Curiosamente, recebi esta afirmação em uma viagem de estudo para a Itália: “A cooperativa não é dos sócios”!
Para mim, um choque conceitual, afinal, desde sempre entendi que a cooperativa pertence aos seus cooperados e nada diferente disto, poderia estar certo. Mas eis que ali, eu estava tendo a oportunidade de ser apresentado para o interessante e porque não dizer, elevado conceito italiano da intergeracionalidade. Nome um pouco complexo, embora, seu conceito, em sua essência, seja uma espécie de ensinamento eterno!
Neste conceito italiano, as cooperativas não pertencem aos seus sócios, pois os sócios são de certa forma, proprietários passageiros de um patrimônio coletivo, que está fortemente identificado e vinculado com os valores e propósitos da comunidade e de seu território, sendo, portanto, a cooperativa, um patrimônio local que pertence àquela comunidade, passa de geração a geração, como um bem maior, uma herança de todos e para todos.
Nesta mesma viagem, pude conhecer uma experiência do tradicional processo de produção do aceto balsâmico, armazenados, em porões de casarões da cidade de Modena, que guardavam barris de aceto produzidos há 20, 30, 50 anos e que valiam uma pequena fortuna.
Pensei comigo que aquelas famílias italianas, poderiam parar de trabalhar, vender aquele estoque de aceto balsâmico (que os pais e avós deles tinham produzido) e com o dinheiro da venda, viajar de iate pelos mares e desfrutar de tantas outras coisas “OU” poderiam continuar produzindo aceto, assim como seus avós e pais, para a riqueza e prosperidade de seus filhos e netos, ou seja, continuar produzindo de forma consciente em prol das próximas gerações, assim como, os antepassados, pensaram na geração deles.
Assim, é possível fazer uma conexão interessante entre o conceito da intergeracionalidade e a tradição de se produzir o aceto balsâmico.
Enquanto geração atual, temos um patrimônio em nossas mãos (a cooperativa), podemos buscar alcançar o máximo de nosso interesse particular em detrimento da cooperativa e acabar comprometendo o futuro e o potencial dela “OU” podemos buscar nossos objetivos individuais e coletivos por meio da cooperativa e cuidar desse patrimônio para fortalecê-lo e deixá-lo ainda melhor para as próximas gerações.
Tenho ciência que nem todas cooperativas se posicionam como um patrimônio local, até porque, de fato, (ainda) não o são, mas quero acreditar que todas, em tese, têm esse potencial e essa oportunidade.
Dentre tantas cooperativas, que ainda não são um patrimônio local, temos aquelas que são ‘demasiadamente’ dedicadas ao resultado econômico, e por vezes, podem comprometer alguns importantes elementos de sua identidade e essência, descaracterizando seu propósito amplo e aspecto social.
Por outras vezes, temos cooperativas inclinadas demasiadamente para o foco social, e que por vezes, comprometem sua viabilidade e perenidade, pela quase ausência do resultado econômico e condições próprias de se manterem e alcançarem seu pleno propósito.
Outra vezes, a cooperativa está reduzida a um pequeno grupo de cooperados, que apesar de atingir bons resultados socioeconômicos, acaba limitando seu impacto positivo, exclusivizando seu potencial de transformação e não democratizando seus efeitos benéficos.
E há as cooperativas da comunidade, essas, tendem a se eternizar, pois estão enraizadas e existem para servir ao propósito coletivo do desenvolvimento sustentável local e promover a prosperidade das pessoas e suas famílias.
Essas cooperativas, são reconhecidas como um bem de todos, que vivem para as pessoas e se realizam por meio delas. Que são defendidas por todos pela sua relevância, que são atemporais em sua existência e tempestivas em suas ações, que possuem capacidade de transformação e estão além da propriedade dos cooperados, pois pertencem à comunidade. Uma comunidade que tem consciência de que aquela cooperativa é um valor local, ela transforma, ela entrega, ela estimula cadeias produtivas, ela evidencia as potencialidades do território, ela proporciona efetivamente um lugar melhor para se viver. Sem a existência dela, os prejuízos seriam consideráveis e todos perderiam de alguma forma.
Alguns poderão até achar que o conceito da intergeracionalidade, da conexão com o aceto balsâmico e a questão do patrimônio local, não passam de pensamentos românticos acerca do cooperativismo. Do meu ponto de vista, enxergo que já temos cooperativas que são, de fato, consideradas patrimônios locais, e as pessoas que ali vivem, não me parecem mais ou menos românticas que outras, mas sim, me parecem mais prósperas e felizes em sua realidade.
E a sua cooperativa? É um patrimônio local? E você? O que está fazendo com o seu ‘aceto’?
*Silvio Giusti é Consultor em cooperativismo