“Nunca confio em um homem que não tem inimigos.” Nassim Nicholas Taleb
Ao ler o livro “A coragem de não agradar”, de Ichiro Kihimi e Fumitake Koga, logo lembrei dos aforismos do Taleb. Habituados a buscar ser aceitos, aprovados, apreciados e reconhecidos o tempo todo (ou, ao menos, a maior parte dele), talvez percamos a espontaneidade. E a essência. Conquistar liberdade, satisfação e confiança, parece demandar boa dose de coragem para que a vida seja pautada, não em verdades convenientes, mas na sua própria verdade. O que pode vir a desagradar outros e uns.
A leitura foi veloz e gulosa. Em forma de diálogo, um jovem e um filósofo interagem, com o primeiro desejoso em derrubar as teses do segundo. Assim a abordagem da psicologia adleriana é exposta. Compartilho alguns aprendizados.
Contemporâneo de Freud e Jung, Adler pauta sua psicologia individual na teleologia, o estudo do sentido e do propósito dado às experiências. Tal abordagem se choca frontalmente à etiologia – vinculada à compreensão da relação de causalidade. O que importa não é o que aconteceu, mas o significado imputado às experiências.
“O que devo fazer é enfrentar minhas próprias tarefas, em minha própria vida, sem mentir” – simples assim. Aliás, a simplicidade da vida e o acesso generalizado à felicidade são outros pontos defendidos pelo filósofo-protagonista.
Adler afirma que “todos os problemas têm base em relacionamentos interpessoais”. Por isso, há de se separar as tarefas da vida, compreendendo o que são responsabilidade atribuídas a cada um (o couro come mesmo é quando há interferência na realização das tarefas – a assunção de responsabilidades alheias ou a interferência nas próprias atividades). As tarefas da vida se dividem em três esferas: amizade, trabalho e amor.
Nascidos com sentimento de inferioridade, é natural a nossa busca da superioridade – que se torna um complexo quando baseada em comparações ou busca de reconhecimento. Elogios e críticas seriam desnecessárias nos relacionamentos – sendo suficiente apenas o senso de gratidão. Se alguém atua visando reconhecimento, renuncia à própria liberdade e condiciona-se, tal qual um processo de adestramento – análogo à educação bancária pontuada por Freire.
A abordagem carrega dois fortes pressupostos, que podem parecer paradoxais à primeira vista: ser autossuficiente e viver em harmonia com a sociedade. O primeiro nos leva à compreensão da própria capacidade; o segundo, à crença de que as pessoas são minhas companheiras. E é deste modo que alcanço a felicidade: pela sensação de contribuição e utilidade à comunidade com a qual me comprometi. Afinal, a coletividade só se faz potente à medida que se constitui de indivíduos igualmente potentes – como isso tem sentido em nosso contexto cooperativista!
Para transformar as relações em fonte de alegria, seria preciso construir relacionamentos horizontais com um distanciamento moderado. Verticalidade pressupõe hierarquia e comando – perde-se a liberdade. Proximidade demais atrapalha – perde-se a individualidade e o senso de autossuficiência.
Portanto, para uma vida feliz, não se pode ter medo de ser detestado. Para isso é preciso coragem. “Uma pessoa só tem coragem quando é capaz de sentir que tem valor”, segundo Adler. Como sentir que tem valor sem depender de reconhecimento externo? Através da autoaceitação.
A reflexão de mais impacto em minha leitura foi essa: “Você precisa dar o primeiro passo. Talvez as outras pessoas não cooperem, mas isso não diz respeito a você. Meu conselho é: comece. Sem levar em conta se os outros são cooperativos ou não.”
Ou seja, focar em dar, para na própria ação, amplificar a ciência de sua própria utilidade. Desagradando alguns, vez por outra. Mas… decidir o que desagrada o outro não é tarefa minha – é apenas e tão somente dele mesmo. E pode ser que nada que eu faça seja capaz de mudar sua opinião.
Entender a vida mais como uma dança do que como um jogo traz uma visão de leveza e um senso de urgência. Só o que há é o aqui e o agora. Que nossa energia esteja empenhada em fazer o melhor neste momento – o que foi, não pode ser mudado; o que será, não podemos controlar. Bora dançar, botar a pele em jogo, sem perder de vista nosso compromisso coletivo. Quem sabe assim, então, cada coisa encontre o seu tempo, seu ritmo e o seu justo lugar.
*Maíra Santigo é diretora-presidente da Cooperativa Coletiva