Boa parte da compreensão popular sobre a produção agrícola e pecuária do Brasil se fundamenta em visões estagnadas e fora de contexto do mundo rural. O país saiu da condição de importador de alimentos para exportador em menos de 50 anos, um salto que se torna ainda mais incrível ao constatarmos que somente a produção de grãos é suficiente para saciar a fome de quase quatro vezes a atual população. Ou seja, perto de um bilhão de pessoas. Números que justificam a famosa alcunha de “celeiro do mundo”.
Esse patamar foi atingido garantindo a redução, a cada ano, das emissões de gases poluentes e causadores do chamado efeito estufa, dado o emprego difundido, porém cauteloso, de fertilizantes e defensivos. Controlou-se pragas, doenças e resguardou-se o meio ambiente e sua biodiversidade. Além dos grãos, há também raízes, tubérculos, frutas, óleos, proteína animal, leite, ovos e mel.
Essa diversificação e robustez de cada segmento fez o preço dos alimentos cair pela metade em meio século, permitindo à maioria da população ter acesso a comida saudável e barata. Esse foi, para muitos especialistas, o maior legado social da modernização agrícola, uma vez que o país deixou a insegurança alimentar. No entanto, pouco se divulga essas informações nas escolas e jornais.
O que teria sido da economia sem a ascensão do agronegócio, com seus empregos criados, participação robusta no PIB e geração de renda que garante ao Brasil proeminência nas transações comerciais, prosperidade dos polos produtivos e competitividade diante dos rivais de peso? A defesa do setor deveria ser uma bandeira prioritária. No entanto, o foco de concorrentes e até compradores destaca somente aspectos negativos, que existem, mas são mitigados ou até superados pelas benesses. Infelizmente, a sociedade aceita e repercute as críticas, sem difundir os fatos positivos.
Graças ao avanço das pesquisas e implantação de novas tecnologias e métodos, o país consegue regenerar florestas, sequestrar carbono, reciclar resíduos e renovar as fontes de energia. O desafio, além de divulgar as informações, é levar essas alternativas a produtores mais pobres e isolados.
O Brasil protege dois terços de seu território, entre terras indígenas demarcadas, unidades de conservação e demais áreas, espalhadas por seus biomas. Somos uma nação que lidera, com folga, o ranking de extensões terrestres sob proteção, em países com mais de 2.5 milhões de Km². Nessa lista, estão alguns de nossos grandes concorrentes, como China e EUA. Nesses dois, por exemplo, a proteção abrange desertos áridos e desabitados, ou regiões montanhosas e geladas, sem potencial de uso. Portanto, zelamos até mesmo por locais de grande aspecto qualitativo.
Mesmo assim, as diatribes seguem partido de Estados que jamais abririam mão dessa proporção de seus territórios, muitos inclusive já tendo desmatado, poluído e povoado suas ínfimas áreas protegidas. Várias nações europeias “caberiam” dentro do que protegemos.
Isso acontece, também, porque conservar é uma tradição histórica brasileira, herdada dos colonizadores portugueses, que impuseram rígidos protocolos de permissão para exploração dos ecossistemas, bem como punições a quem infringisse as normas. O extrativismo vegetal, a mineração e até a pesca eram controlados por séculos, havendo inclusive um enrijecimento com a chegada da Corte Real em 1808.
O tão conhecido pau-brasil, que deu nome ao país, deixou de ser cobiçado não pelo desaparecimento das matas, mas porque a árvore perdeu competitividade no mercado das tinturas com o uso das anilinas. Dom Pedro II ordenou o plantio das hoje famosas Florestas da Tijuca e das Paineiras, no Rio de Janeiro. Seu avô, Dom João VI, já havia criado o Jardim Botânico, bem como baixado novas e severas leis punindo poluição nos mananciais e corte ilegal de árvores perto das nascentes dos rios.
Como se vê, o atual pensamento crítico dos ambientalistas não encontra no processo histórico sua antítese, mas sim sua gênese, com governantes, produtores e cientistas da época que já agiam no sentido de construir uma corrente conservacionista, ajustada e integrada ao pragmatismo político, econômico, social e cultural de longo prazo. Era uma visão bastante próxima do que se convencionou chamar, tempos depois, de desenvolvimento sustentável.
Há muito ainda a progredir, mas cabe aos agentes desse debate lucidez e conhecimento (histórico) de causa, de modo a se encontrar um equilíbrio que não prejudique o crescimento duramente conquistado nas últimas décadas, bem como o futuro. Não faltará demanda e os cultivos podem, muito bem, expandir-se de acordo com a tradição nacional de preservação, sem generalizações. A agricultura brasileira é plural, com vertentes distintas entre si pela história, localização muitos outros fatores. É nisso que residem sua riqueza. É a marca de sua pujança e sustentabilidade.
Por fim, mas não menos importante, o importante compasso entre renovar e preservar se reflete na mão de obra, pois há uma lenta reversão do antigo êxodo rural, na medida em que novidades de tecnologia e métodos atraem jovens urbanos, com boa formação e projetos. Assim, outro problema que existia, o do envelhecimento, passa a ser mitigado, enquanto permanece uma preocupação na Europa e Ásia.
A maior e mais grata surpresa fica por conta das mulheres, cada vez mais presentes na cadeia produtiva, inclusive nos postos de comando. O avanço dos equipamentos que já não exigem força bruta permite que elas subam importantes degraus e integrem esse valioso capital humano que é a base do extraordinário trabalho nacional nesse setor – os agricultores.
Fonte: Marcelo Sá – SNA