O fim das restrições sanitárias e o reaquecimento da economia em todo o mundo alteraram bastante a dinâmica do trabalho nos últimos dois anos e, em grande medida, retomaram o espírito de “velho normal” que estávamos acostumados.
No entanto, grande parte desse legado pandêmico” será conservado nos próximos anos e, muito provavelmente, terá um grande impacto sobre as decisões de governos, empresas e, sobretudo, no futuro de vários profissionais brasileiros.
De acordo com um estudo da Federação Getúlio Vargas (FGV), a tendência para 2023 é que empresas brasileiras adotem cada vez mais regimes híbridos de trabalho, nos quais colaboradores poderão escolher os momentos mais adequados para visitar os escritórios e estabelecer uma relação mais íntima com equipes e colegas.
Se de um lado, o modelo beneficia o trabalhador em seu planejamento profissional e na maneira como lida como as atividades domésticas, por outro, o sistema força o profissional a adquirir uma série de hard e soft skills que, na origem, não faziam parte de seu contrato de trabalho e, muitas vezes, podem ser a origem de uma saia justa durante uma call.
Na ilhota doméstica do bem-estar e do autoconhecimento ou nos estertores ocupacionais de uma inovação tecnológica cada vez mais voraz, não é raro ver profissionais aflitos sobre as incertezas do mercado. De estagiários a gestores, de freelancers a CEOs, há um sentimento de desconfiança sobre as práticas convencionais e cultura corporativa como um todo.
Colaboradores querem aproveitar a vida em sua plenitude, empenhar suas tarefas de maneira concentrada e ter mais tempo para ficar próximo daqueles que amam. Em suma, desejam estabelecer outro tipo de conexão dentro de seus locais de trabalho e talvez não seguir mais com tanto afinco as velhas máximas empresariais, como ficar 20 anos na mesma cadeira e se tornar a estrela solitária do escritório.
Com a chegada dos ventos de renovação em 2023, 7 conceitos-ideias despontam no horizonte deste ano como a certeza de um voo mais leve e um transitar tranquilo entre escritórios, coworkings ou apenas nossas escrivaninhas:
1. O home office veio para ficar
Sem sombra de dúvidas, um dos fenômenos mais representativos da pós-pandemia foi o home office, ou, simplesmente, trabalho remoto. Especialistas dizem que a modalidade será cada vez mais utilizada por empresas e contratantes por um simples motivo — ela combina o melhor dos mundos: o bem-estar e a tranquilidade para o empregado e a produtividade para o empregador.
Segundo um levantamento da Central Única dos Trabalhadores (CUT), utilizando a metodologia de uma plataforma norte-americana, 81% dos colaboradores se sentem satisfeitos com o regime de teletrabalho ou com a possibilidade de flexibilizar as jornadas em alguns dias de escritório.
Ainda segundo a pesquisa, mais de três quartos das empresas (78%) pretendem continuar com a modalidade e torná-la algo contínuo na cultura de negócios. Ou seja, se você teve dificuldades em se adaptar à maratona de calls, relatórios e até celebrações a distância nos últimos anos, é melhor ir se acostumando com o “novo normal” dentro do ecossistema empresarial.
2. Não existe mais um único caminho para o sucesso
No passado, era comum ouvirmos que o atalho mais curto para a realização profissional acontecia quando vestíamos a camisa da organização 24h por dia. Embora essa máxima ainda valha para algumas áreas mais tradicionais (finanças, administração, contratos, entre outras), hoje poucos gestores olham para a fidelidade corporativa como uma experiência crucial para o êxito ocupacional.
Na verdade, para várias lideranças do mercado, a espontaneidade, a criatividade e a originalidade se tornam fundamentos mais importantes do que simplesmente seguir ordens ou respeitar as velhas engrenagens do escritório.
Com efeito, um levantamento da universidade de Harvard mostrou que a autenticidade e a confiança estão entre os traços mais desejados por gestores. Nesse estudo, conduzido com mais de 166 empreendedores, os candidatos que se mostraram mais “autênticos” foram 26% mais escolhidos do que seus pares “menos animados”. Assim, se você procura por mudanças em 2023, um simples sorriso pode fazer toda a diferença na hora da dinâmica de grupos.
3. A tecnologia é um meio, e não uma solução
Muito se fala sobre o medo dos aplicativos substituírem equipes inteiras no futuro. É verdade que grande parte das vagas operacionais pode desaparecer nos próximos anos, no entanto, o uso da tecnologia pode ser um grande diferencial para o aperfeiçoamento de carreiras e aprendizado de novas habilidades.
De acordo com um artigo da plataforma de empregos Catho, as novas ferramentas não devem ser vistas apenas como um diferencial, mas sim como um ponto fundamental para decolar carreiras e facilitar a expansão do networking dentro e fora do contexto profissional — principalmente se você estiver num momento de transição de carreira.
4. Soft e hard skills
E falando em se manter atualizado no mundo dos gadgets e bits, outra área que vem ganhando cada vez mais terreno no contexto profissional é o desenvolvimento de competências técnicas (hard skills) juntamente com o aprendizado de aptidões comportamentais e conhecimentos humanos, também chamados de soft skills.
Por muito tempo, os conhecimentos específicos sempre foram mais requisitados do que as capacidades interrelacionais, no entanto, mediante a chegada do teletrabalho e o distanciamento de equipes e colegas do espaço físico, habilidades como empatia, criatividade e resolução de problemas de forma autônoma começaram a ser cada vez mais requisitadas no mercado.
Em tempo, isso não significa que conhecimentos na gestão de pessoas ou processos organizacionais irão substituir o papel de um perito em tecnologia ou a experiência de um especialista de mídia, não se trata disso. O conhecimento humano se conecta diretamente com nossas capacidades técnicas e as potencializa, nunca o contrário.
É por muito isso que muitos gestores acreditam que da fusão das soft com as hard skills nascem as coreabilities, que reúnem inteligência emocional, autogestão, colaboração com o time e, claro, profissionalismo na área específica de atuação.
5. Reskilling e upskilling são o nome do jogo
Dentro desse campo de perícias e aptidões, ficou claro para o mercado e para a maioria das lideranças que a educação e formação técnica devem representar um campo constante na vida de colaboradores. Em outras palavras, para continuar no jogo, trabalhadores de todos os segmentos devem estar dispostos a aprender novas habilidades em seu segmento de atuação (upskilling) ou retrabalhar com mais profundidade algum conhecimento pouco utilizado no seu dia a dia, até eventualmente se tornar um especialista (reskilling).
Decerto, nem todos os trabalhadores estarão dispostos ou têm tempo hábil para se inscrever em cursos de aperfeiçoamento ou cursar pós-graduações. No entanto, a dedicação ao aprendizado sempre configura um diferencial no currículo.
Por sorte, muitas empresas contam com políticas de investimento no colaborador ou possuem parcerias para que a capacitação aconteça durante o expediente. Seja como for, o sucesso no contexto profissional tem um nome certo: lifelong learning, ou em uma tradução livre, a vontade perene de sempre querer ir mais longe, continuar apreendendo.
6. Gig Economy e flexibilização do trabalho
O outro lado da moeda, para quem ainda está se encontrando no mercado e adequando-se às novas regras do jogo, o Gig Economy, também conhecido como o mercado autônomo, desponta como uma alternativa. Na modalidade, trabalhadores vendem seus serviços para aplicativos, cooperativas e demais plataformas low cost que têm alta demanda por mão de obra.
Apesar de grande parte das vagas se destinar a entregadores de delivery, motoristas de aplicativo e até frentistas, existe uma boa parte do segmento que contempla o mercado freelancer, principalmente para artistas, profissionais do audiovisual e especialistas do mundo da comunicação.
É um mercado tão amplo que uma pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) contabilizou, no começo de 2022, 1,5 milhão de trabalhadores nessa categoria, um crescimento de mais de 30% em relação a 2020. Segundo o levantamento, os segmentos que concentram a maior parte da oferta de trabalho (60%) no setor são as áreas de transportes e alimentação, o que significa que nem sempre há diversidade para quem deseja entrar no campo.
Por outro lado, por representar um campo em plena expansão, não faltam vagas e, na maioria dos casos, proporciona autonomia para o trabalhador organizar seus horários e, quem sabe, até planejar sua migração do ramo.
7. O trabalho tem um valor transformador de vidas
Finalmente, mas não menos importante, o conceito de trabalho vem se transformando nos últimos anos. Normalmente, quando pensamos em alguma atividade profissional, geralmente a entendemos como um dever, uma responsabilidade, uma tarefa para ser cumprida de qualquer maneira.
No entanto, o universo ocupacional é muito mais do que preencher planilhas ou escrever relatórios. Para grandes nomes do empreendedorismo como Bill Gates, Luiza Trajano e Roberto Nogueira, que construíram seus impérios com muito suor e dedicação, todo tipo serviço tem um valor inestimável para a formação pessoal de cada profissional.
Para além de abrir oportunidades e expandir a rede de contatos dentro da sua área, a transição dessa mentalidade negativa, propagada por filmes e séries, por um mindset holístico pode representar uma virada de carreira no curto e médio prazo, e talvez uma transformação pessoal duradoura.
O grande trunfo desse raciocínio é mudar o foco crítico e olhar pejorativo que reservamos para colegas, problemas e até para nós mesmos e transformá-lo em algo positivo e factível, o qual pode transmitir harmonia àquele ambiente. Além de melhorar nosso convívio entre os demais, esse giro dentro de nós mesmos permite que encontremos conforto e felicidade nas pequenas conquistas da vida, proporcionando satisfação e bem-estar em cada meta batida e degrau escalado.
* Sulivan França é presidente da Sociedade Latino-Americana de Coaching (SLAC).