Com as mudanças constantes da sociedade, e consequentemente no universo do trabalho nas cooperativas, há cada vez mais uma busca pela união entre felicidade, bem estar e vida profissional.
Pesquisa realizada pela consultoria Robert Half sobre como os trabalhadores se relacionam com as suas funções, apontou que 89% das empresas reconhecem bons resultados na motivação e felicidade de seus colaboradores. O estudo também mostrou que 79% dos profissionais se sentem, em geral, felizes com o trabalho, e entre os fatores motivadores estão: gostar muito da profissão, o bom equilibrio entre a vida pessoal e a profissional, entre outros fatores.
Os trabalhadores infelizes apontaram que um dos aspectos mais afetados em seus trabalhos são a falta de motivação, implicações psicológicas, entre outros. A felicidade é um fator essencial para os colaboradores, não só, produzirem mais, como se manterem nos empregos. Isso foi o que apontou 58% dos entrevistados.
Por isso, vários metódos, programas, projetos internos das cooperativas tem trazido essa preocupação, em possibilitar aos funcionários felicidade no que fazem e uma melhor qualidade de vida.
Dentro dessa filosofia, um dos conceitos mais atuais é o Job Crafting, que oferece as pessoas a possibilidade de reorganizarem alguns aspectos do seu trabalho, para alinhá-los às suas preferências, desejos e valores.
Em palavras mais diretas, essa metodologia se propõe a ajustar o que incomoda para criar uma realidade mais interessante dentro do universo corporativo.
“Não podemos mudar os outros, mas podemos mudar a forma pela qual ocupamos o nosso lugar no mundo, podemos mudar as nossas ações. Como uma ação causa uma reação, uma nova ação causa uma nova reação, o que vai causando uma cadeia de novas reações, até que a realidade esteja totalmente transformada. Redesenhar o trabalho não significa mudar de cooperativa, largar tudo e recomeçar. Não é necessário abandonar o que não funciona, rejeitar o que está ruim”, explica Juliana Elorza, facilitadora de aprendizagem para a formação de líderes em um mundo mais humano e sustentável.
Redesenhar o trabalho ou adotar o Job Crafting nas cooperativas são formas dos colaboradores e cooperados encontrarem mais sentido e felicidades em seus trabalhos.
O que é o Job Crafting
O termo surgiu da união de duas palavras em inglês Job (trabalho) e Crafting (construir algo de forma artesanal), no Brasil a tradução mais próxima de Job Crafting é redesenhar o trabalho e essa tem sido uma das últimas tendências no universo cooperativo.
Job Crafting teve a sua origem com duas pesquisadoras americanas Amy Wrzenewvski e Jane Duton. Elas estavam estudando como as pessoas encontravam significado no trabalho e descobriram que pessoas com mais sentidos no trabalho eram mais felizes, realizadas e engajadas.
Miguel Emmanuel Nisembaum, sócio da Consultoria Mapa de Talentos e Gestor da Líder Academy, conta que o mais curioso foi descobrir nas pessoas o ajuste de três dimensões no trabalho.
“A primeiro é o redesenho das tarefas, por meio de suas alterações ou atividades, diminuindo, aumentando ou incluindo novas, em que pudessem manifestar seus valores, pontos fortes e interesses. Na segunda, o redesenho dos relacionamentos, modificando-os, tanto em com quem nos relacionamos, como a forma que o fazemos. E na terceira, fazendo o redesenho cognitivo, mudando a percepção que tinham do impacto dos seus trabalhos para si e o mundo”, exemplifica Nisembaum.
Durante o estudo, as pesquisadoras identificaram fatos bem interessantes, um deles é o de que essas mudanças não dependiam do nível hierárquico, função ou grau de autonomia de um trabalho. Por exemplo, uma caixa de supermercado pode encontrar mais sentido no trabalho que um gestor ou um CEO.
Existe inclusive um caso de uma responsável de limpeza em um hospital, que escrevia cartões aos pacientes, e interagia com humor e leveza com os pacientes, colegas e médicos. Essas funções não estavam em sua descrição de cargo, mas lhe traziam sentido e autenticidade no trabalho.
“Com base nessa pesquisa foi desenvolvida uma metodologia que permite as pessoas fazerem o seu Job Crafting de forma consciente e intencional. Temos visto a importância dele na maneira das pessoas se conectarem em equipes e lidarem melhor com os desafios. Inclusive possibilitando uma melhor distribuição das cargas de trabalho, diminuindo atividades e relações pouco significativas. Percebemos nas pessoas que fazem os seus redesenhos um papel de protagonismo com suas carreiras. Outro aspecto interessante é quando uma equipe passa por um processo de redesenho coletivo. Chamamos esse processo de Team Crafting, que éum olhar de complementariedade entre as pessoas”, exemplifica Miguel.
Por todas essas características, essa forma de trabalho tem tudo a ver com o espírito cooperativista. Miguel explica que a metodologia dá voz as pessoas, gera autonomia e promove um trabalho colaborativo. Por tanto, quando empregado nelas o resultado se torna perfeito.
Pesquisas
Nisembaum trabalha com o tema já há algum tempo, interessando em mergulhar mais profundamente nele, decidiu fazer uma pesquisa com setenta colaboradores que fizeram os redesenhos em suas empresas.
“Os resultados foram bem interessantes, destaco três pontos, que nos chamaram bastante a atenção. 82,4% dos entrevistados deram preferência a tarefas que mais se ajustam às suas habilidades ou interesses e talentos. Já os 89,8% perceberam a importância do trabalho para a comunidade que fazem parte. Por outro lado, 89,7% ampliaram o significado e propósito do trabalho”, conta.
Para o especialista, o Job Crafting faz todo o sentido em um mundo em que a força de trabalho está desengajada e sobrecarregada, basta ver os indicadores de burnout, o Brasil é o 3º global nessa síndrome. Fora isso, Miguel lembra de que estamos migrando de estruturas verticais e muito hierárquicas para modelos mais colaborativos e horizontais de trabalho em rede. “Quando recebi o convite para falar do impacto da abordagem no mundo do Cooperativismo fiquei muito feliz. O Job Craftingé uma metodologia que dá voz as pessoas, gera autonomia e promove um trabalho colaborativo, ou seja, tem tudo a ver com o espírito cooperativista”, lembra.
As lideranças e o RH
Esse método de trabalho acontece de uma maneira diferente, é uma jornada e não exatamente exercícios pontuais, workshop ou palestra. “Depois de mais de 430 redesenhos realizados entendemos que é preciso ter momentos de conversas individuais, com pausas, reflexões e atividades práticas ao longo de uma trilha”, diz.
Para tornar a metodologia do job crafting um processo frequente dentro das cooperativas é importante preparar as lideranças e os profissionais de RH para o adaptarem e implantarem com liberdade e autonomia.
Emmanuel relata que as lideranças têm um papel fundamental como facilitadores das propostas de mudança que as pessoas e equipes trazem para as cooperativas. “É importante que eles tragam clareza da direção e desafios, gerem oportunidades e deem autonomia para os colaboradores. Segurança psicológica, transparência e escuta ativa são elementos que contribuem para que os job craftings tenham seu máximo impacto”, lembra.
Autoconhecimento e intervenções
Alguns pontos são mais impactados dentro do processo do redesenho, um deles é o autoconhecimento. Por isso, antes de começar a fazer um job crafting, Miguel sempre propõe criar intervenções que ajudem a identificar os pontos fortes, as aspirações, as oportunidades e os resultados que pretendem ser alcançados.
Nesse momento são bem-vindas as confecções de questionários de identificação de virtudes, fortalezas e talentos, atividades de mindfulness ou de definição de propósito/estratégia individual. Eles trazem mais consistência e coerência nos redesenhos. “As mudanças precisam ser significativas, não necessariamente radical. Podemos redesenhar o trabalho ocupando ainda a mesma função ou respondendo ao mesmo desafio”, aconselha o especialista.
Como trazer o Job Crafting
Parece complicado inserir a metodologia no dia a dia da cooperativa, mas não é. Juliana conta que uma pessoa pode mudar a sua percepção do trabalho, interpretando suas tarefas por meio de um novo olhar, dando um significado mais positivo às atividades corriqueiras e diárias. O processo funciona de dentro para fora, por isso, uma única pessoa pode começar a redesenhar o seu trabalho e causar um pequeno impacto ao seu redor. Aos poucos, os outros percebem. Se interessam e também tentam implementar o redesenho em suas vidas. Assim o processo se torna um círculo virtuoso.
Ela compartilha algumas de suas experiências no seu processo de Job Crafting. “Praticar a gratidão pelas pequenas coisas me ajudou muito nos últimos anos. E me refiro às pequenas coisas, como o café quentinho na medida certa, sem queimar a língua, o elevador que chega rapidamente, o fornecedor que atende o telefone no primeiro toque. Eu dou um leve sorriso e penso, em um milésimo de segundo, algo como: que legal que aconteceu isso. Essa soma de pequenos momentos toma forma e deixa o meu dia mais leve”, lembra.
Outra prática interessante, que melhora a percepção das atividades maçantes, é tentar enxergar o sistema macro no qual essa atividade está inserida.
“Já fiquei fazendo trabalho chato e repetitivo, até tarde da noite, inúmeras vezes, mas sempre tentava pensar no que aquele trabalho representava, no que impactaria o mundo. Todo trabalho tem dificuldades e, se olharmos apenas os problemas, viveremos apenas os problemas. Mas, quando olhamos o impacto que o trabalho causa no mundo, resolver esses desafios se torna uma conquista”, indica Juliana.
Além da percepção do trabalho, o job crafting também pode abranger a reorganização dos relacionamentos. Afinal as cooperativas são feitas de pessoas e os relacionamentos humanos importam.
“Não precisamos ser amigos dos colegas de trabalho, mas nos relacionar com as pessoas com as quais trabalhamos e um relacionamento saudável ajuda muito a manter a paz e a satisfação profissional”, diz.
Essas mudanças criam conexões humanas mais positivas e produtivas e, mais relevante ainda, criam ambientes de confiança, essenciais para fluir a criatividade.
“Quem quiser trazer o tema aos seus colaboradores, associados e cooperados pode começar com algumas reflexões, tais como entender os desejos e preferências individuais, analisar o sistema, investigar possibilidades de intervenção e potenciais impactos de intervenção, antes de começar a implementar o redesenho do trabalho”, finaliza Elorza
Dois impactos causados pelo Job Crafting
O impacto maior do Job Crafting está em incorporá-lo dentro dos processos e rituais de desenvolvimento de pessoas na organização. “Nesse sentido temos visto o seu uso para responder alguns desafios”, lembra Miguel Emmanuel Nisembaum.
1. Gestão da Mudança: Geralmente os processos de mudança em uma empresa são definidos de cima para baixo. O Job Crafting permite que as pessoas nos digam que desafios querem responder, como querem contribuir e isso acelera as mudanças, aumenta produtividade e dá espaço para a inovação.
2. Carreiras: Com tantas mudanças e um ambiente tão complexo e dinâmico os próximos passos de carreira precisam ser construídos conforme caminhamos, um planejamento rígido e super estruturado já não funciona. Então o Job Crafting é uma excelente metodologia para que líderes e liderados tenham conversas significativas sobre carreira.
As 3 dimensões para o redesenho em uma cooperativa
Algumas perguntas que podem ser feitas pelos colaboradores e as cooperativas para auxiliarem em seus redesenhos. “Quando olhadas com profundidade elas vão ajudar em conversas significativas entre colaboradores, seus líderes, e inclusive associados e cooperados”, aconselha Nisembaum.
1. Redesenho de Tarefas: Que atividades quero incluir? Que atividades quero delegar? Que atividades fazer mais, quais fazer menos?
2. Redesenho de Relacionamentos: Que relacionamentos quero aprofundar? Que tipo de interação quero ter com a minha rede? O que é significativo nos meus relacionamentos?
3. Redesenho Cognitivo(ampliar a percepção sobre meu trabalho): Onde posso gerar mais valor com meus pontos fortes? Que impacto quero gerar no mundo? Que novas capacidades quero desenvolver?
Por Priscila de Paula – Redação MundoCoop