Em 2022, segundo o Anuário publicado pela Organização das Cooperativas do Brasil – OCB, o país chegou a 20,5 milhões de cooperados (pessoas filiadas ao cooperativismo), o que representa mais de 10% da população. Este não é um número isolado e por isso mesmo provoca uma reflexão sobre novas configurações de marca e de branding.
Num texto publicado no M&M em 2017, abordamos o conceito de marcas compartilhadas ou cooperadas para reunir sob a mesma definição algumas marcas especiais que têm em comum o fato de serem criadas e efetivadas para a defesa e a proteção de interesses coletivos e não de objetivos privados.
São basicamente quatro configurações: as cooperativas ou formas jurídicas de cooperação; as indicações geográficas e as marcas coletivas, definidas na legislação de propriedade industrial; o place branding, que trata das marcas construídas em torno de cidades e regiões; e as plataformas colaborativas em rede, que abrangem diversos formatos digitais de compartilhamento. Todas elas nascem da aglutinação de pessoas e parceiros, dependem desse esforço comum para existir e vão gerar resultados a serem apropriados conjuntamente pelos envolvidos nos grupos associados.
Sugerimos essa conceituação, em primeiro lugar, para registrar no branding, de forma estruturada, uma inspiração de compartilhamento que ganha muita força no ambiente digital, uma vez que a internet e as redes, entre seus princípios, pregam e passam a viabilizar todo um universo de conexões e interações para tornar possíveis as mais diferentes formas de cooperação.
De um outro lado, assistimos uma crise crescente dos modelos de negócios concentracionistas, o que reforça ainda mais a necessidade de atenção para novos arranjos de marca que possam incorporar as demandas coletivas do mundo contemporâneo. Se repararmos bem, até mesmo as grandes plataformas digitais, chamadas big techs, estão sendo questionadas e atacadas por excesso de foco na própria performance e descuido com interesses mais gerais. Basta ver a onda de críticas e protestos que atinge Amazon, Facebook, Google e outras organizações similares ao redor do mundo.
Ora, o branding, como um arcabouço cultural e simbólico, dinâmico e sensível às mudanças de cada tempo, tem abertura e condição de incorporar essas aspirações e inquietudes, oferecendo alternativas que acolham as múltiplas vontades de compartilhar, dividir, cooperar e incluir que aparecem no ambiente digital e na vida cotidiana nesses nossos tempos.
Dai a formulação das marcas compartilhadas como aquelas que têm já uma predisposição quase “genética” para isso, pois trazem como razão de ser os fundamentos da convergência e da parceria nos objetivos, da colaboração na execução de tarefas e da apropriação repartida dos resultados entre os agentes participantes.
Tudo isso faz ainda mais sentido uma vez que, além do debate sobre o compartilhamento ir ganhando novos fóruns, é possível constatar que, ano a ano, vem se consolidando um crescimento efetivo dessas marcas compartilhadas, como o caso das cooperativas mencionado na abertura, que cresceram 9% em 2022 na comparação com o ano anterior.
Há uma verdadeira onda de expansão desses arranos colaborativos. Vamos aos exemplos. Ainda no campo das cooperativas, focando especialmente no cooperativismo financeiro, o próprio Banco Central do Brasil atestou publicamente que as cooperativas financeiras são o segmento que mais cresce em todo o Sistema Financeiro Nacional, tendo atingido 9.122 unidades de atendimento em todo o país, o que representa um aumento de 12,5% em relação ao período interior e torna a rede presente em 55,3% dos munícipios brasileiros.
Mas não é apenas o cooperativismo que avança. As indicações geográficas, outra configuração das marcas compartilhadas, depois de um tempo em ritmo lento no Brasil, estão expandindo a olhos vistos nesses novos tempos. Ou seja, as pessoas e grupos também estão sentindo como é importante o reconhecimento de origem ou procedência de produtos e serviços para alavancar o desenvolvimento de regiões inteiras.
Hoje, o país já conta com 102 indicações geográficas, reconhecidas pelo INPI – Instituto Nacional de Propriedade Industrial, dentre as quais se incluem os vinhos do Vale do Vinhedos, o queijo da Canastra, o café do Cerrado, os bordados de Caicó, os calçados de Franca e tantos outros produtos e serviços que identificam e projetam as mais diversas regiões e cidades, mudando para melhorar a vida das comunidades e das pessoas ali.
Além das indicações, existem hoje 287 marcas coletivas nacionais, igualmente reconhecidas pela INPI, reunindo grupos de produtores que se associam para proteger os produtos e serviços do seu respectivo segmento. Um exemplo emblemático é a Anprovin, criada em 2016 pela associação do produtores de vinho das regiões Sudeste, Centro-Oeste e Chapada Diamantina, que protege uma técnica especial e um conceito de plantio e produção com mais de 50 vinícolas já associadas.
O place branding é outro formato de marca compartilhada que merece ter registrada aqui a sua performance ascendente. No caso, trata-se da criação de uma marca em torno de um lugar, o que muitas vezes independe de reconhecimento oficial, mas que se expande como prova evidente da força da coletivização de interesses e esforços para gerar resultados com marcas fortes. Vale citar 3 cases importantes: Tiradentes (MG), Joinville (SC) e Penedo (AL). Cada uma dessas cidades, com suas características e reunindo suas comunidades e outros apoios, vem se consolidando como “marca” a partir de seus atrativos turísticos e culturais. E o place branding não fica só no turismo, basta mencionar o Vale da Eletrônica, em Santa Rita do Sapucaí, e o Porto Digital, em Recife, para ver que esse formato de branding vem ajudando cidades e regiões a criar o seu enredo de empreendedorismo e crescimento coletivo.
Para finalizar, cabe uma menção às plataformas colaborativas em rede (não confundir com programas ou softwares de trabalho em grupo). Aqui são muitos exemplos que vão desde pioneiras como Catarse (financiamento coletivo) e a Cataki (trabalhando com recicladores) até as mais recentes como a Ciclos ( energia e telefonia num formato compartilhado) e a VeganBusiness (crowdfunding em plant-based), além de incontáveis outras iniciativas, tudo comprovando um movimento permanente de expansão.
Além dos fundamentos comuns, todas essas configurações tem características bem singulares: são marcas que já nascem próposito de compartilhamento inscrito em seu código; elas têm história e lastro cultural que gera identidade e pertencimento; são todas articuladas em rede, em consonância com o ambiente digital; e têm compromisso com a ação educativa como forma de inclusão e associação. Com certeza, todo esse conjunto de novas marcas forma uma nova alternativa de branding que cresce e aparece no país e merece atenção, cuidado e apoio como perspectiva de melhoria de vida de comunidades e grupos.
*Levi Carneiro é Brand Advisor da Loggia Comunicação