Passado um período de efervescência nos investimentos em startups latino-americanas, principalmente ao longo de 2021, outro cenário, não menos promissor, apresenta-se para essas empresas. A combinação de elementos como boas ideias, uma população bastante aberta ao uso de novas tecnologias e habilidade dos empreendedores locais para criar negócios escaláveis criam o ambiente perfeito para um processo de inovação baseado em ousadia. Um processo capaz de — em muito menos tempo do que se imaginava — gerar empresas originárias da América Latina com alcance global.
A região tem uma localização altamente favorável para as ligações comerciais com os principais polos de negócios do mundo e uma população de cerca de 600 milhões de pessoas — um mercado consumidor ainda com grande potencial de crescimento quando comparado aos de outras áreas do globo. Não é por acaso que grandes companhias multinacionais há muito tempo fazem investimentos na América Latina. Agora, o pêndulo se inclina em direção aos empreendedores latino-americanos, a cada dia mais interessados em usar suas regiões de origem não apenas para atingir os mercados locais, mas também como ponto de partida para uma expansão global.
A magnitude e a importância da América Latina já permitem que uma empresa local expanda globalmente suas operações a partir, por exemplo, de países como Brasil, México e Chile. Trata-se de mercados, afinal, com crescente relevância para o comércio transacional, como mostra um estudo recente da fintech de tecnologia de pagamentos Nuvei, que mapeou especificamente as relações da América Latina com a Europa. De acordo com o relatório, a participação de empresas europeias no e-commerce transnacional latino-americano será de 2%, em 2023, o que corresponde a cerca de US$ 1 bilhão, com uma taxa de crescimento expressiva: 20% ao ano.
Esse campo ainda aberto para investimentos e inovação que a América Latina representa foi tema de um painel do Web Summit Rio — maior evento global de tecnologia e inovação que, sintomaticamente, pela primeira vez aconteceu em solo latino-americano. Especialistas como Eric Acher (Monashees), Renata Quintini (Renegade Partners), Edith Yeung (Race Capital) e Ricardo Amorim (economista) debateram a tendência de empreendedores da região direcionarem seus negócios conforme uma visão global, em muitos casos amparados pela facilidade da incorporação de novas tecnologias no cotidiano dos países da América Latina. Contam pontos nesse aspecto a afinidade com tecnologias disruptivas, a disseminação de smartphones e da tecnologia 5G de conexão à internet e, não menos importante, o alto nível de engajamento tecnológico dos mercados consumidores latino-americanos.
A capacidade de encontrar soluções criativas para problemas cotidianos, tradicionalmente uma marca dos países latino-americanos (que muitas vezes ao longo de sua história precisaram enfrentar situações de escassez e falta de recursos financeiros), é outro componente da dinâmica de inovação e ousadia que movimenta os empreendedores locais. O “jeitinho” latino-americano, que por tanto tempo sempre teve uma conotação pejorativa, parece ter encontrado, enfim, um caminho sem volta para se espalhar pelo mundo de forma positiva. A América Latina tem tudo para surpreender e se transformar num polo de inovação global em menos de duas décadas. Quem sabe hoje já não estão sendo gestados na região os Googles, Facebooks e Teslas do futuro? Ideias e oportunidades é que não faltam.
*Rafael Lopes é diretor da Nuvei Brasil