Empresas pelo mundo, e também no Brasil, vêm testando uma nova organização do tempo dedicado ao trabalho. As propostas incluem adotar um dia a menos de expediente para o trabalhador na semana; horário reduzido nas sextas-feiras; ou ainda mais flexibilidade nas horas de expediente, especialmente com a possibilidade do trabalho híbrido (parte da semana o trabalho é realizado na empresa e parte remotamente, em home office).
Esses modelos de organização do tempo laboral vêm sendo testados e implementados por empresas de diversos setores, com destaque àquelas voltadas à tecnologia e informação. E a redução nas horas semanais trabalhadas tende a resultar em profissionais mais motivados, com melhor saúde mental e qualidade de vida, sem prejudicar a produtividade. Os testes nas organizações têm revelado inclusive melhora em outros indicadores, como maior retenção e atração de talentos e maior criatividade e estímulo à inovação. Isso porque os trabalhadores tendem a utilizar essas horas a mais de folga para atividades que lhes são valorosas na vida pessoal, como exercícios físicos, organização doméstica, relacionamento familiar e descanso.
A professora da FAE Centro Universitário, Elaine Pacheco, especialista em Carreira e Coordenadora do Núcleo de Empregabilidade, avalia que após a pandemia, os profissionais têm se preocupado mais com a saúde, qualidade de vida e equilíbrio entre a vida pessoal e profissional, assuntos que não podem deixar de ser levados em consideração por parte da organização. “Segundo pesquisa da empresa de consultoria McKinsey com 15 mil funcionários de 15 países, 59% das pessoas passaram ou estão passando por um desafio relacionado à saúde mental. Se as empresas desejam profissionais engajados, produtivos, saudáveis, devem proporcionar benefícios e elaborar estratégias que auxiliem na saúde mental, física e no equilíbrio entre a vida profissional e pessoal”, argumenta.
Ainda não há dados oficiais sobre quantas empresas no Brasil adotam a semana de trabalho reduzida.“Percebemos esse movimento muito forte na Europa, mas no Brasil é muito incipiente ainda. Algumas empresas já adotaram a saída antecipada nas sextas-feiras, por exemplo, Todas as sextas-feiras o expediente acontece até às 14h. Porém, a maioria conta com a flexibilização do trabalho híbrido”, diz a especialista.
No Reino Unido, por exemplo, a semana de quatro dias de trabalho foi testada e aprovada por mais de 90% das empresas que participaram do projeto “The 4 Day Week Global”, conduzido pela organização sem fins lucrativos 4 Day Week, durante o segundo semestre de 2022. Nesse modelo, o profissional mantém seu salário integral e a mesma produtividade trabalhando 20% a menos do tempo tradicional. Ainda segundo os resultados do projeto, a média de receita dessas organizações cresceu até 35%, na comparação com o mesmo semestre de anos anteriores. E elas também viram redução de quase 60% no número de profissionais que pediram demissão, sinal interpretado como um indicativo de que esse modelo de trabalho semanal reduzido pode reter talentos. A mesma organização também realiza, neste semestre, experimentos de semana reduzida de trabalho no Brasil, em parceria com a ONG Reconnect Happiness at Work.
IMPLEMENTAR UM DIA A MENOS NA JORNADA REQUER ADAPTAÇÕES
Antes de promover qualquer alteração nos horários de trabalho, a empresa deve ter claro se a nova configuração é possível de ser implementada em seu modelo de negócio, pois a mudança vai exigir adaptações nos processos e especialmente na cultura organizacional. Quando se fala em mais um dia de descanso para o trabalhador, não significa que a empresa reduza seus dias de expediente na semana. Assim, políticas, processos, métricas e rotinas devem ser repensados e ajustados, incluindo escalas de trabalho e até reuniões planejadas estrategicamente, para evitar excessos ao colaborador ou demandas acumuladas.
“Os colaboradores deverão ser mais produtivos em menos tempo. Para isso, é preciso foco, comprometimento, gestão e otimização do tempo”, diz Elaine Pacheco. O alinhamento entre setores, equipes e comunicação interna também deve ser fortalecido. “Toda a mudança deve ser bem planejada, gradativa e os colaboradores preparados”.
A empresa pode começar fazendo pequenos testes, implementar o novo horário em alguns setores ou períodos do ano e gradativamente ir ampliando para outras áreas. Estratégias úteis para fornecer um indicativo se o modelo funciona bem na empresa e gera os benefícios pretendidos. “A Zee.Dog, empresa de artigos para pets, adotou a quarta-feira como dia de folga em 2020. Desde então, relata um aumento na produtividade de 20%”, exemplifica Elaine Pacheco.
“Na implantação da semana de quatro dias, que já aconteceu em empresas da Islândia, Reino Unido, Bélgica, Nova Zelândia, Escócia, EUA e mais recentemente em Portugal, percebemos um apoio e investimento do governo e sindicatos. Para o sucesso desse modelo, o trabalho deve ser em conjunto: empresas, governo e sindicato. É um trabalho a seis mãos, em que todos devem pensar em prós e contras em todos os âmbitos, principalmente na vida do funcionário”, reflete Elaine Pacheco.
BOM PARA O EMPREGADO, BOM PARA A EMPRESA
Cautela é o que sugere Eliane Ramos, presidente do Conselho Deliberativo da ABRH Brasil. Destacando que nem todas as empresas que já testaram a nova modalidade de horários tiveram resultados interessantes, Eliane Ramos defende que “tem de ser um ganha-ganha. Horários mais flexíveis têm de contribuir com o bem-estar, o equilíbrio entre vida pessoal e trabalho, mas precisa ser interessante para o negócio também”.
A nova configuração de horas trabalhadas demanda que tanto a mentalidade de empregados e gestores precisa se voltar, por exemplo, a identificar processos a serem reduzidos, inovação nas métricas de avaliação da produtividade e garantia do desempenho junto aos clientes. Nesse processo é de fundamental importância o papel dos líderes em conhecer as pessoas da equipe, e o do RH, no suporte estratégico.
Perfis diferentes de profissionais podem se adaptar melhor ou pior à nova configuração da agenda de trabalho. O sucesso dessas novas configurações depende da capacidade de envolver as pessoas, fortalecer conexões e relacionamentos. “Quando os funcionários, a equipe de RH, os líderes trabalham juntos para realizar esses processos, definir as tarefas, as prioridades, repensar a integração, entender as demandas da equipe, funciona muito melhor”, comenta Eliane.
O QUE DIZ A LEI
A legislação trabalhista não proíbe a modalidade de um dia a mais de folga do trabalho na semana, porém algumas condições devem ser observadas. O funcionário não deve ser obrigando a fazer mais horas de trabalho para ‘compensar’ o dia sem expediente, explica Gabriela Schellenberg, advogada Trabalhista. Segue a regra de que o trabalhador pode estender sua jornada em até duas horas diárias, desde que não ultrapasse 44h semanais. Além disso, em qualquer tipo de flexibilização no horário, não deve haver desconto no salário do trabalhador.
Gabriela Schellenberg alerta que é fundamental a jornada sempre estar expressamente prevista no contrato, ainda que sejam mais flexíveis ou com menos dias de expediente na semana. E registrar o ponto continua sendo indispensável. “O controle de ponto é necessário para se evitar eventuais discussões acerca de horas extras realizadas e não pagas e/ou não reconhecidas pelo empregador. Ele pode ser realizado de diversas formas, seja por controle de ponto, biometria ou reconhecimento facial, possibilitando que sejam registradas diversas saídas do funcionário durante sua carga horária de trabalho. O importante, nesse caso, é que o trabalhador conclua a sua jornada contratual semanal, sem extrapolar a quantidade de horas extras diárias permitidas por lei”, pontua.
Por Nara Chiquetti – Redação MundoCoop
Matéria exclusiva publicada na Revista MundoCoop Edição 112