Em 1991, Avilmaura Ferreira Santos, a Vilma, de 65 anos, participava da pastoral da criança junto a outras mulheres, num movimento para reduzir a desnutrição infantil, na comunidade rural de Bom Jardim, na cidade de São João da Ponte, no Norte de Minas. “Morria muito criança, tinha muita fome naquela época e faltava conhecimento. As pessoas jogavam fora os alimentos mais saudáveis e comiam os menos saudáveis, oferecidos pelos supermercados”, lembra Vilma.
Com a implantação do Programa Saúde da Família, em 1994, o trabalho do grupo diminuiu e as mulheres começaram a usar a experiência do extrativismo para fazer doces, geleias e fitoterápicos com as plantas e frutos da região. Em meados de 2018, diante da necessidade de comercializar os produtos para gerar renda, surgiu o grupo Mulheres do Cerrado, uma das 4.693 cooperativas que existem hoje no Brasil, de acordo com os dados do Anuário do Cooperativismo Brasileiro 2023. Vilma faz parte dos 22% de mulheres dirigentes no segmento. O número, apesar de ainda tímido, aumentou 5 pontos percentuais desde 2020. “A expectativa é movimentar R$ 1 trilhão e agregar 30 milhões de cooperados até 2027”, conta Esther Ferreira Araújo, vice-presidente da Organização das Cooperativas do Brasil do Rio de Janeiro (OCB/RJ).
Segundo os dados mais recentes do Sindicato e Organização das Cooperativas do Estado de Minas Gerais (Ocemg), em 2022 as cooperativas mineiras movimentaram R$ 118,4 bilhões, representando 12,8% do total de riquezas produzidas no Estado. Só de tributo, foram R$ 3,1 bilhões. No agronegócio mineiro, as cooperativas agropecuárias, como a da Avilmaura, representam 21,9% do PIB nesse nicho. E, dentro desses resultados, o papel da mulher tem sido fundamental.
“Eu acredito muito na importância da mulher no cooperativismo, porque ela tem um olhar muito proativo e leva leveza para situações”, avalia a gerente geral da Ocemg, Isabela Perez. Ela conta que a Ocemg, inclusive, promove anualmente, por meio de um comitê de mulheres, um encontro no Grande Hotel de Araxá, que reúne mais de 300 mulheres. Durante o evento, são destacados temas que envolvem o cooperativismo e o papel das mulheres nesse meio. Segundo Isabela, é um momento de troca de experiências. “É um espaço onde as mulheres dividem suas questões”, diz.
Esther, da OCB, acrescenta que a liderança das mulheres é de muito impacto na sociedade. “Parte muito das mulheres essa visão de incluir todo mundo e trazer para perto. Elas são mais inclusivas, têm esse olhar para o outro”, observa.
Produção de café muda vida de mulheres no Sul de Minas
Em Minas, 57% do café produzido passa por uma cooperativa, segundo dados da Ocemg. No Sul do Estado, em Poço Fundo, mulheres se destacam justamente no cultivo de um grão especial e que traz histórias de muita garra e perseverança: o Café Feminino, que faz parte da Cooperativa dos Agricultores Familiares de Poço Fundo e Região (Coopfam) e envolve cerca de 35 a 40 agricultoras. Cada uma produz, por safra, entre dez e 70 sacas de 60 kg de café – dependendo da capacidade produtiva.
A história do Café Feminino começa com Maria José Tavares Borges, de 74 anos. Esposa de um cooperado da Coopfam, ela ficou viúva em 2008 e se viu desafiada a continuar o trabalho do marido na lavoura. Ela conta que a Coopfam começou pequena, em meados dos anos 90, como uma associação de agricultura familiar, com meia dúzia de pessoas, e cresceu aos pouquinhos. Quem participava ativamente da cooperativa eram essencialmente os homens, mas ela acompanhava o marido em tudo, e, por isso, tinha conhecimento de todos os processos.
No momento em que ficou viúva, ela se viu desafiada a assumir todos os compromissos que o marido tinha dentro da cooperativa. “Pensei: eu não vou desistir porque eu preciso dar continuidade àquilo que foi uma luta nossa juntos e minhas filhas precisam de mim, precisam desse dinheiro desse café. Era pouco, mas era o que a gente conseguia para sobreviver”, diz.
Ele morreu em dezembro e, em janeiro, quando haveria assembleia da cooperativa, ela reivindicou o direito a voto. A atitude de Maria José abriu portas para outras mulheres. Ela já participava, desde 2006, de um grupo de mulheres, o Mulheres Organizadas em Busca de Igualdade (MOBI), e foi esse grupo que a encorajou a continuar o trabalho na cooperativa. Ao passo que a própria história dela ajudou outras mulheres.
“Eu falei e repeti para elas várias vezes: vamos organizar e vocês vão tomar conhecimento de tudo que se passa na vida da família, o quê que entra, o quê que sai, o quê que gasta, o quê que compra, o quê que vende… porque, olha para vocês verem o que aconteceu comigo, de um minuto para o outro, ele largou tudo lá no cafezal e foi embora e nunca mais voltou”, conta. “Se eu não tivesse conhecimento, teria jogado tudo pelo alto, abandonado tudo, e viveria na miséria. Isso não aconteceu comigo”, relata.
Com o tempo, essas mulheres sentiram a necessidade de produzir um café com o nome delas e, depois de muito trabalho, em 2013, nasceu o Café Feminino. Maria José conta que muitas precisaram do apoio dos maridos, o que ela reconhece que é raro em um mundo machista. “Teve homens que foram compreensivos, que passaram um pouquinho do café deles para o nome das mulheres, outros plantaram um pedacinho de café, ajudaram elas a plantar. Na medida em que elas tiveram esse apoio, elas foram ganhando força”, diz.
“Antes, nós éramos consideradas uma criatura morta. Não éramos reconhecidas como uma pessoa que faz as coisas. A mulher cuida da casa, cuida dos filhos, cuida do marido, cuida dos animais, cuida da horta, do terreiro de café”, cita. “Mas era tudo atribuído ao homem. Fulano colheu o café. Fulano vendeu o café. Fulano tirou o leite para a família. Fulano fez queijo. E a mulher? Onde está a mulher?”, questiona. “Hoje, com o Café Feminino, na nossa região aqui, o valor da mulher é diferente”, enfatiza.
Hoje, o Café Feminino conta não só com as mulheres do MOBI, como também outras produtoras interessadas em comercializar seu café pela marca. Da venda do produto final (torrado, moído e embalado), 10% são revertidas para as produtoras – metade direto para a mulher, e metade depositado no coletivo para cursos e viagens.
Cooperativa no Cerrado coleta 2,5 toneladas de jatobá por ano
Foi fazendo atividades de segurança alimentar com a Pastoral da Criança que a então agricultora Vilma Santos, da Cooperativa Mulheres do Cerrado, aprendeu que na própria mata estavam alimentos riquíssimos, de graça, à disposição da comunidade. “Aprendi onde estava a maior quantidade de valor nutricional dos alimentos. Antes, por exemplo, só comia a polpa da abóbora, mas o valor estava na entrecasca”, lembra.
Compartilhando esse tipo de ensinamento com sua comunidade, Vilma e outras mulheres ajudaram a mitigar a fome entre famílias que viviam de agricultura de subsistência em Bom Jardim, em São José da Ponte (MG). “Eles deixavam de comprar porque produziam. E o que a gente mais trabalhava era com conhecimento. A gente não distribuiu cesta básica ou alimentos”, destaca.
Esta estratégia ainda hoje é utilizada pela cooperativa Mulheres do Cerrado, que conta com 30 integrantes de 12 municípios da região. Muitos alimentos, que não eram usados pela população, começaram a ser coletados na mata pelas cooperadas. Atualmente, o principal produto comercializado por elas é a farinha de jatobá, fruto comum do Cerrado, que começou a ficar popular por suas propriedades medicinais. Juntas, elas extraem cerca de 2,5 toneladas por ano. Cada quilo é vendido a R$ 50. “Não tem nenhum produto da agricultura familiar que vende tão bem”, conta Vilma.
Ela explica que as cooperadas têm uma clara visão de que a cooperativa serve para melhorar o ganho do que elas produzem. “No feijão que é produzido como agricultura familiar, por exemplo, se consegue um preço melhor porque vende na feira, no varejo”, conta Vilma.
Além da comercialização dos produtos, a cooperativa promove um intercâmbio com outros agricultores e cooperativas da região, em um ciclo de apoio mútuo. “São mulheres de várias faixas etárias. Todas, mesmo as casadas que os maridos dão conta de suprir a casa, têm na atividade uma forma de valorizar a si própria. Participam de viagens e encontros. Isso empodera a mulher do campo, fora a renda solidária que a gente produz”, avalia Vilma.
Fonte: O Tempo