Desde o surgimento das primeiras cooperativas, o setor tem buscado um grande objetivo, amplamente alcançado ao longo dos anos: propor um modelo de negócio mais democrático, sustentável e focado em pessoas. Hoje, mais de 200 anos depois do início do movimento, elas seguem atuando através destes pilares e algumas delas, exploram ao máximo alguns aspectos, como a produção sustentável.
No Brasil, o país com a maior biodiversidade do planeta, uma parcela específica de cooperados tem atuado de forma exemplar, explorando os recursos da terra para gerar desenvolvimento social e crescimento econômico e cultural. Através do extrativismo, elas estão ganhando espaço em meio a uma nova tendência, que há anos mostra a sua importância e que no atual momento, desponta como um modelo urgente à nova sociedade. Neste contexto, é necessário reforçar que, apesar de algumas práticas extrativistas trazerem impactos negativos significativos para o meio ambiente e a floresta, as cooperativas realizam um outro tipo de atividade, semelhante à subsistência, onde os cooperados retiram os recursos no volume ideal, de forma que a mata e os recursos naturais possam realizar o seu processo de recuperação, mantendo o ciclo da terra em seu ritmo habitual. Nas cooperativas, o extrativismo é – sobretudo – um instrumento de preservação.
Segundo o estudo “Potencial do impacto da bioeconomia para a descarbonização do Brasil”, organizado pela Associação Brasileira de Bioinovação (ABBI), em parceria com Embrapa Agroenergia, Laboratório Nacional de Biorrenováveis do Centro de Pesquisa em Energia e Materiais (LNBR/CNPEM), Centro de Tecnologia da Indústria Química e Têxtil (Senai/CETIQT) e Laboratório Cenergia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Cenergia/UFRJ), a implementação da bioeconomia no Brasil pode gerar um faturamento anual de U$284 bilhões até 2050. Diante deste número, o país tem buscado cada vez mais incentivar essa prática, e as cooperativas estão entre os principais players desta transformação.
Mas por que essa tendência possui tanto potencial de impacto social e econômico? Para Thiago Falda, Presidente Executivo da ABBI (Associação Brasileira de Bioinovação), a implementação desta prática remete às origens da atividade humana, tornando este novo movimento um resgate de práticas sustentáveis necessárias, perdidas ao longo do tempo. “Você pode considerar que a bioeconomia existe desde que o ser humano utilizou o primeiro ser vivo para gerar negócios e receitas, mas o conceito moderno surge somente em 2019, ano que a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) publicou um documento, no qual definiu a bioeconomia como ‘um mundo onde a biotecnologia contribui com parcela importante da produção econômica’ e traz como fundamentos ‘o uso e conversão de biomassa por meio de microrganismos e aplicação de inovações’”, explica.
Indo de encontro com a agenda ESG e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), a bioeconomia tem se tornado um dos principais objetivos de diversos países, cenário que não é diferente no Brasil. Com o aumento de cooperativas extrativistas, a prática tem sido cada vez mais frequente, e seus resultados ganham mais notoriedade a cada dia, seja do setor em si, como da população como um todo. Mas, para sua implementação de forma plena e efetiva, é preciso uma adaptação de toda a indústria, de forma a criar uma cadeia voltada à sua expansão. “O Brasil ainda precisa consolidar uma estratégia nacional de bioeconomia, visto que ela depende da interação entre diferentes setores econômicos, que precisam ser apoiados por políticas públicas que fomentem uma oferta sustentável de biomassa e que incentivem a implementação de biorrefinarias, que dependem da produção conjunta de biocombustíveis e de bioprodutos de maior valor agregado, criando assim uma demanda que valorize os aspectos ambientais positivos da biomassa brasileira”, frisa.
Com o uso dessa prática, os ganhos sociais vão além do que se pode imaginar. E, igualmente importante, promove-se uma economia sustentável, preocupada com a preservação do solo e suas propriedades. Para Falda, as transformações impulsionadas por essa nova economia trazem uma mudança de grandes proporções. E neste contexto, se abre um caminho para que cooperativas já estabelecidas se consolidem e ainda, que novas sejam criadas em um ambiente fértil para o seu crescimento. “A bioeconomia é caracterizada por ter uma produção descentralizada, estabelecendo e consolidando novas cadeias produtivas, que irão atrair o desenvolvimento econômico para muitas regiões, já que será necessário, por exemplo, a difusão de biorrefinarias e, consequentemente, a realização de investimentos e a geração de empregos de forma descentralizada, cenário que irá estimular o desenvolvimento de cooperativas pelo país”, explica.
Transformação que vem da terra
Mesmo com um contexto nacional a ser aprimorado, as cooperativas há muito tempo mostram o potencial que a bioeconomia pode trazer para a sociedade brasileira. Entre elas, a Cooperativa Agroextrativista Mapiá e Médio Purus (Cooperar), fundada há mais de 20 anos e que atualmente conta com o envolvimento de 65 comunidades ribeirinhas ao longo de mais de 1000km do rio Purus, que percorre o território do Peru e dos estados brasileiros do Acre e do Amazonas.
Segundo Pedro Adnet Moura, Engenheiro Florestal na Cooperar, a produção de mais de duas décadas é o principal exemplo do que a esse modelo é e pode oferecer. Além de trazer resultados econômicos, a exploração extrativista reacende a conexão do homem com a natureza, fazendo com que tal atuação seja não apenas para geração de renda, mas também para a promoção de uma mudança no olhar para com o meio ambiente.
“O fortalecimento de uma bioeconomia com os ecossistemas conservados, tem relevante importância para as comunidades locais, que fazem o manejo dos múltiplos produtos dos ecossistemas, e para toda a sociedade. A produção agroextrativista é a base da economia de muitos grupos e contribui para as economias regionais que, por sua vez, contribuem para as economias nacionais e globais. Quando andamos na mata sentimos o valor que a floresta tem, além dos preciosos serviços ambientais; da floresta podemos usufruir de produtos de alta qualidade e valor”, destaca.
Com fauna e flora que não se encontra em nenhum outro lugar do mundo, a biodiversidade brasileira traz plenas condições para que o país cresça nessa modalidade e alcance na prática, a previsão realizada pelo estudo da ABBI. Segundo Moura, unir a exploração responsável com a preservação da natureza é a fórmula exata para que o país cresça em um dos modelos de economia mais importantes e necessárias para a sociedade contemporânea. “A biodiversidade é um dos maiores ativos do país. Entendemos como possível e necessário, conciliar a produção florestal com a conservação dos ecossistemas. O potencial da bioeconomia brasileira é gigante, mas necessita de forte vontade política. O motor da bioeconomia é o investimento em pesquisas, nas ciências em diversas áreas que são capazes de promover as soluções e inovações necessárias às cadeias de valor que conservam os ecossistemas”, frisa.
Além da Cooperar, outros exemplos mostram um forte desenvolvimento desse modelo. Em Santo Antônio do Leverger, a 35 km de Cuiabá, a Cooperativa Agropecuária Mista De Santo Antônio De Leverger (Coopamsal) desenvolve o projeto “Agrovila das Palmeiras”, que utiliza o babaçu, castanha de uma palmeira nativa, como matéria-prima para a produção de farinha, sabonetes e óleos, e contribui com a renda da população regional e manutenção da conservação de árvores locais. Em entrevista ao G1, a mestranda em geografia e presidente da cooperativa, Rosilene Maruyama, explica a importância da iniciativa. “A cooperativa tem o papel de ajudar a população a enxergar a importância do trabalho em grupo. Então, a partir do momento que a gente começa a dar valor à produção do fruto do babaçu, nós trabalhamos para conservar a palmeira”, salientou.
Parcerias de impacto
Muitas vezes contando com poucos recursos e presentes em regiões afastadas, as cooperativas do extrativismo contam com amplo apoio de parcerias que promovem a bioeconomia como o modelo de negócio do futuro. Entre os grandes exemplos recentes, a Natura – gigante do setor de cosméticos – desenvolve o projeto de financiamento “Amazônia Viva”, fruto de uma parceria com o Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (FUNBIO) e a Vert Securitizadora. Através da parceria, a marca pretende impulsionar ao menos 40 cooperativas da Amazônia através da bioeconomia, além de auxiliar pequenos agricultores na preservação de mais de 3 milhões de hectares de floresta. “Os produtores terão capital de giro e investimentos para protagonizar uma operação mais eficiente, além de fomentar programas socioambientais que ajudem a resolver problemas estruturantes dos territórios e fortalecer o protagonismo de jovens e mulheres, por exemplo”, explicou Priscila Matta, gerente de sustentabilidade Natura, em entrevista à Brazil Beauty News.
Por sua vez, a Cooperar também conta com diversas parcerias que ao longo de sua trajetória, ajudaram a consolidar o trabalho. Entre elas, projetos da Fundação Banco do Brasil, Fundo Amazônia via SOS Amazônia, Instituto Socioambiental de Viçosa e outros. Para Moura, tal interesse externo pelo trabalho exercido pelos cooperados, mostra a magnitude da bioeconomia e do extrativismo, e exemplificam a importância que elas ganharam nos últimos anos. “É fundamental que as comunidades tenham acesso ao apoio de parcerias para que reúnam as condições necessárias para a estruturação das cadeias produtivas, desde o acesso a recursos financeiros, à assistência técnica para viabilizar o desbloqueio do valor dos recursos naturais das quais são guardiãs e beneficiárias”, destaca. Além disso, as parcerias devem atuar para a preservação cultural, entendendo que a expansão do negócio não deve ser causadora da perda de identidade das populações que vivem desta prática. “É preciso que haja crescimento pessoal, com valorização da cultura, com assistência técnica e capacitações, além do apoio na estruturação dos negócios e no desenvolvimento de pesquisas que solucionem os gargalos associados às diferentes cadeias produtivas”, completa.
Desenvolvimento nacional
Através de resultados factuais, a bioeconomia e o extrativismo andam de mãos dadas e são exemplos de uma parcela das cooperativas que possuem grande espaço para crescerem, não somente em operação, mas também com o surgimento de outras cooperativas, criando um importante ecossistema de desenvolvimento sustentável. Contudo, para que tal cenário se fortaleça e ganhe espaço também nas pautas políticas e econômicas, se faz necessário que iniciativas voltadas ao setor conquistem voz e espaço em meio à um mercado amplamente competitivo.
Para o presidente da ABBI, o fortalecimento destas práticas virá apenas com políticas públicas e privadas, além de uma regulamentação que entenda as particularidades dessa atividade. “A principal dependência está nas políticas públicas. O país precisa ter um ambiente regulatório adequado que ofereça segurança jurídica e ambiental. A bioeconomia se baseia no avanço de tecnologias com diferentes graus de maturidade, que dependem de investimentos públicos e privados de longo prazo, compartilhamento de riscos e direcionamento para os setores-chave bioeconomia. E, por ser um modelo novo, precisamos de regulações que garantam a segurança das empresas, profissionais, população e que não gerem entraves à inovação”, frisa.
Por sua vez, Moura lembra que a bieconomia e o extrativismo unem conhecimentos intrínsecos das comunidades e novas práticas descobertas apenas através de uma vasta pesquisa, tornando este segundo um elemento essencial para o avanço contínuo do setor e o fortalecimento do cooperativismo de forma ampla. “Em um cenário de desenvolvimento e mais investimentos nas pesquisas, que são a base tecnológica de um país, atenção às espécies nativas, o futuro da bioeconomia do país é ser uma contribuição relevante no PIB, que gera condições de vida dignas, às comunidades que vivem cultivando e vivendo com as florestas. Será real a valorização dos serviços ecossistêmicos e os programas de pagamento por serviços ambientais serão fortes indutores de boas práticas de manejo e conservação dos ecossistemas, em benefício de todos”, finaliza.
Por Leonardo César – Matéria exclusiva publicada na Revista MundoCoop edição 111