Anualmente, Davos, na Suíça, recebe o Fórum Econômico Mundial (WEF, na sigla em inglês). Durante cinco dias, líderes mundiais e executivos empresariais discutem questões relacionadas a economia, conflitos globais e evolução da tecnologia. Na edição de 2024, um tema em particular domina as conversas: a crise climática, sobretudo depois que 2023 foi registrado como o ano mais quente da história, reforçando a necessidade de adotar medidas mais eficientes para atingir as metas do Acordo de Paris.
Para se ter uma ideia da gravidade, o Relatório de Riscos Globais 2024 lançado pelo fórum destacou que 5 dos 10 principais riscos nos próximos 10 anos são referentes às questões ambientais: eventos climáticos extremos, mudança crítica nos sistemas terrestres, perda de biodiversidade e colapso do ecossistema, escassez de recursos naturais e poluição.
Uma estratégia de longo prazo para o clima, a natureza e a energia é um dos programas centrais debatidos no WEF. Os líderes discutem como desenvolver uma abordagem sistêmica a longo prazo para alcançar os objetivos de um mundo neutro em carbono e positivo para a natureza até 2050, proporcionando acesso seguro e inclusivo à energia, aos alimentos e à água.
O encontro também promoveu o lançamento de importantes relatórios sobre o clima e temas-chaves que impactam a vida humana no Planeta. Confira a seguir alguns destaques:
Saúde sob os holofotes
Embora as discussões sobre o impacto das alterações climáticas foquem mais na natureza e na economia global, algumas das consequências mais prementes do aumento das temperaturas do planeta afetarão a saúde humana e o sistema de saúde global.
O documento Quantificando o Impacto das Mudanças Climáticas na Saúde Humana, lançado em parceria com a consultoria Oliver Wyman, analisa seis grandes categorias de eventos climáticos como motores de impactos negativos na saúde: inundações, secas, ondas de calor, tempestades tropicais, incêndios florestais e aumento do nível do mar.
E conclui que, até 2050, as alterações climáticas deverão causar mais 14,5 milhões de mortes e promover a perda econômica de US$ 12,5 biliões em todo o mundo. Os impactos induzidos pelo clima representarão mais US$ 1,1 bilhão em custos adicionais para os sistemas de saúde, criando um fardo adicional significativo sobre infraestruturas e recursos médicos e humanos já sobrecarregados.
Outro ponto abordado é que as alterações climáticas irão exacerbar as desigualdades globais na saúde, com populações mais vulneráveis, incluindo mulheres, jovens, idosos, grupos de rendimentos mais baixos e comunidades de difícil acesso, sofrendo mais, principalmente na África e o Sul da Ásia.
Mas ainda há tempo para a economia global reduzir de forma decisiva as emissões e adotar estratégias para salvaguardar a saúde humana. Para isso, é imperativo que os decisores políticos reconheçam e abordem a insuficiente preparação dos sistemas de saúde e sejam promovidos esforços colaborativos envolvendo múltiplas partes interessadas e indústrias.
Sistemas alimentares mais sustentáveis
Sistemas alimentares representavam mais de 30% das emissões globais de gases de efeito estufa em 2020, mais de 80% do desmatamento tropical e perda de biodiversidade e 70% das retiradas globais de água doce, geralmente de bacias hidrográficas já estressadas e reservas de águas subterrâneas.
“100 milhões de agricultores: modelos inovadores para financiar uma transição de sustentabilidade, desenvolvido em colaboração com a Bain & Company, destaca que esses sistemas precisam mudar rapidamente para formas de produção mais sustentáveis e propõe um modelo inovador para financiamento e colaboração para apoiar os agricultores, com um foco específico na adoção da agricultura regenerativa.
A implementação do modelo exigirá muito mais financiamento misto, a plena monetização dos resultados ambientais, capacidades financeiras avançadas e uma coordenação sem precedentes entre intervenientes públicos e privados dentro e fora das cadeias de valor alimentar.
E cinco ações são indicadas para acelerar este processo: construir, ampliar e replicar modelos inovadores para financiamento e colaboração; promover o envolvimento de atores financeiros na adoção da agricultura regenerativa; adotar uma estrutura de colaboração pré-competitiva entre empresas de cadeia de valor para agregar a demanda por resultados ambientais e melhorar a resiliência agrícola; estabelecer uma política consistente e de apoio e um ambiente de habilitação e desenvolver um Data Commons (gráfico de conhecimento aberto) e acelerar o desenvolvimento do mercado para todos os serviços ecossistêmicos.
Descarbonizando indústrias-chaves
Em outubro de 2023, a First Movers Coalition (FMC) do Fórum realizou um workshop de três dias no Brasil para discutir como descarbonizar os setores de aço, alumínio e aviação do país. O relatório “Setores de Siderurgia, Alumínio e Aviação no Brasil” apresenta as conclusões e recomendações.
Dada a sua abundância de recursos, tamanho e localização, o Brasil tem potencial e capacidade para se tornar um líder mundial em produtos com carbono próximo de zero. Até 2050, o governo planeja mais do que duplicar a implantação de energias renováveis, concentrando-se na energia eólica e solar.
O relatório pontua que o país já possui muitos dos ingredientes essenciais para o sucesso da sua transição para baixo carbono em setores difíceis de reduzir (aço, alumínio e aviação): tem uma abundância de recursos naturais, incluindo bauxita para a produção de alumínio, água doce para a fabricação de hidrogênio verde e uma vasta oferta de matérias-primas naturais e relacionadas para criar os biocombustíveis do futuro.
As soluções financeiras devem se concentrar no papel dos bancos de desenvolvimento federais e estaduais para disponibilizar financiamento, juntamente com credores multilaterais, setor privado e produtos financeiros inovadores. Já as soluções políticas incluem o papel da estratégia, mandatos e incentivos governamentais, bem como o impacto potencialmente revolucionário do futuro novo mercado de carbono do Brasil.
Inovação e adaptação climática: como a tecnologia pode ajudar
Os impactos das alterações climáticas estão aumentando em frequência e intensidade. Quase metade da população mundial vive em regiões vulneráveis a eles e praticamente todos os setores da economia global estão expostos a algum grau de risco relacionado. Segundo o relatório “Inovação e adaptação na crise climática: como a tecnologia pode ajudar os líderes”, a tecnologia é essencial para a construção de capacidade adaptativa, impulsionando a inovação e trazendo novas aptidões aos líderes e às comunidades.
“Não existe uma panaceia tecnológica que possa enfrentar as alterações climáticas; não há substituto para a mitigação profunda e rápida das emissões de gases de efeito de estufa (GEE). No entanto, a tecnologia – especificamente a tecnologia digital e orientada por dados – pode ajudar os líderes a gerir os riscos crescentes associados aos impactos climáticos e a desbloquear novas oportunidades ao longo do caminho”, destaca o documento.
As estratégias de adaptação climática mais eficazes unem o técnico e operacional, impulsionando a ação em todo o ciclo de adaptação em três pontos: compreender os riscos, construir resiliência contra os impactos das alterações climáticas e responder quando ocorrem impactos induzidos pelo clima. Um conjunto de tecnologias digitais e baseadas em dados – todas sinérgicas com a inteligência artificial – está emergindo como ferramenta crítica para essa adaptação.
Transformando a demanda energética
A adoção de medidas para produção e prestação de serviços energeticamente eficientes é essencial para que as empresas e países sustentem o crescimento econômico e alcancem os objetivos de emissões líquidas zero. À medida que a população mundial e a demanda por energia aumentam, especialmente nos mercados em desenvolvimento, a implementação de políticas públicas e a promoção de colaborações na cadeia de valor são fundamentais para gerir o consumo de energia e reduzir a intensidade de carbono.
Isto ajudará a mitigar os custos e os problemas de abastecimento e a desbloquear benefícios comerciais, acelerando assim a transição. Na COP28, mais de 120 países comprometeram-se a duplicar o ritmo da melhoria da eficiência energética, necessitando de planos concretos e realistas.
O documento “Transformando a demanda energética”, da iniciativa Transforming Energy Demand, descreve ações para empresas e países melhorarem a gestão energética, a eficiência e a redução da intensidade de carbono. Destaca também alavancas comercialmente benéficas, implementáveis com tecnologias existentes, para impactar significativamente a transição.
E o Brasil em Davos?
O Brasil esteve presente no WEF. Dentre os representantes do governo que participaram de painéis e eventos estão a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva, a ministra da Saúde, Nísia Trindade, e o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira (Minas e Energia).
Marina Silva participou de duas sessões. Na primeira, que contou também com a participação do presidente da Colômbia, Gustavo Petro, além de outros nomes, ela disse que a humanidade precisará decidir pelo fim dos combustíveis fósseis para combater a mudança do clima.
Também citou a promessa do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de zerar o desmatamento até 2030 e o compromisso colombiano de não explorar petróleo na Amazônia.
“O Brasil tomou uma decisão corajosa de desmatamento zero. A Colômbia tomou decisão em relação a petróleo zero. Em algum momento nós vamos nos encontrar, a Colômbia vai dizer que é desmatamento zero e a humanidade vai ter que dizer que é petróleo zero.”
A transformação energética brasileira foi tema da outra mesa que teve a presença de Marina Silva, além de Alexandre Silveira e Nísia Trindade. No encontro, a ministra do Meio Ambiente e Mudança Climática comparou a participação brasileira no Fórum Econômico Mundial deste ano com o de 2023, nas primeiras semanas de governo:
“O Brasil voltou e o Brasil se instalou. Às vezes é fácil voltar, mas é difícil se instalar. Conseguimos fazer uma aterrissagem em várias agendas. Neste primeiro ano de governo, podemos ver que a política ambiental de fato está se tornando transversal”, analisou.
Alexandre Silveira afirmou que a matriz elétrica 88% renovável reforça as condições favoráveis do país para receber novos investimentos. No ano passado, a geração de energia eólica e solar nacional aumentou em 8,4 gigawatts.
“Nós temos superávit de energia limpa e renovável. Temos no Nordeste brasileiro um grande potencial para que indústrias se instalem para poder produzir efetivamente produtos verdes e exportar a sustentabilidade”, indicou.
Ele complementou que os resultados do governo dão “autoridade” para que o Brasil cobre maior compromisso de países industrializados com a transição energética das nações em desenvolvimento. A presidência brasileira do G20, disse ele, é uma oportunidade para garantir maior inclusão social.
Nísia Trindade falou sobre o papel da reindustrialização no Brasil integrada com as necessidades do Sistema Único de Saúde (SUS). “Normalmente, vemos a saúde naqueles aspectos da questão climática, ambiental e social. Mas, é preciso lembrar que ela tem um papel muito forte na transformação para um novo modelo.”
No outro painel do qual participou, a ministra ressaltou que é preciso se antecipar para fortalecer os sistemas de saúde e desenvolver programas de ciência, tecnologia e inovação que favoreçam respostas, especificamente em relação a emergências de doenças de forte determinação social e ambiental.
“Precisamos organizar programas como o que vamos apresentar agora no Brasil, que é um plano de eliminação dessas doenças que têm forte determinação, a exemplo da doença de chagas e hanseníase”, complementou Nísia Trindade.
Ela também aproveitou a oportunidade para conclamar os países a unirem esforços na construção de sistemas de saúde com foco na equidade e que caminhem juntos com outros setores governamentais, com a sociedade civil e o setor privado na elaboração de planos para redução de emissões de carbono, e na implementação de medidas sustentáveis para o setor de saúde.
Fonte: Um Só Planeta