Foram 8 meses de aflição. Com 3 filhos para criar, a gaúcha Luziane da Silva Pedroso, 46 anos, ficou sem nenhuma fonte de renda ao finalizar o período de estágio em uma escola infantil. Ela bateu de porta em porta, em diversas empresas, por quase um ano, até ser levada pela sogra para conhecer uma cooperativa de trabalho em Porto Alegre. Lá, descobriu um mundo novo, repleto de possibilidades.
O ano era 2003 e, ao se tornar cooperada, Luziane não apenas arrumou um trabalho, como virou dona do próprio negócio. Desde então, recebe um salário digno todo mês, que lhe deu condições para terminar os estudos e comprar a casa própria.
“A cooperativa, para mim, é uma grande mãe. Ali dentro, não tem discriminação, nem por idade, nem por estudo ou sexo. Muitas empresas não contratam idosos para trabalhar, por exemplo. A cooperativa, não. Ela abraça a todos”, afirma Luziane que hoje atua como supervisora na Cooperativa de Trabalho, Produção e comercialização dos Trabalhadores Autônomos das Vilas de Porto Alegre (Cootravipa).
A história de crescimento, superação e vida nova de Luziane não é única dentro do cooperativismo. Outros 18,8 milhões de brasileiros encontraram nesse jeito diferente de viver e de fazer negócios uma forma de garantir trabalho e sustento para suas famílias, como cooperados. A eles, somam-se outros 493,2 mil brasileiros que vestem a camisa da cooperação profissionalmente, dedicando tempo, talento, conhecimento e força de trabalho para ajudar o cooperativismo a crescer.
Segundo o AnuárioCoop 2022 – Dados do Cooperativismo Brasileiro, divulgado pelo Sistema OCB, em apenas um ano, o número de cooperados aumentou mais de 10%. No estudo anterior, feito em 2021, eles somavam 17 milhões de brasileiros.
Nesse período, o número de cooperativas também cresceu e chegou a 4.880 em todo o país. Dessas, 2.535 têm mais de 20 anos de atuação no mercado, o que demonstra, na avaliação do Sistema OCB, tanto a solidez como a resiliência desse modelo de negócios, mesmo após dois anos de pandemia.
“Os resultados comprovam que o cooperativismo se fortalece em momentos de crise. A preocupação com a comunidade, princípio básico das nossas cooperativas, demonstra que somos essenciais para a retomada da economia brasileira, especialmente agora, no pós-pandemia”, defende a gerente-geral do Sistema OCB, Fabíola Nader Motta.
O papel das cooperativas durante e após a pandemia também foi destacado por Luziane. Ela contou que, mesmo perdendo alguns contratos importantes, a Cootravipa — assim como centenas de outras organizações cooperativas — realocou os cooperados para que eles não perdessem renda durante o surto sanitário mundial. Uma decisão coerente com um modelo de negócios que valoriza as pessoas e tem como um de seus princípios cuidar da formação, do desenvolvimento, do bem-estar e da felicidade dos cooperados.
Com quase 40 anos de existência, a cooperativa que mudou a vida de Luziane mantém contratos com a prefeitura de Porto Alegre para limpeza e conservação da capital gaúcha, garantidas pelos cerca de 2 mil cooperados que fazem parte da entidade.
Esses profissionais cuidam da limpeza das 600 praças da capital gaúcha e fazem a capina da vegetação de todas as ruas da cidade. Também fica a cargo da Cootravipa a limpeza e a conservação predial dos edifícios públicos e dos meios-fios da cidade.
Em seus quase 20 anos de cooperativismo, Luziane fez de tudo um pouco. Passou pela varrição de ruas, participou da limpeza de unidades básicas de saúde e hoje está na supervisão dos serviços gerais de uma secretaria da prefeitura. Uma trajetória longa, porém nunca solitária.
“Sempre tive apoio dos colegas cooperados e da cooperativa para, de degrau em degrau, alcançar postos mais altos dentro da organização”, conta, com orgulho. Além do conhecimento vindo do próprio trabalho, ela fez cursos de informática, Excel e de liderança bancados pela instituição.
Hoje com 5 netos e uma casa para chamar de sua, Luziane garante: o cooperativismo foi um grande divisor de águas em sua vida. “A cooperativa é o meu porto seguro.”
Emprego em alta
De acordo com o AnuárioCoop 2022 o cooperativismo é responsável pela geração direta de 493,2 mil postos de trabalho, um aumento de 8% em relação ao ano anterior (455.095). Com saldo positivo de 38,1 mil empregos criados no ano, o cooperativismo deu uma chance de trabalho a 106 novas pessoas por dia, em média – na contramão do mercado de trabalho no país que, em 2021, registrou uma taxa média de desocupação de 11%, o que somam mais de 12 milhões de desempregados.
“Apenas no setor financeiro, as cooperativas de crédito abriram 10,2 mil novos postos de trabalho em 2021. Enquanto as instituições financeiras tradicionais fecham agências e deixam municípios pequenos desassistidos, as cooperativas abraçam esse público e dão mais chance de emprego a diversos brasileiros”, reforça Fabíola.
Morador de Bebedouro, no interior de São Paulo, Tiago Sartori é funcionário do Sicoob Credicitrus há 30 anos e conta que tem muito orgulho da trajetória que construiu dentro do cooperativismo. Ele entrou na cooperativa em 1992 como legionário mirim – o equivalente hoje a menor aprendiz – em uma época em que a instituição tinha 8 funcionários e 400 cooperados.
Dentro da Credicitrus, Tiago foi ainda office boy, trabalhou na área de atendimento, de crédito rural, na contabilidade e na área de Tecnologia da Informação – onde desenvolveu toda a sua carreira e permaneceu por 22 anos.
Graduado em processamento de dados, pós-graduado em Sistema de Informação e com MBA em Governança de TI, Sartori é hoje gerente da área de inovação da Credicitrus que conta, atualmente, com 1,2 mil funcionários e mais de 160 mil cooperados. Depois de tantos anos trabalhando no setor, ele afirma: o cooperativismo já está em seu DNA.
“Tudo o que tenho e parte do que sou, devo à Credicitrus, às pessoas que a construíram e ao cooperativismo. Tudo que faço, na minha vida pessoal e social, trago os princípios cooperativistas dentro de mim, pois acredito neles como parte dos meus valores.”
Justiça social
Diferentemente de uma empresa tradicional que tem dono e visa lucro, o cooperativismo é uma reunião de pessoas com um objetivo em comum. Em uma cooperativa, todos os cooperados são donos do negócio e se beneficiam dos frutos do próprio trabalho.
“Gostamos de dizer que somos um jeito diferente de fazer negócios. As cooperativas estão sempre em busca de um mundo mais justo, ético e sustentável. Para nós, além da qualidade dos produtos e serviços, um negócio só dá certo se é bom para todos”, defende a gerente geral do Sistema OCB, Fabíola Nader Motta.
Para o economista e consultor em cooperativismo de crédito Lucio Faria, as cooperativas fazem parte do cotidiano do brasileiro oferecendo produtos e serviços a preços mais justos e ajudando a movimentar a economia do país, em diversos setores – desde o agronegócio e o transporte até saúde, educação e o setor financeiro.
“Cooperativas são instrumentos importantes de organização de trabalho e de desenvolvimento da economia do Brasil. Através dessa forma de organização, em que os associados são os donos, eles podem prestar serviços e entregar produtos à população brasileira de uma maneira mais benéfica e vantajosa. Isso acontece, em grande parte, porque as cooperativas não buscam o lucro, mas sim a melhoria da vida das pessoas”, destacou.
Confira os números do cooperativismo por ramo de atuação:
Fonte: AnuárioCoop 2022 – Dados do Cooperativismo Brasileiro /G1