Historicamente, a desinformação sempre foi um inimigo de grandes movimentos sociais e modelos socioeconômicos. E hoje não é diferente. É possível arriscar que na contemporaneidade está ainda mais difícil distinguir a verdade entre opiniões formadas erroneamente e uma quantidade incontável de informações à disposição, mascarando muitas vezes o real propósito de algo.
Essa tem sido uma pauta recorrente no cooperativismo que, além de ser uma doutrina, representa a coletividade, o trabalho e o desenvolvimento de muitas pessoas através de inúmeros negócios e iniciativas.
O combate ao desconhecimento certamente será um complexo desafio para as cooperativas em 2024, com suas marcas e atuações individuais, mas também para o cooperativismo de maneira unificada. Em debate recorrente já nos últimos tempos, o tema precisa alcançar maiores proporções, apresentando de maneira mais urgente meios efetivos de mudança.
Afinal, por onde começar? A base de tudo também traz a raiz da solução, ou seja, é preciso olhar para a educação. Esse que é um dos princípios do cooperativismo desde sua origem, mais do que nunca, tem se mostrado um caminho determinante para ampliar o movimento cooperativista, inserir o modelo de forma natural na sociedade e, assim, garantir a sua continuidade e importante reconhecimento.
A cultura cooperativista sempre esteve interligada com a educação, mas seu potencial pode ser ampliado, ultrapassando as paredes das cooperativas e alcançando crianças e adolescentes. A analista técnica do Sistema OCB, Priscilla Coelho, conta que a educação cooperativista é responsável não só por promover o empreendedorismo e gestão democrática dos cooperados, mas por transmitir a cultura, principalmente através das escolas. “Algumas cooperativas, compreendendo o importante papel na promoção do princípio do interesse pela comunidade, entendem que a pedra fundamental para a construção de um cooperativismo forte e formação de futuros cooperativistas se dá por meio da educação”, complementa.
Alguns indicadores têm mostrado que as cooperativas escolares estão se multiplicando no Brasil e alguns fatores explicam esse avanço. Para Priscilla, apostar em uma metodologia que coloca o aluno no centro do aprendizado é um deles. “A partir de iniciativas com foco no desenvolvimento de projetos e participação ativa dos estudantes, o indivíduo torna-se o protagonista da geração e construção do conhecimento. “
Esse crescente destaque também coloca em evidência a multiplicidade de maneiras em que o cooperativismo pode se aproximar da juventude através da educação e do ambiente escolar. “As cooperativas “formais”, de diversos ramos, participam como madrinhas no desenvolvimento de projetos, fomentando, promovendo e incentivando a criação e fortalecimento das cooperativas escolares, garantindo o acesso à materiais didáticos e capacitações, abrindo suas portas para que a escola e os alunos possam compreender de perto o potencial promovido pelo cooperativismo, tudo a partir de um empreendimento coletivo”, relata a analista.
É fato que o bom entendimento gera resultados e, nesse sentido, nada mais lógico que apostar na geração que naturalmente possui a comunicação necessária para reestabelecer o cooperativismo em sociedade. Um único movimento centenário, mas com novas vozes posicionadas.
“As cooperativas escolares se mostraram um excelente projeto de formação junto aos estudantes, incluindo a participação de toda a comunidade escolar e local” – Priscilla Coelho, analista técnica
TRANSFORMAÇÃO NA PRÁTICA
A relação entre cooperativismo, educação e comunicação não é um mero achismo. Cases de multiplicam pelo país e comprovam a eficácia dessa tríade capaz de impactar as crianças e jovens e consequentemente, as comunidades.
Imagine criar uma nova chance para um município que estava desacreditado e impactar 36 mil crianças e adolescentes através do cooperativismo? Essa é a história do Sicoob Sarom, que transformou a realidade de São Roque, movimentando a economia através de inúmeras vias, e aposta firmemente no projeto Movimento CoopEducação para continuar disseminando prosperidade.
Na região, o movimento cooperativista não é uma novidade e muito menos motivo de dúvidas. A população foi integrada de tal forma que a cultura cooperativista passou a fazer parte do cotidiano, estando ou não dentro de uma cooperativa. No caso desse projeto em específico, a educação foi o ponto de virada.
O projeto foi o grande responsável por resgatar o município, ao mudar uma dinâmica antiga onde os jovens deixavam a cidade para estudarem e atuarem em outras regiões. Neste contexto, o Sicoob Sarom criou, em 1999, juntamente com um grupo de pais, a Cooperativa Educacional Sarom (CES), mantenedora do Instituto Ellos de Educação. Com uma educação baseada nos valores e princípios do cooperativismo, a cooperativa educacional não apenas ajudou jovens a se formarem no Ensino Superior, mas também no desenvolvimento do comércio regional, valorizando a produção artesanal e familiar.
Buscando trazer o protagonismo para as crianças e jovens da região, o Movimento CoopEducação possibilita que elas vivam o dia a dia da cooperativa e desenvolvam capacidades e habilidades que as prepararão não apenas para assumir cargos de liderança, mas qualquer desafio da vida pessoal e profissional.
Segundo os alunos, em bate papo com a MundoCoop, o Movimento CoopEducação abriu os horizontes em relação ao trabalho em equipe e à importância da vida em comunidade. Larissa, que faz parte de umas das cooperativas do projeto, destaca que passou a integrar o projeto apenas no 7º ano, em decorrência dos atrasos ocasionados pela pandemia, mas para ela a mudança foi significativa. “Foi de zero a mil. O projeto transformou a turma e me transformou, me fazendo compreender a importância de escutar outras opiniões e unir forças em prol de um bem comum”, relata. Larissa, de 10 anos, é presidente da cooperativa da qual faz parte. Ela revela que a cooperativa escolar contribui de forma expressiva com a sua formação. “Foi algo novo, uma experiência para a nossa vida. Integra a cooperativa foi algo inédito e hoje conhecemos bem o que significa fazer parte dela”, comenta.
Além disso, os alunos destacam que ao participarem das cooperativas, os colegas se tornaram mais engajados, com um anseio coletivo em participar das discussões sobre a cooperativa, além do planejamento de atividades para toda a comunidade escolar. E não acaba por aí. Vitor Hugo, de 10 anos, conta que compartilha tudo o que aprende com o seu ambiente familiar. “Desde que comecei a participar da cooperativa, passei a contar tudo que aprendi para meus pais. Meu pai era agricultor, mas tinha o sonho de ser corretor de imóveis. Fui falando sobre o que aprendi, sobre a importância da persistência e do trabalho em equipe, e hoje ele trabalha com o que sempre sonhou”, conclui. Para outros alunos, os aprendizados da cooperativa e tal impacto das atividades pode ser visto de forma direta, na forma como os alunos de relacionam com o seu entorno.
Parte fundamental de todo o ecossistema criado em São Roque de Minas, os professores das cooperativas da região contam que a inserção do projeto aumentou a vontade dos alunos de participarem da vida escolar. E os efeitos se refletiram também nos resultados apresentados pelas crianças e jovens. “Os alunos passaram a entender que o trabalho em equipe é importante não apenas na escola, mas também na casa e em outros ambientes em que eles vivem. O contato com o cooperativismo criou novos valores, com as crianças engajadas em melhorar a vida escolar e na comunidade no entorno”, destaca Natalia, professor de Educação Cooperativa, Empreendedora e Ambiental.
Luciano, professor de Cultura da Cooperação, observa que o Movimento CoopEducação mudou a relação das escolas com os alunos, com elas tendo mais interesse em atuar para formar melhores cidadãos. “Uma escola tradicional tem uma dinâmica diferente. O projeto ensina competências que o diploma não reconhece”, completa.
Criado em 2013, o Movimento CoopEducação já ajudou a levar cooperativismo para 16 municípios onde o Sicoob Sarom atua. Hoje, já são 104 escolas envolvidas, com 2161 professores capacitados e que impactam a vida de mais de 37 mil crianças e jovens.
“É UMA TROCA, É COOPERATIVISMO”
É evidente que o protagonismo do movimento cooperativista está nas pessoas, que representam muito mais o setor que os crescentes números e são as verdadeiras responsáveis pelo cooperativismo sobreviver a mais de 100 anos.
No decorrer dessa caminhada coletiva, há muito o que destacar. Mas o cooperativismo da atualidade tem conquistado merecida evidência. Essa que se traduz em iniciativas como a Aníbal Cred, em Santa Catarina.
Criada dentro da Escola Básica Aníbal César do bairro São Vicente, em Itajaí, a Aníbal Cred é a primeira cooperativa de crédito escolar do país e atende todos os estudantes da escola há alguns meses. Ao todo são 1500 alunos, tidos como cooperados, que movimentam 12 mil aníbals por mês, moeda própria que circula como cédulas reais naquele local.
Em conversa com a MundoCoop, a Diretora Geral da Escola Aníbal César e uma das lideranças da cooperativa, Elenice Furtado, conta que as escolas municipais de Itajaí possuem um componente curricular chamado Projeto Integrador e uma das atividades que essse projeto propõe é trabalhar a educação financeira. “A partir disso, surgiu a ideia de realizar uma prática comum entre as escolas, de oferecer uma recompensa aos alunos em forma de moeda para que, ao final de um período, pudessem trocar por produtos”, explica.
Para dar forma a essa iniciativa, o cooperativismo entrou em pauta. O Aníbal Cred foi criado para fazer circular como uma moeda corrente dentro do ambiente escolar e, através disso, a cooperativa de crédito escolar se tornou uma realidade, com seu funcionamento o mais próximo possível de uma cooperativa financeira.
Hoje, a escola já conta com um site com produtos disponíveis, loja física, a aquisição de produtos disponível a qualquer momento e etiquetação em aníbals. Tudo isso com o objetivo de ainda expandir a ideia de pensar o cooperativismo na realidade, incentivando outras escolas a também reproduzirem o modelo.
“Ao longo dos 20 anos de educação, eu me sinto muito feliz com esse projeto onde estamos vendo resultados fantásticos, com uma aceitação muito boa por parte dos alunos. É um projeto que já deu certo e vai permanecer na escola” – Romero Avelin, Professor da Escola Aníbal César
O propósito de lugar lidar coletivamente por uma causa e fracionar o resultado é o norte da Aníbal Cred que, enquanto existente no ambiente escolar, se transforma também em uma ferramenta de aprendizado constante.
O aluno que tem contato com esse tipo de projeto se forma e sai daquela escola já com a consciência de princípios básicos de cidadania, do necessário parar criar a importante noção financeira para sua vida e, principalmente, dos impactos verdadeiros do cooperativismo.
A AníbalCred, porém, não se limita apenas as suas atividades dentro da escola. Nas redondezas, todo aluno que chegar com o cartão da cooperativa e um documento com foto nas lojas e comércios locais recebem de 10 a 20% de desconto na compra do produto desejado.
A iniciativa, inclusive, já atraiu a atenção de muitas cooperativas financeiras da região, gerando também uma importante relação que pode beneficiar ambos os lados com conhecimento prático, orientação e, claro, futuros cooperados. É um ganho para o cooperativismo.
“Queremos pensar o cooperativismo na realidade e dividir não só o dinheiro, mas também ideias” – Elaine Furtado, Diretora Geral da Escola Aníbal César
O COOPERATIVISMO EDUCACIONAL E SEUS SEGMENTOS
A educação é um dos pilares do cooperativismo, e dentro dele, há diferentes tipos de cooperativas que se preocupam em não apenas oferecer um melhor ensino, mas um ensino pedagógico pautado pelos princípios cooperativistas. Mas você conhece os diferentes tipos de cooperativas voltadas ao tema? Confira abaixo as principais:
COOPERATIVAS EDUCACIONAIS
Constituídas formalmente, as cooperativas educacionais têm o objetivo de trazer melhores condições de ensino para os alunos e condições de trabalho mais favoráveis para professores. Elas se dividem em dois segmentos:
COOPERATIVAS DE PAIS E RESPONSÁVEIS
As cooperativas que são formadas por pais e responsáveis, têm o propósito de manter, gerir e controlar um empreendimento cooperativo incumbido de ser o provedor de uma instituição de ensino, que no caso são as escolas mantidas por essas cooperativas. Os cooperados deste tipo de cooperativas são os responsáveis por promover um ambiente escolar adequado para que seus filhos e/ou prepostos possam estudar.
COOPERATIVAS DE PROFESSORES
As cooperativas educacionais compostas por professores surgem como uma alternativa de inserção no mercado de trabalho, promovendo uma melhor remuneração e distribuição da renda àqueles que atuam nesse segmento. Elas são dedicadas a oferecer melhores serviços e gestão pedagógica, assim trazendo condições mais favoráveis aos professores que as integram.
COOPERATIVAS ESCOLARES
Neste segmento, se encaixa a primeira Cooperativa de Crédito Escolar do Brasil, a Aníbal Cred. Essas cooperativas são criadas com um cunho completamente pedagógico, com o fim de desenvolver atividades que levem os ensinamentos do cooperativismo para dentro do ambiente escolar. Portanto, não são cooperativas constituídas formalmente.
Por Fernanda Ricardi e Leonardo César – Matéria exclusiva publicada na Revista MundoCoop Edição 115