Talvez o consumidor não saiba, mas grande parte dos produtos que se consome no Rio Grande do Sul provém de cooperativas. Funciona como uma cadeia harmônica formada por diferentes elos, em que cada um cumpre a sua parte, fazendo a economia girar. O suinocultor Décio Nonnemacher, 56 anos, é um exemplo que ajuda a explicar como diferentes elos do cooperativismo se sustentam.
A propriedade de Nonnemacher está situada na comunidade de Vila Rica, em Harmonia, no Vale do Caí. As cooperativas da região cresceram 12,6% e faturaram R$ 576,8 milhões em 2022, segundo levantamento do Sistema Ocergs. Esse resultado foi impulsionado pelo ramo agropecuário, que apresentou um incremento de 18,3% e responde por 72,7% do faturamento das cooperativas da região.
Nonnemacher é um entre os 1,6 mil associados ativos da cooperativa Ouro do Sul, que envolve produtores rurais de Harmonia e de outras cidades da região. Foi estabelecendo um compromisso com essa organização, há 26 anos, que o suinocultor projetou o crescimento na propriedade. “Firmamos um acordo para integração de suínos”, conta o produtor, que consolidou a criação de suínos em um negócio com 1,6 mil cabeças. O avanço na produção significou, também, investimento.
Depois de firmar o acordo comercial com a cooperativa agropecuária, Nonnemacher recorreu à segunda cooperativa, desta vez de crédito. Com o suporte financeiro da Sicredi, a criação de suínos se tornou a principal atividade na propriedade da família Nonnemacher. Para o suinocultor, a garantia de escoamento da produção está entre os principais fatores positivos do negócio com a cooperativa.
Cadeia produtiva
Até saírem do frigorífico, em Harmonia, para o mercado no Rio Grande do Sul e Santa Catarina, os produtos da Ouro do Sul passaram por uma cadeia produtiva que envolve toda a cooperativa. A participação dos criadores de suínos ocorre em diferentes etapas, desde a parição até a fase final que vai para o abate.
Nos galpões da propriedade de Nonnemacher, os suínos chegam com 22 quilos e saem quando atingem, em média, 130 quilos. O envio dos animais, das rações e assistência técnica fica por conta da cooperativa. Além disso, tem a garantia de compra dos suínos quando eles atingem o estágio de abate. O suinocultor tem a responsabilidade de fazer o manejo adequado para entregar animais dentro do padrão esperado para o frigorífico. “O cooperativismo é uma forma de organização que agrega um bom número de produtores que, sozinhos, não teriam força para competir num mercado global”.
O salto produtivo do suinocultor – de 15 cabeças de suínos, da época em que o pai tinha a criação sozinho, para 1,6 mil com a integração à cooperativa – só foi possível porque, por meio da cooperativa, os pequenos produtores conseguem acessar de grandes mercados. “O cooperativismo é uma forma de organização que agrega um bom número de produtores que, sozinhos, não teriam força para competir num mercado global”, observa o diretor da Ouro do Sul, Ronei Alberto Lauxen.
No ramo do agronegócio, pontua o presidente do Sistema Ocergs, Darci Pedro Hartmann, a organização do trabalho por meio de cooperativas faz a diferença, além da competitividade, para a profissionalização do segmento. “A cooperativa estabelece objetivos, tem profissionais competentes e comprometidos com a busca de mercados. Além disso, a cooperativa distribui as sobras. Faz a democracia econômica, é isso o que diferencia das empresas. Porque a cooperativa desempenha um desenvolvimento integrado, do qual o associado participa.”
Respaldado por três cooperativas
As atividades de trabalho na propriedade de Décio Nonnemacher têm relação com cooperativas. Além da suinocultura, que é a principal fonte de renda, o produtor rural divide os afazeres com o cultivo de bergamotas e laranjas. Essa produção está atrelada a uma cooperativa de Harmonia.
“Sou três vezes cooperativado: Ouro do Sul (suínos), Coperfrutas (citros) e Sicredi (financiamentos)”, enumera o produtor rural.
A Cooperativa dos Fruticultores de Harmonia (Coperfrutas) foi fundada em 2010 e atua na fabricação de sucos concentrados de frutas.
Nonnemacher ressalta que entre as vantagens no relacionamento com as cooperativas, além da proximidade com técnicos no atendimento e na assistência no dia a dia, está a participação nas sobras. “Aos associados é repassada a participação nos resultados, isso faz parte da filosofia das cooperativas.”
Cooperativas do setor primário registraram crescimento
De acordo com os dados divulgados pelo Sistema Ocergs na última edição da revista Expressão Cooperativismo Gaúcho 2023, “o faturamento das cooperativas agropecuárias representa 63,5% do total dos sete ramos do cooperativismo no Rio Grande do Sul. E o valor das sobras das cooperativas agropecuárias equivale a 26,6% do total dos sete ramos do cooperativismo gaúcho”.
“A cooperativa tem que ser profissional para ser competitiva no mercado, mas também tem que saber que representa o trabalho do produtor”, O desempenho do último ano contribuiu para com que o ramo agropecuário das cooperativas gaúchas atingisse o patrimônio líquido de R$ 8,2 bilhões, segundo dados relativos ao ano de 2022.
Hartmann observa que o desempenho das cooperativas agropecuárias exige profissionalismo nas organizações. “A cooperativa tem que ser profissional para ser competitiva no mercado, mas também tem que saber que representa o trabalho do produtor e que deve gerar renda ao produtor, porque ele é parte disso”, afirma o presidente da Ocergs.
Parceria e compromisso no dia a dia de trabalho
A criação e o abate de suínos são as principais atividades da cooperativa Ouro do Sul, cuja história se confunde com a de Harmonia, município onde está localizada. Não é arriscado dizer que, por lá, ou a pessoa trabalha para a cooperativa, ou conhece alguém que trabalhe.
Diariamente, a cooperativa abate 500 suínos e 120 bovinos. Para contar com esse volume, a organização oferece assistência completa aos associados. Diretor da Ouro do Sul, Ronei Lauxen diz que a cooperativa atua em diferentes áreas, desde os insumos agropecuários, varejo, além da principal (suínos e bovinos), que envolve assistência técnica aos associados.
“Esses associados são, normalmente, pequenos produtores rurais da agricultura familiar. São pequenas propriedades. Recebem toda assistência. Eles recebem o leitão e toda a alimentação, que são as rações, e a assistência dos veterinários. É feito todo o acompanhamento, até o final, quando os animais são destinados para o frigorífico da cooperativa, onde ocorrem o abate e o processamento da carne”, resume Lauxen.
A cooperativa vai completar 88 anos de fundação, sendo a mais antiga de Harmonia. Ao longo dessa trajetória, lembra Lauxen, houve uma mudança no modelo de produção. Os produtores eram todos independentes e a cooperativa absorvia toda a produção, porém não ocorria de forma constante.
“Esse modelo foi sendo substituído por um modelo verticalizado. A cooperativa tem uma produção permanente junto aos produtores, em que são fornecidos os insumos. E o produtor é parceiro permanente”, observa. Lauxen afirma que esse giro constante da produção contribui para manter o produtor na atividade. “A cooperativa, inclusive, financia os negócios, e isso foi um fator que contribuiu, e muito, para que o produtor permanecesse na atividade.”
Mais da metade é do setor agropecuário
Levantamento apresentado pelo Sistema Ocergs aponta que as cooperativas (dos diversos ramos, como agropecuário, crédito e saúde, por exemplo) empregam 70,6 mil pessoas no Rio Grande do Sul. Desse total, o maior percentual – 54,3% – atua no ramo agropecuário. São 95 cooperativas que, juntas, empregam, diretamente, 41,5 mil trabalhadores e reúnem 278,1 mil associados.
As cooperativas do setor primário são responsáveis pela maior parte da produção de alimentos no Estado. Envolvem desde a produção de grãos, como soja, trigo, milho e arroz, até laticínios e proteína animal, como suínos, aves e bovinos. Além disso, as cooperativas do ramo agropecuário compreendem a produção vegetal, com destaque para cítricos, segmento de representatividade econômica no Vale do Caí.
Participação em diferentes segmentos
O primeiro dos elos da cadeia do cooperativismo no Rio Grande do Sul começou com uma cooperativa de crédito, fundada por Theodor Amstad, em 1902, que deu origem ao sistema Sicredi.
A partir da segunda década do século XX, a convite do governo brasileiro, o advogado italiano Giuseppe di Stefano Paternó disseminou o cooperativismo no Brasil, fundando as primeiras cooperativas agrícolas no Rio Grande do Sul.
Surgia aí mais um elo no sistema de cooperação na economia. Ao longo do século, o cooperativismo foi ganhando proporção na economia. Esses dois exemplos históricos remetem ao que pode ser percebido na prática, através de um dos princípios do próprio cooperativismo: a intercooperação.
A Sicredi Pioneira, por exemplo, cooperativa de crédito, disponibiliza mais de R$ 400 milhões em linhas de crédito rural, uma representatividade superior a 10% da carteira total. “O agronegócio é um segmento muito relevante dentro dos negócios da Sicredi Pioneira RS, reflexo disso é que, atualmente, temos uma participação de mercado (share) superior a 50% nas linhas de crédito rural tomadas pelos produtores rurais dentro de nossa área de atuação”, pontua o diretor de Negócios da Superintendência Regional da Sicredi Pioneira RS, Luiz César Wazlawick.
No entanto, a cooperativa de crédito possui relacionamento não só com o setor rural, mas também com outros públicos, como pessoas físicas e jurídicas. Atualmente, a carteira de crédito total concedida a estes públicos é de R$ 4,5 bilhões.
Nesse cenário, associados a cooperativas, como o caso de Nonnemacher, contam com a parceria comercial para manter e escoar a produção e também com o financiamento de projetos, como construção de galpões, por exemplo, através de sistemas de cooperativas.
Divisão das sobras e crescimento conjunto entre associados
Gestores e associados são unânimes ao pontuar a distribuição dos lucros como principal aspecto que diferencia o sistema de cooperativismo. Para Hartmann, a cooperativa exerce a “democracia econômica, é isso o que diferencia das empresas”. A perspectiva de retorno financeiro também representa comprometimento no trabalho. No meio rural, sobretudo para pequenos agricultores, pode fazer a diferença para a permanência na atividade.
Assistente-técnico estadual de cooperativismo da Emater, Francisco Emilio Manteze comenta que o viés solidário e distributivo do cooperativismo é responsável pelo crescimento econômico e social dos trabalhadores rurais. “Tem produtores desanimados, pensando em largar a atividade, mas ingressa na cooperativa, que tem um canal de comercialização, tem algum apoio técnico também. E aí as pessoas acabam mudando de ideia, ficando no rural e crescendo junto com a cooperativa.” Desde 2012, a Secretaria de Desenvolvimento Rural do Estado coordena o Programa de Extensão Cooperativa, executado por meio da Emater.
Cooperativas de crédito também exercem uma gestão democrática, conforme aponta Wazlawick, que ressalta que os associados podem participar dos resultados da instituição e têm possibilidade de participação em assembleia com direito a voto, por exemplo. Além disso, há incentivo ao desenvolvimento local através dos programas sociais e do reinvestimento dos recursos na comunidade onde está inserido.
Emater oferece suporte para as organizações rurais
Aspecto presente no cooperativismo, a união de trabalhadores, para ganhar representatividade no mercado em que atuam, fortalece pequenos produtores da agricultura familiar. Na região, cooperativas como a Cooperlomba, de Novo Hamburgo; a Ecomogrango, de Bom Princípio; e a Ecocitrus, de Montenegro, são exemplos de entidades que se organizaram a partir da participação da Emater.
Exemplo de como a Emater atua junto às cooperativas pode ser verificado no Programa de Extensão Cooperativa, que permite a pequenos produtores a participação em editais como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), conforme aponta o assistente técnico estadual de cooperativismo da Emater, Francisco Emilio Manteze. De acordo com a legislação, esses programas preveem que, pelo menos, 30% dos alimentos sejam provenientes da agricultura familiar.
Embora seja possível participar desses editais de forma individual, a participação por meio de associação ou cooperativa permite um trabalho em escala, o que favorece pequenos agricultores que, sozinhos, não teriam produção de alimentos suficiente para dar conta da demanda. Manteze explica que as cooperativas que a Emater coordena são menores em termos de faturamento, mas desempenham um papel social e econômico relevante para os produtores, pois oferecem uma garantia de escoamento da produção agrícola. “Basicamente (as cooperativas) atuam em mercados institucionais. Fornecendo alimentos in natura e processados para Programa Nacional de Alimentação Escolar e o PAA em suas diversas modalidades.”
Manteze explica que essas cooperativa agrícolas fornecem alimentos por meio da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), na modalidade de compra direta com doação simultânea. Nesse tipo de transação, de forma resumida, a cooperativa apresenta uma proposta de comercialização dos produtos alimentícios e a Conab compra. “Esses alimentos são entregues para entidades assistenciais nos municípios”, pontua Manteze.
Outra modalidade que essas cooperativas atuam é com o chamado PAA Compra Institucional. Nesse caso são órgãos do governo federal, como do Ministério da Defesa, como Exército, ou universidades federais, ou ainda hospitais, como o Clínicas e o Conceição, de Porto Alegre, que compram alimentos dessas cooperativas agrícolas. Manteze ressalta que essa compra ocorre dentro do orçamento desses órgãos. Ou seja, não é verba do Ministério do Desenvolvimento Agrário ou do Desenvolvimento Social que bancam a compra desses produtos.
Fonte: Jornal NH