A cada dia o agronegócio se moderniza na produção e também na relação com o consumidor investindo na chamada agricultura digital. A novidade agora é o sistema de rastreio que apresenta ao público consumidor a transparência sobre a forma de cultivo, manejo e processo de beneficiamento do produto e que está acessível por um QR Code estampado na embalagem. Desenvolvido por especialistas da Embrapa nos últimos três anos, o Sistema Brasileiro de Rastreabilidade Agropecuária (Sibraar) utiliza tecnologia blockchain e o projeto piloto foi customizado para a venda de açúcar mascavo, um produto de valor alto – superior, em média, cinco vezes mais que o do açúcar branco – com muita procura por parte de um consumidor esclarecido e exigente, mas que sofre muitas adulterações e acaba gerando desconfiança no ato da compra. O produto rastreável já está disponível nos supermercados brasileiros desde julho do ano passado e nasceu de uma pesquisa feita em parceria da Embrapa com a Cooperativa dos Produtores de Cana-de-Açúcar do Estado de São Paulo (Coplacana) e a Usina Granelli.
A tecnologia utilizada no projeto-piloto é a blockchain, uma arquitetura de banco de dados onde as informações são enviadas em blocos de registro que não podem ser alterados. Isso confere lisura ao processo de informação que fica “escrito” em um livro-base que pode ser acessado por todos garantindo transparência ao processo. A fama do blockchain como tecnologia revolucionária deriva muito da sua utilização em criptomoedas. A ideia de utilizar essa ferramenta no agronegócio tomou forma em 2019 em um acordo de cooperação técnica da Embrapa Agricultura Digital e a Cooperativa Paulista dos Produtores de Cana-de-Açúcar (Coplacana) – à qual a Usina Granelli é associada. “Conseguimos trazer para a Embrapa, com sua expertise, e nossa cooperação, essa perspectiva de acesso a novos nichos de mercado, e juntos visualizarmos uma rapadura rastreada com blockchain que está inovando no Brasil”, explica o Diretor de Negócios da cooperativa, Roberto Rossi.
Em cada lote ficam registrados os dados de fabricação, variedade de cana-de-açúcar, identificação e localização da propriedade rural que forneceu a matéria-prima para aquele lote, além da análise microbiológica do produto e os parâmetros físicos e químicos desse açúcar, como teor de sacarose, teor de umidade e cor. Com esse projeto-piloto, a indústria sucroalcooleira, mesmo sendo líder mundial na produção de açúcar, mira mercados internacionais, em especial, o europeu, o norte-americano e o canadense. “Com todas essas ferramentas, é possível atender a todos os tipos de consumidores. Tecnologia, produtividade, aumento de renda, acesso a novos mercados são marcos importantes e esse é um futuro que se acelera, em que a informação sobre alimentação será cada vez mais fundamental para a tomada de decisão do consumidor”, resume Rossi.
Toda a arquitetura de rastreabilidade do software foi desenvolvida pela Embrapa e, pelo contrato de licenciamento, um percentual das vendas será revertido para a instituição na forma de royalties. “O Sibraar é um exemplo de pioneirismo tecnológico na cadeia sucroenergética, resultando em uma iniciativa da Embrapa de inovação aberta no setor produtivo. A partir dessa experiência, a Embrapa possui um arcabouço de conhecimento que poupará tempo no desenvolvimento e customização da tecnologia para outras aplicações e culturas”, afirma o chefe da Embrapa Agricultura Digital, Stanley Oliveira. De acordo com o pesquisador líder do projeto na Embrapa, Alexandre de Castro, tem crescido a demanda do mercado consumidor interno e externo por alimentos mais saudáveis e seguros e, por essa razão, já enxergam possibilidades de customização para outras cadeias agrícolas, como a de grãos. “Com blockchain, a assinatura digital de cada lote do produto contém as informações codificadas de todos os lotes anteriores, em uma sequência imutável. Se houver alguma modificação no banco de dados, o código QR identificado nas embalagens dos produtos será desativado automaticamente. Esse é o diferencial da utilização de códigos de barras bidimensionais associados à tecnologia blockchain”, define.
Na prática, depois do uso da tecnologia de rastreabilidade em quatro toneladas de açúcar mascavo, a Usina Granelli pretende estender o uso do sistema para outros produtos como açúcar demerara e álcool destilado. Segundo a diretora do projeto, Mariana Granelli, “O mercado está ainda mais exigente, pois quanto mais transparentes formos nessa relação, acreditamos que melhor será nossa reputação junto aos consumidores”. A Usina Granelli existe há 35 anos, na região do vale do rio Piracicaba. Sua produção inicial foi de cachaça, depois a empresa passou a produzir etanol e melado de cana e, recentemente, produz os tipos VHP (Very High Polarization), açúcar bruto destinado à exportação, demerara e mascavo, sendo a opção pelo mascavo com rastreabilidade via blockchain a aposta para entrar no segmento de venda direta ao consumidor. “Há cinco anos a fábrica vem aprimorando o processo de fabricação, buscando parâmetros ideais de aceitação no mercado. Eles visam atender um segmento de consumidores preocupados com a saudabilidade dos alimentos e ansiosos por remunerar o açúcar com maior valor agregado. A rastreabilidade entra nesse contexto, para oferecer um alimento seguro e de qualidade”, explica Granelli.
A escolha pelo açúcar mascavo como produto a ser usado no projeto-piloto resulta do crescimento da demanda do produto junto com o segmento de produtos naturais – ele preserva nutrientes como cálcio, magnésio, fósforo e potássio em concentrações muito superiores ao açúcar branco -, e o preço final para venda que chega a ser, em média, cinco vezes superior ao do açúcar branco granulado. Essa supervalorização do açúcar mascavo gera também a adulteração do produto, em que o açúcar branco granulado e outras substâncias são misturados ao açúcar mascavo durante as etapas de fabricação. Isso resulta em um açúcar com características físicas e visuais semelhantes às originais, mas com propriedades químicas diferentes. Um dos parâmetros laboratoriais que ajudam a identificar a pureza do açúcar mascavo é o nível de polarização, que define o percentual de sacarose do produto. Esse dado é rastreado pela tecnologia da Embrapa e pode ajudar o consumidor a atestar a qualidade e adequação do produto que está comprando.
Fonte: SNA/Embrapa Agricultura Digital, Blog Zeev