Quando escrevi a retrospectiva do ano passado, com apostas para 2023, o ChatGPT tinha acabado de ser lançado. Sua criação é tão impactante que o jornal “The New York Times” está processando a Microsoft e a Open IA, suas idealizadoras, afirmando que milhões de reportagens foram usadas sem autorização para treinar o programa. Já há outros aplicativos concorrentes e as possibilidades da inteligência artificial generativa, que é capaz de produzir novos conteúdos com base nas informações existentes, não deixam dúvidas: as mudanças que estão em curso serão mais ou menos da mesma envergadura que as provocadas pela Revolução Industrial.
Em março deste ano, um relatório do Goldman Sachs avaliou que a inteligência artificial poderá acabar com 300 milhões de postos de trabalho nas próximas décadas. No entanto, o levantamento também apontava para o surgimento de profissões diferentes e um boom de produtividade. Para Paulo Oyer, professor de economia na Universidade Stanford, embora os dados sejam alarmantes, o mundo assistirá a uma aguda falta de mão de obra nos países mais desenvolvidos, devido ao envelhecimento da população. Ele reconhece que muitos serão prejudicados, mas haverá compensações, por isso opta por uma visão de copo meio cheio, e não meio vazio.
A grande questão é que a expansão da inteligência artificial está mudando o perfil das funções – o que afeta não apenas os trabalhadores mais velhos. Na verdade, vem diminuindo a necessidade de desenvolvedores júniores de software para novos produtos, porque a própria IA se encarrega da tarefa. Vai ainda influir fortemente na forma como as organizações tomam decisões, graças a simulações mais refinadas do que as tradicionalmente produzidas pelos gestores sêniores.
Num artigo da revista “Forbes”, a frase do escritor Ernest Hemingway sobre como um indivíduo vai à falência – “primeiro gradualmente; em seguida, de repente” – serviu para traçar um paralelo sobre como a IA reconfigurará os contornos da economia. Os empregos não desaparecem de uma hora para a outra, mas vão entrando em declínio, até desaparecer. Na área da saúde, sua utilização dá provas de diagnósticos mais precisos, reduzindo a carga de trabalho de médicos (as) e enfermeiros (as).
Em novembro, no “2023 Century Summit” de Stanford, o professor Oyer participou de um debate sobre a revolução tecnológica e o trabalho, ao lado de Anika Heavener, vice-presidente de inovação da SCAN Foundation (organização de empoderamento de idosos desfavorecidos), e Angela Aristidou, professora da University College London. Heavener frisou que a inclusão digital deve ser uma prioridade, para não deixar ninguém para trás: “mesmo que não seja uma educação formal, o importante é que todos os cidadãos aumentem seus pontos de contato com a inteligência artificial. Pode começar como algo lúdico como, por exemplo, pedir ao ChatGPT para escrever um lindo discurso de fim de ano”.
Para Aristidou, o papel da educação contínua ganhará um peso que as pessoas ainda não conseguem vislumbrar: “será o diferencial para indivíduos de todas as idades, será uma preocupação para famílias com filhos pequenos. Habilidades como inteligência emocional, comunicação, trabalho em equipe e capacidade estratégica serão indispensáveis. Precisamos aumentar nosso repertório, pensar no que temos na nossa caixa de ferramentas, em vez de lamentar o que perdemos”.
Para quem quiser ganhar intimidade com o ChatGPT, basta baixar o aplicativo e aproveitar. Um aviso: como os apps são pagos, quem quiser apenas fazer um teste não pode esquecer de cancelar a assinatura dentro do prazo. Eu pedi o tal discurso sugerido por Heavener para o réveillon e o resultado foi um texto de seis parágrafos com alguns clichês, mas sem erros de português. Segue um trecho: “Cada experiência vivida nos moldou e nos trouxe até aqui, mais fortes e resilientes. É importante reconhecermos o nosso crescimento e valorizarmos cada passo dado ao longo do caminho”. E não é que esse é o tipo de afirmação que faço neste espaço com frequência? Feliz 2024!
*Mariza Tavares é jornalista