A COP27 terminou no Egito. Fazemos neste artigo um balanço do que aconteceu nesse evento tão relevante para todos nós: cidadãos, governos e empresas. A COP27 ficou marcada pela necessidade de converter ambição em ação. As COPs, aliás, devem ser entendidas como um processo. A cada ano, avançamos um pouco, por meio do debate entre governos, executivos e especialistas de diversas áreas do conhecimento. É inegável que a COP se tornou um palco democrático de debates, e isso é muito positivo, mas talvez esteja na hora de repensar o modelo para garantir que as promessas sejam realmente cumpridas. Nesse sentido, o secretário-executivo da ONU (Organização das Nações Unidas) para Mudanças Climáticas, Simon Stiell, disse que pretende revisar o processo da COP para torná-lo o “mais eficaz possível”.
A ciência aponta que as emissões de carbono em 2022 estão em níveis recordes. Caso persistam, há 50% de chance de que o aumento da temperatura suba além de 1,5°C em nove anos. O que ficou claro é que não há caminho possível para limitar o aquecimento global a 1,5°C, conforme definido no Acordo de Paris, sem proteger e restaurar a natureza com urgência (por meio dos negócios baseados na natureza, conforme comentaremos neste artigo). Houve compromisso em relação ao combate ao desmatamento, com Brasil, Indonésia e Congo anunciando que criarão a “OPEP das florestas”, uma organização dos países com as maiores florestas do mundo. Tudo isso confere relevância ainda maior à COP15 de biodiversidade, que ocorrerá em dezembro no Canadá.
Um novo fundo financeiro para perdas e danos
As mudanças climáticas aumentam a desigualdade em todo o mundo. Os países ricos fizeram sua riqueza a partir do consumo de combustíveis fósseis, deixando para os países pobres, que não se beneficiaram desse processo, uma imensa conta a pagar com os impactos resultantes das alterações do clima. Depois de décadas de apelo por uma forma de compensação, a COP27 finalmente produziu um acordo para criar o fundo que contempla perdas e danos.
A mortalidade nesses lugares mais sensíveis às alterações do clima é 15 vezes maior do que nos países menos vulneráveis a esses efeitos, de acordo com o relatório “10 New Insights in Climate Science 2022”, elaborado pelas organizações Future Earth, The Earth League e World Climate Research Program (WCRP) e lançado na COP27.
Não houve, no entanto, a definição de um valor para o fundo de perdas e danos. Isso por si só pode comprometer sua efetividade. Além disso, as regras sobre como o fundo funcionará serão definidas apenas no próximo ano, na COP28, que será feita nos Emirados Árabes Unidos. Houve representante de país em desenvolvimento dizendo que essa dinâmica criou, na realidade, uma “conta bancária vazia”. De qualquer forma, vale a pena destacar o reconhecimento na COP27 de que a responsabilidade dos países ricos se estende sobre a reparação de perdas e danos.
Mudanças nas instituições financeiras globais de fomento ao desenvolvimento
Pela primeira vez na história, a COP adotou o discurso da necessidade de uma reforma da arquitetura global de financiamento para que ela esteja alinhada com as metas do clima. A ideia é ajustar a atuação dos bancos multilaterais de desenvolvimento, como o Banco Mundial, e das instituições financeiras internacionais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI), para proporcionar fluxos maiores de financiamento aos projetos de transição energética e aos esforços de adaptação a um planeta em aquecimento.
Essa mudança de postura ocorre porque as mudanças climáticas começam a ser entendidas como um risco macroeconômico, de acordo com Laurence Tubiana, CEO da European Climate Foundation, conforme noticiou a Bloomberg Green.
Negócios baseados na natureza
A COP27 inaugurou uma fase obrigatória para os negócios: os chamados “nature based business” (em português: negócios baseados na natureza). Essas soluções, que estão voltadas para proteger, gerir de forma sustentável e recuperar ecossistemas naturais e modificados, enfrentam os desafios da nossa sociedade moderna de forma eficaz, por meio da conjunção do bem-estar humano e dos benefícios proporcionados pela biodiversidade. Ou seja, em outras palavras, o que se quer é evidenciar que o progresso da humanidade caminha de mãos dadas com a preservação do meio ambiente.
O foco na proteção da biodiversidade conferido pela COP27 foi evidente, com destaque para a iniciativa da Enhancing Nature-based Solutions for Climate Transformation. Ao trabalhar com a natureza de forma sustentável, lidamos paralelamente com a solução das crises ambientais que enfrentamos: armazenamento de carbono, proteção do fluxo de recursos hídricos, preservação da biodiversidade e auxílio às comunidades locais dos efeitos causados pelos desastres do clima.
Mercado de carbono
Na COP27, os países chegaram a um framework de como o mercado de carbono vai funcionar, o que inclui autorizar que as organizações comprem créditos dos governos. Ainda assim, de acordo com os especialistas, apesar desse avanço, ainda não há muita clareza de como essas regras de comércio vão funcionar.
Outras mensagens de igual relevância
As seguintes mensagens foram bastante trabalhadas: precisamos de metas agressivas de redução da temperatura; de monitoramento rigoroso da emissão de carbono; de transparência nos reports da emissão de carbono; e integrar o ESG às estratégias corporativas.
Em relação a esse último ponto, os mercados financeiros podem contribuir bastante. Isso porque, por meio da sua atuação, eles reúnem as condições para elevar o desempenho em sustentabilidade dos setores econômicos que produzem fortes impactos climáticos, permitindo assim uma adaptação eficaz a essa realidade de carbono zero para toda a economia global.
A avaliação é que as empresas e o setor financeiro precisam ampliar escala e velocidade de ação, mas de forma precisa e com base na ciência. Ainda em relação a esse assunto, é importante que o greenwashing seja combatido por meio da definição de padrões que tornem, de fato, transparentes os compromissos por uma economia de carbono zero.
*Ricardo Assumpção é sócio da EY e líder de ESG para a América Latina Sul
Fonte: Agência EY