Na última semana de abril participei de um encontro internacional de diretores executivos (CEO’s) que assumiram a posição há pouco tempo. Lá, falamos sobre a liderança num mundo volátil e o desafio de manter a energia e engajamento pessoal e do time. O relógio corre cada vez mais rápido e é preciso criar companhias resilientes, adaptáveis, ágeis e eficientes na gestão dos recursos e dos riscos. Transparência e tempestividade de colocar as discussões difíceis na mesa são constantemente exigidas dos executivos, que precisam liderar a construção de uma cultura onde as pessoas saibam como agir e reagir em cada situação, com delegação clara de papeis. Erros certamente ocorrerão e o que fará a diferença é a coerência, a autenticidade e a transparência das respostas.
Neste contexto, foi consenso no grupo em como se fortalece a necessidade da atração, desenvolvimento e retenção de talentos bem como sobre a prontidão e maturidade da das lideranças para agir em situações de crises, e, para criar uma empresa resiliente é mandatório falar aberta e constantemente sobre riscos, fortalecendo uma cultura de aprendizado permanente.
Dos riscos atuais, o que mereceu especial atenção e ampla discussão foram os relacionados a cyber segurança. Por sua natureza e dinamismo o assunto tende a ficar sempre em nível vermelho de alerta, com alto potencial de ocorrência e impacto.
Outro tema amplamente debatido foi a construção da confiança, assunto que deve estar sempre na mesa dos executivos e do conselho de administração. E é sobre esse ponto que me debruçarei neste artigo, usando como pano de fundo o artigo What Artificial Inteligence Reveals About Trust in the World´s Largest Companies (com tradução livre: O que a Inteligência Artificial revela sobre confiança nas maiores empresas do mundo) produzido e publicado pelo BCG – Boston Consulting Group em maio de 2022.
Da confiança à licença de operar na sociedade
As empresas estão percebendo que a satisfação do acionista não é mais o único impulsionador das organizações. Cada vez mais, os pontos de vista das partes interessadas, ou stakeholders – como também são chamados os públicos que interagem com as organizações – sobre as práticas relacionadas às empresas afetam o valor do negócio; a mídia torna mais fácil amplificar esses pontos de vista que tendem a ganhar uma ampla audiência. A relação agora é na rede de negócios de uma empresa, e reflete na sua atuação como parte de um sistema mais amplo.
Nesta mudança para o capitalismo das partes interessadas o valor não é apenas monetário: a confiança está se tornando cada vez mais importante para o sucesso de uma empresa em recrutamento de talentos; ao seu Net Promoter Score; a sua atuação ESG; e para sua própria licença para operar na sociedade.
A capacidade de avaliar a confiança quase em tempo real pode ser extremamente útil neste ambiente de mudança, tanto proativamente, para informar decisões estratégicas e prioridades, e retrospectivamente, ajudando os líderes a entender como suas decisões anteriores impactaram as percepções das partes interessadas.
Conforme a pesquisa do estudo envolvendo mais de mil das maiores empresas de capital aberto do mundo entre 2018 e 2021, pode-se comparar características emergentes das empresas mais e menos confiáveis da amostra, podendo-se obter insights valiosos sobre as características e práticas que constroem e sustentam— ou destroem — confiança.
Confiança é definida como a disposição de uma parte de ser vulnerável às ações de outra parte. A medição da confiança envolve sua natureza dinâmica. Ela flutua à medida que os indivíduos reavaliam suas percepções com base em novas informações e mudanças de circunstâncias.
Os desafios de medir a confiança: a maioria das medidas de confiança existentes é baseada em pesquisas que investigam atitudes e comportamentos com base no passado. Embora tais avaliações possam ser reveladoras, suas métricas não são granulares e acionáveis; em vez disso, eles normalmente examinam a confiança generalizada em níveis amplos.
Para identificar as menções que se relacionam especificamente à confiança (ou desconfiança), a metodologia da pesquisa categoriza a mensuração de acordo com quatro dimensões:
· Competência: se a empresa pode efetivamente realizar uma tarefa específica, ou seja, se pode cumprir sua promessa aos stakeholders;
· Equidade: quão equitativa e empática a empresa é no cumprimento de sua promessa;
· Transparência: quão abertas e inequívocas são as tomadas de decisão e as ações da empresa;
· Resiliência: a eficácia com que a empresa evita ou se recupera de desafios e crises.
Confiança e geração de valor: percebe-se a relação positiva de percepção da confiança e criação de valor. As empresas mais confiáveis desfrutam de maior resultado, como a recuperação mais rápida durante o auge da pandemia, por exemplo, e melhor desempenho pós crise. As empresas maiores precisam ser ainda mais vigilantes do que outras no monitoramento e gestão da confiança, porque sua visibilidade e tamanho chamam mais atenção das partes interessadas.
A confiança é um fenômeno cada vez mais dinâmico. Durante o período analisado na pesquisa, da lista das TOP 100 empresas no período de quatro anos, o churn, ano a ano, entre os membros da lista foi de pelo menos 50% e chegou a 64% (de 2020 a 2021, durante o auge da pandemia). Essa volatilidade reflete a natureza dinâmica da confiança e ressalta a importância de acompanhá-la de perto. Apesar dessa volatilidade, algumas empresas se classificaram entre as mais confiáveis: 20% das Top 100 mantiveram suas altas pontuações de confiança durante o período de quatro anos de estudo.
Sobre os sentimentos que impulsionam altas e baixas pontuações de confiança: os fatores que impulsionam a confiança são muitos, e é fundamental entender como eles contribuem para construir – ou destruir – a confiança. Para todas as empresas, a transparência e a resiliência foram as que mais contribuíram para o seu índice de confiança.
Destaca-se também a conexão entre confiança com o engajamento dos colaboradores. A partir das classificações da empresa usando o Glassdoor, demonstrou-se a relevância da gestão do clima organizacional dentro de alguns setores como o varejo. Isso pode ser porque funcionários felizes voltados para o cliente criam clientes felizes, aumentando assim a confiabilidade de sua empresa.
Embora as empresas de alta confiança não estejam imunes aos efeitos das crises, as pessoas tendem a percebê-las como empresas que lidam com esses desafios de forma mais eficaz. Nas empresas que, visivelmente, se esforçam para evitar ou mitigar uma crise, as menções a um evento tendem a ter um impacto muito menos significativo em sua classificação geral de confiança. Isso provavelmente é um reflexo da capacidade da empresa de lidar de forma resiliente com crises.
As pessoas avaliam como as empresas lidam com esses desafios de forma mais eficaz, graças às suas bases de confiança mais fortes (como a solidez da governança). O “capital fiduciário”, ou seja, o valor intrínseco que eles construíram, ajudam a protegê-las em grande medida em tempos de crise. Assim, eventos críticos podem se tornar oportunidades de construção de confiança para empresas.
Não se pode esquecer a relevância do desempenho de produtos e serviços como sendo a principal promessa de uma empresa para os clientes, pois eles desempenham um papel previsivelmente crítico na confiança e, sem dúvida, constituem a base de confiança mais visível para as partes interessadas externas. Sem um desempenho sólido de produtos e serviços, a confiança não pode criar raízes ou durar.
Ações para fortalecer a confiabilidade: a pesquisa sugere caminhos nos quais os líderes devem se concentrar, dado seu nível de confiabilidade atual, destacando as principais mudanças de mentalidade e ações que podem tomar para melhorar a posição de confiança:
· Pensar além dos limites da sua empresa: expanda a noção de seu negócio para abrangê-lo como um sistema mais amplo que considere todos os seus stakeholders;
· Identificar e monitorar suas promessas para as partes interessadas: que promessas você está fazendo para seus diferentes stakeholders? As promessas são implícitas ou explícitas (formalmente articuladas)? A empresa está fazendo jus às promessas?
· Definir uma direção: articule uma visão clara de como você quer ser percebido, em relação à sua promessa explícita, e elabore uma estratégia para chegar lá – uma que faça confiança uma parte integrante de como você gerencia seu negócio como um sistema;
· Iniciar intervenções cirúrgicas: tendo determinado sua posição inicial, orquestre movimentos nas três categorias de temas (destruidores de confiança, fundações de confiança e intensificadores de confiança);
· Criar uma estratégia adaptável: reconheça que a confiança é dinâmica. Como as partes interessadas estão implícitas ou explícitas às mudanças de expectativas? Que expectativas não atendidas das partes interessadas estão ganhando destaque ou ressonância? Acompanhe as forças externas e antecipe os momentos decisivos da confiança. Meça, aprenda e adapte-se de acordo.
Confiança, pessoas, cultura e cidadania: percebe-se então que, embora muitas vezes tratada como um mero sentimento, a confiança tem valor econômico – e, na era digital, sua relevância continua a crescer. É essencial que as empresas reconheçam a importância da confiança e compreendam como podem incorporá-la nas suas considerações estratégicas.
E como as empresas são feitas de pessoas, para assegurarmos que estamos construindo a confiança nas relações diárias com os stakeholders, precisamos envolver e convidar todos os colaboradores a ajudar as organizações, seja como promotores de negócios justos, com relações verdadeiras, transparentes e autênticas, seja inspirando-os por meio de uma liderança humana e inclusiva que cria um ambiente de trabalho que valoriza o aprendizado, diálogo e que resulta em orgulho das realizações.
E para as empresas cumprirem com sua licença social para operar, precisam verdadeiramente priorizar a criação de uma cultura que promova os colaboradores a cidadãos corporativos, tornando cada empresa, no seu ramo e especificidade do seu negócio, um agente promotor do desenvolvimento econômico e social, operando de forma competente, justa e transparente.
*César Gioda Bochi é Diretor Presidente do Sicredi e Confederação Sicredi