levar um tempo. Já existem projetos acontecendo nessa direção, no entanto, muitos entrantes, de dentro e fora do Brasil, também almejam um pedaço do mercado brasileiro de insumos e a concorrência deverá ser ferrenha”, completa.
Com um caminho bem definido para todo o setor, esforços como a pesquisa científica devem ser um dos principais objetivos das cooperativas e de outros players. “Com investimento constante em pesquisa, desenvolvimento de soluções e na industrialização nacional, certamente o futuro para o mercado de insumos será bastante positivo”, explica Seraphim. Além disso, no âmbito federal, iniciativas já buscam reposicionar o Brasil nesse mercado, com a criação do Plano Nacional de Fertilizantes, que deve diminuir as importações nos próximos 30 anos.
Conhecidas por identificar novos mercados e torná-los grandes oportunidades de expansão nos negócios, é possível mensurar o que o futuro reserva o cooperativismo. Com a união de cooperativas agro e empresas alinhadas com seus propósitos, esse ecossistema de cooperação tem plena capacidade de ganhar ainda mais espaço. Elemento vital para cadeia de produção nacional, os insumos podem se tornar fonte de faturamento para as cooperativas, criando diferentes caminhos que as elevem perante outros players no mercado internacional.
Por Leonardo César – Redação MundoCoop / Matéria publicada originalmente na edição 109 da Revista MundoCoop